Notícias ambientais

A Norsk Hydro, acusada de vazamento tóxico no rio Amazonas, admite possuir “tubulação clandestina”

  • A planta de refinaria de alumínio da Hydro Alunorte no município de Barcarena, no estado do Pará, foi acusada pelas autoridades brasileiras de contaminar as águas de várias comunidades com rejeitos tóxicos de uma bacia que transbordou no começo deste mês.

  • A empresa negou a alegação, mas concordou em fornecer água à população local, e está investigando o caso.

  • O governo acusou a empresa de possuir também uma “tubulação clandestina de lançamento de efluentes não tratados”, alegação que a empresa governamental norueguesa admitiu ser verdade.

  • As autoridades ainda não determinaram causa, dimensão ou consequências do vazamento, enquanto os locais se queixam de que não é a primeira vez. Conforme o IBAMA, órgão brasileiro de meio ambiente, a Norsk Hydro ainda não pagou multas estipuladas em R$ 17 milhões, depois que um transbordamento tóxico colocou em risco a população local de Barcarena em 2009.

Inundação na refinaria Norsk Hydro Alunorte depois de fortes chuvas em fevereiro de 2018. Foto do Instituto Evandro Chagas

Norsk Hydro, uma empresa de mineração e refino de bauxita e alumínio também conhecida como “Hydro”, cujo acionista majoritário e controlador é o governo da Noruega, foi acusada pelo governo brasileiro por vazamento de resíduos tóxicos de bacias da refinaria Hydro Alunorte. Esta operação, localizada no município de Bacarena, estado do Pará, perto da foz do rio Amazonas, é a maior planta de refinaria de alumínio do mundo. A empresa nega ser responsável por qualquer vazamento, mas diz que está cooperando plenamente com as autoridades.

A Norsk Hydro também foi acusada de possuir uma “tubulação clandestina de lançamento de efluentes não tratados” em um conjunto de nascentes do rio Muripi em um laudo do Instituto Evandro Chagas do Ministério da Saúde brasileiro. A gigante norueguesa de mineração inicialmente negou tal acusação, posteriormente admitindo-a.

“Durante uma das vistorias, verificou-se a existência de uma tubulação com pequena vazão de água de coloração avermelhada na área da refinaria”, declara a empresa. “Conforme solicitado pelas autoridades, a empresa está fazendo as investigações necessárias para identificar a origem e natureza do material, bem como realizando a imediata vedação desta tubulação”.

A bacia de rejeitos da refinaria Norsk Hydro Alunorte que as autoridades brasileiras dizem ter trasbordado. Foto de Amazonia Real encontrada no Twitter

O vazamento da Norsk Hydro sob investigação

Grandes tempestades nos dias 16 e 17 de fevereiro supostamente causaram o transbordamento da bacia de rejeitos tóxicos, resultando em contaminação da água usada por Bom Futuro e várias outras aldeias próximas. Os moradores locais temem que o acidente poderia ser semelhante ao pior desastre de mineração da história do Brasil, o vazamento de Mariana no Rio Doce em 2015.

Níveis altos de chumbo, alumínio, sódio e outras toxinas foram detectadas na água para consumo humano até dois quilômetros de distância da propriedade da Norsk Hydro, conforme o Ministério da Saúde. O pH registrado nas águas foi 10, extremamente alcalino, provavelmente devido à soda caustica usada para processar bauxita, o material bruto utilizado para produzir o alumínio.

O procurador da República no Pará, Ricardo Negrini, declarou em uma coletiva de imprensa que “sem dúvida nenhuma” ocorreu um vazamento, no entanto ainda não há dados sobre a causa, a dimensão ou as consequências do incidente.

Depois que os moradores das comunidades fizeram as primeiras reclamações sobre o vazamento, a Hydro mandou uma nota aos seus clientes descrevendo o episódio como “boato”, declarando que “não houve vazamentos ou rompimentos” na bacia de rejeitos.

Vista de satélite das instalações da Norsk Hydro Alunorte como vistas do espaço. Imagem de satélite do Google Maps

A empresa também negou o vazamento no seu site, dizendo que: “As vistorias internas e externas não constataram provas de transbordo ou vazamento dos depósitos de resíduos de bauxita na Hydro Alunorte”, e que “A água tem sido coletada, canalizada e tratada na estação de tratamento de efluentes industriais, como normalmente é feito”.

No entanto, a empresa disse à BBC Brasil que “tem o compromisso de corrigir qualquer problema que possa ter sido causado pela sua operação”, acrescentando que “A Hydro Alunorte informa que está providenciando imediatamente o fornecimento de água potável para as comunidades de Vila Nova e Bom Futuro, com apoio da Defesa Civil. A empresa se compromete a colaborar com as comunidades onde foram coletadas as amostras pelo Instituto Evandro Chagas para encontrar soluções de acesso permanente à água potável, em conjunto com as partes interessadas”. A empresa também disse que iria lançar uma força tarefa para investigar.

Segundo um especialista de saúde, “A população [local] usa estas águas [perto das bacias de armazenamento] para recreação, consumo e captura de peixes”, por consequência, essa proximidade poderia levar à contaminação dos solos e à bioconcentração. Os resultados de testes para detecção de toxinas feitos no cabelo e na pele dos que moram perto do vazamento não estarão disponíveis por várias semanas.

Questionada sobre a tubulação clandestina do laudo do Ministério da Saúde e sobre a negação do vazamento, a empresa disse que aguarda receber um laudo oficial antes de fazer mais comentários.

O governo norueguês declarou que não conseguiria responder às perguntas enviadas pela Mongabay em tempo hábil para este artigo.

Vista da inundação ao redor da operação da Norsk Hydro Alunorte no município de Barcarena, estado do Pará, Brasil, em fevereiro de 2018. Foto do Instituto Evandro Chagas

Brasil responde ao vazamento

Os procuradores independentes do Ministério Público Federal e do estado do Pará enviaram à Norsk Hydro um documento solicitando o fechamento imediato da bacia da empresa. Segundo os órgãos, há um risco de rompimento da bacia de rejeitos, o que causou medo de uma tragédia como à de Mariana em 2015, quando uma onda de lama tóxica soterrou a aldeia de Bento Rodrigues e se espalhou 800 km pelo rio Doce até chegar ao Oceano Atlântico.

Contudo, Luiz Jardim, geógrafo e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, disse à BBC Brasil que as barragens de Mariana e Barcarena “têm naturezas distintas”, com a bacia da Norsk Hydro apresentando uma ameaça menor. “Em Mariana, a barragem [era] muito mais alta”, disse. Mas a inclinação é bem menor “na Amazônia, onde há uma planície fluvial. Então a força do rompimento, caso ele ocorra, será menor. [No entanto, o município de] Barcarena tem o potencial mais alto de contaminação dos rejeitos”.

Em junho do ano passado, a BBC Brasil revelou que a Hydro foi alvo de uma série de denúncias no Ministério Público Federal (MPF) do Pará, assim como de quase dois mil processos judiciais por contaminação de rios e de comunidades de Barcarena.

Conforme o IBAMA, o órgão brasileiro de meio ambiente, a empresa ainda não pagou multas estipuladas em R$ 17 milhões, depois de um transbordamento tóxico em 2009. Conforme o IBAMA, o transbordamento daquela época colocou a população de Barcarena em risco e gerou “destruição significativa da biodiversidade”.

Lembranças da tragédia anterior podem ter aumentado a preocupação dos moradores sobre o novo vazamento. “Esse não é o primeiro vazamento”, disse Sandra Amorim, moradora da comunidade quilombola de São João (composta de ex-escravos foragidos), que fica a um quilômetro da bacia da Norsk Hydro. Naquela época, disse ela, “Primeiro eles negaram e depois do laudo, disseram que teve vazamento. Eles prometeram agora que vão começar a distribuir água mineral potável e comida. Isso não é suficiente pra gente. A gente não quer migalha. A gente quer essa situação resolvida”. Ela adicionou que atualmente “tem pessoas com coceiras pelo corpo e gente ficando doente” na comunidade. Ainda não há confirmação oficial de contaminação de moradores pelo Instituto Evandro Chagas.

A Ordem dos Advogados do Brasil do Pará (OAB-PA) disse em resposta ao descobrimento da tubulação ilegal que solicitará o afastamento do secretário de Meio Ambiente, Thales Belo, e uma intervenção judicial na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (SEMAS), órgão estadual de meio ambiente. “Causou indignação especial [quando o Ministério da Saúde descobriu] um dreno ‘clandestino’, por onde a empresa, com a aquiescência da Semas, drenava rejeitos quando as chuvas se intensificavam”, disse a OAB-PA.

Vista área da inundação do complexo da Norsk Hydro Alunorte. Foto de riotimesonline.com encontrada no Twitter

Uma região beneficiada e prejudicada pela mineração

Barcarena, uma região estuarina dividida por pequenos rios e ilhas, viu sua população crescer a uma taxa três vezes mais rápida que o resto do Brasil nos últimos 40 anos, graças às vagas de emprego geradas pelas mineradoras. Mas a região sofreu crescimento desordenado quando se tornou uma grande exportadora de produtos minerais (bauxita, alumínio e caulim), soja e gado.

“O histórico de acidentes ambientais em Barcarena é impressionante, uma média de um por ano”, disse, à BBC Brasil em junho de 2017, o procurador da República, Bruno Valente, que assinou uma ação civil em 2016. “O transbordamento de lama da bacia de rejeitos da Hydro afetou uma série de comunidades em 2009 e até hoje nunca houve uma compensação ou pagamento de multa”, disse ele.

Empresas norueguesas de mineração e processamento são grandes produtoras do alumínio mundial. O governo norueguês ganhou manchetes internacionais no ano passado pela crítica pública sobre o aumento da taxa do desmatamento amazônico no Brasil durante uma visita do Presidente Michel Temer à Noruega. Em dezembro de 2017 o país escandinavo reduziu em 60%, para $42 milhões de dólares, sua contribuição anual ao Brasil depois de outro aumento anual em destruição florestal.

Alguns questionam se o governo norueguês está agindo de maneira justa, por causar degradação ambiental no Brasil através de suas atividades de mineração, ao mesmo tempo que retém financiamento devido às suas críticas sobre o aumento do desmatamento sob o governo do Temer.

Max Nathanson é estudante de pós-graduação do Departamento de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Oxford e fotojornalista freelance. Veja seu trabalho em maxnathanson.com e siga-o no Twitter @TheMaxNathanson.

Comentários: Use este formulário para enviar uma mensagem ao autor deste artigo. Se você deseja deixar comentários públicos, você pode fazer isso no final da página.

Exit mobile version