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2017 no Brasil: perdas para os indígenas e para o ambiente; violência crescente

  • Em 2017, a bancada ruralista do Congresso fez vários pedidos para que o presidente Temer emitisse decretos enfraquecendo proteções ambientais e revogando o direito a terras por parte de comunidades indígenas e tradicionais – decisões especialmente impactantes sobre a Amazônia.

  • Encorajados, representantes do agronegócio, pecuaristas, grileiros e madeireiros reforçaram seus ataques em 2017, tornando o Brasil o país mais perigoso do mundo para ativistas sociais e ambientais. Houve 63 assassinatos até o fim de outubro do ano passado.

  • A redução no orçamento de institutos como FUNAI e IBAMA foi tão drástica nesse ano que eles se tornaram incapazes de realizar seu trabalho de fiscalização e proteção.

  • Em 2017, Temer tentou desmembrar o Parque Nacional do Jamanxim e a Floresta Nacional do Jamanxim e abrir a RENCA à mineração na Amazônia – esforços até agora sem sucesso, mas que não foram deixados de lado. A resistência a tais projetos se mantém, especialmente entre grupos indígenas, forçando Temer, em algumas ocasiões, a recuar em suas iniciativas.

Temer se encontra com seus ministros, muitos dos quais, como o Ministro da Agricultura, Blairo Maggi, provêm ou têm laços estreitos com a elite ruralista. Desde 2016, quando esta foto foi tirada, muitos ministros foram forçados a renunciar devido a acusações de corrupção. Tanto Maggi quanto Temer estão sob investigação por corrupção. Foto: José Cruz / Agência Brasil.

2017 trouxe muitos desafios para a conservação ambiental na Amazônia brasileira. O ano foi marcado por uma enxurrada de iniciativas do fraco presidente Michel Temer que, diante de acusações de corrupção, embarcou em uma estratégia de sobrevivência que colocou sua administração à disposição da bancada ruralista do Congresso.

Esses políticos e seus apoiadores – o agronegócio, pecuaristas, grileiros e madeireiros – há tempos vêm expressando seu descontentamento em relação ao que consideram excessiva extensão de terra ocupada por unidades de conservação, reservas indígenas, comunidades tradicionais e quilombos.

No começo de 2016 – antes de concordar em apoiar Temer em sua alçada ao poder por meio do impeachment da então presidente Dilma Rousseff -, a bancada ruralista elaborou uma lista de demandas políticas. O documento, intitulado “Pauta Positiva – Biênio 2016-2017” , exigia a reversão de vários avanços ambientais e sociais alcançados desde o fim da ditadura militar, em 1985.

Depois que Temer subiu ao poder, os ruralistas conseguiram ainda mais poder e influência quando o Congresso foi convocado três vezes para votar a autorização ao Supremo para investigar o presidente por corrupção.

A cada novo voto a favor de Temer, mais os ruralistas pressionavam o presidente a ceder a suas demandas.

Ainda assim, o lobby ruralista não conseguiu tudo o que queria. As iniciativas de 2017 de Temer provocaram reação furiosa por parte de indígenas e movimentos populares, ONGs, promotores independentes do Ministério Público Federal, advogados e membros da sociedade civil, e, às vezes, da comunidade internacional. O movimento de oposição conseguiu retardar ou suspender um número surpreendente de medidas do governo, embora poucas tenham sido totalmente revogadas.

Líderes indígenas atacados com gás lacrimogênio pela polícia em frente ao Congresso Nacional, em abril de 2017. Indígenas e comunidades tradicionais têm sofrido ondas de violência e perda de terras desde a tomada de poder por Temer em 2016, uma tendência que se intensificou significativamente em 2017. Foto: Wilson Dias, cortesia da Agência Brasil

Uma crescente onda de violência

A resistência se manteve forte ao longo do ano passado, mesmo o Brasil se tornando um país cada vez mais perigoso para vozes divergentes, com a crescente criminalização dos movimentos sociais. Em 2017, o conflito se concentrou em torno da negação de direito à terra a comunidades indígenas e tradicionais, pequenos agricultores e quilombolas.

Violence has now escalated to the point that Brazil is rated o país mais perigoso do mundo para ativistas sociais e ambientais. Até o fim de outubro do ano passado, foram registrados 63 assassinatos no campo, mais do que as 61 mortes ocorridas em todo o ano de 2016. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), aconteceram mais assassinatos em 2017 do que em qualquer ano desde 2013, quando 73 pessoas foram mortas.

Os ruralistas, empolgados com as políticas de Temer, intensificaram seus ataques, tornando 2017 um ano cheio de massacres violentos, decapitações, mãos decepadas a facão, tortura e morte.

Os eventos listados a seguir são apenas alguns dos massacres (definidos pela CPT como o assassinato de duas ou mais pessoas na mesma ocasião) ocorridos em 2017:

Enquanto isso, o governo sistematicamente enfraquecia as instituições de regulamentação e fiscalização, começando pela redução dos orçamentos do INCRA, da FUNAI e do IBAMA. Já tendo sofrido cortes anteriores, as agências passaram a ter muita dificuldade para realizar até mesmo seus serviços básicos de proteção.

Índios Guarani Kaiowá vivendo no Mato Grosso do Sul. Os decretos executivos de Temer no ano passado várias vezes tiveram como alvo o direito à terra por parte de indígenas, garantido pela Constituição de 1988. Foto: percursodacultura via Visual hunt / CC BY-SA

Ataques ao direito dos indígenas à terra

Com as agências enfraquecidas, o governo passou a atacar o direito dos indígenas à terra. Em julho do ano passado, Temer aprovou um parecer da Advocacia-Geral da União que estabelecia novos critérios para determinar os limites das terras indígenas. O mais controverso era a adoção do “marco temporal”, que estabelecia que somente seriam demarcadas terras que, na data arbitrária de 5 de outubro de 1988 (data da promulgação da atual Constituição Federal), estivessem ocupadas por grupos indígenas. Segundo historiadores, nessa data, muitos desses grupos já tinham sido expulsos de suas terras.

A legalidade da medida foi questionada, e o Supremo Tribunal Federal pode vir a anulá-la. Mas, nesse ínterim, a Presidência instruiu o Ministério da Justiça a implementar a iniciativa. Com isso, o ministério parou imediatamente de demarcar novas terras indígenas e começou a “revisar” dezenove terras indígenas que haviam passado por quase todo o longo e árduo processo de titulação. Está em jogo uma área de quase 800 mil hectares, localizada em sua maior parte na bacia amazônica. Se o Ministério da Justiça decidir que a terra não pertence aos indígenas – os melhores conservadores de terra -, pode-se esperar intenso desmatamento na área.

Por meio de outra medida, a Portaria 68, o governo procurou transferir a responsabilidade técnica de demarcar terras indígenas, até então legada a funcionários especialistas da FUNAI, a um novo órgão, em que outros atores, incluindo proprietários de terra, têm representatividade. Diante de uma feroz reação por parte de líderes indígenas, advogados, o Ministério Público Federal e até a ONU, o governo revogou as medidas mais controversas, mas sem deixar de tentar criar o novo órgão demarcador.

Outras iniciativas anti-indígenas em curso incluem um decreto presidencial que torna legal que o agronegócio arrende terras dentro de reservas indígenas de forma permanente. Márcio Santilli, um dos fundadores da ONG Instituto SocioAmbiental (ISA), disse que a iniciativa, embora editada pelo ministro da Justiça, é claramente inconstitucional.

O futuro destas crianças quilombolas pode depender do resultado de uma batalha legal iniciada por ruralistas que questionam o direito à terra pelos quilombos – uma briga que chegou ao Supremo em 2017. Foto: Carol Gayao, sob licença Creative Commons Atribuição Share Alike 3.0 Unported

Ataques a quilombos e comunidades tradicionais

Em 2017, ganhou ímpeto uma grande ofensiva contra o direito à terra por parte dos quilombolas. Em 2003, o governo Lula, mais simpático aos direitos sociais, publicou o Decreto 4.887, que abolia um antigo requisito de que as comunidades quilombolas comprovassem ter vivido continuamente no local desde 1888 a fim de poder ter direito à terra. Tratava-se de exigência de cumprimento inviável para comunidades que procuravam manter um perfil legal discreto, uma vez que haviam sido estabelecidas por escravos fugidos e que temiam ser recapturados.

Recentemente, o DEM foi à justiça para anular o decreto de Lula. Por causa de intensos protestos, o STF ainda não decidiu sobre a questão, adiando o julgamento por várias vezes. Mas, ainda que o Supremo decida contra o DEM, os quilombolas não verão benefícios, uma vez que o orçamento para demarcação de terras foi tão reduzido que o processo está agora parado.

Comunidades rurais não indígenas – incluindo assentamentos da reforma agrária e comunidades rurais de seringueiros, coletores de castanha-do-pará e pescadores – também sofreram grandes reveses em relação ao direito à terra.

No governo Temer, o programa de reforma agrária acabou. O orçamento para criar reservas extrativistas (RESEX), onde comunidades rurais podem extrair produtos florestais desde que preservem a mata ao redor, está hoje exaurido, deixando uma longa fila de comunidades à espera. De forma semelhante, programas em que subprefeituras municipais compravam produtos de pequenos agricultores para produzir merenda escolar foram interrompido.

A MP 759 (agora convertida na Lei 13.456) determina que terras que deveriam pertencer a pequenos agricultores sejam entregues a forasteiros e elites abastadas, que as poderão registrar em seu nome. Esse relaxamento nas regras de registro de terras resultou na violenta expulsão de agricultores por parte de grileiros, madeireiros e pecuaristas, que então passam a ocupar a área reivindicada pelos antigos moradores. Enquanto isso, a bancada ruralista providencia acobertamento político para que milícias particulares tomem as terras. Tribunais de justiça locais foram influenciados por elites, deixando as famílias expulsas sem ter a quem recorrer.

As vastas florestas pluviais da bacia amazônica foram colocadas em risco em 2017 por políticas de Temer pró-ruralistas e prejudiciais ao ambiente. Foto: © Fábio Nascimento / Greenpeace

Terras conservadas em perigo

As grandes unidades de conservação, que funcionam como uma barreira protetora para o interior da Amazônia contra o desmatamento, também são cobiçadas por grileiros.

Atualmente, ocorre uma intensa batalha política sobre o desmembramento do parque Floresta Nacional do Jamanxim e da Floresta Nacional do Jamanxim, ambos criados para proteger a floresta amazônica contra incursões surgidas a partir do processo de pavimentação da BR-163, que liga Brasília a Santarém, no Pará. Por influência da bancada ruralista, Temer editou dois decretos – MPs 756 e 758 -, com o objetivo de diminuir seriamente o nível de proteção dessas unidades.

Diante de protestos no Brasil e no exterior, o presidente recuou, vetando completamente a MP 756 e parcialmente a MP 758. Mas a história não terminou aí: embora tenha, por enquanto, aceitado esse recuo, o governo enviou um projeto de lei ao Congresso que permite a forasteiros e grileiros reivindicar terras no Parque Nacional do Jamanxim, obtendo assim muito do que se pretendia com as MPs originais. O trâmite desse PL está atualmente sendo apressado no Congresso.

Outra grande guerra ambiental no ano passado girou em torno da RENCA (Reserva Nacional do Cobre e Associados), uma reserva nacional gigantesca de 4,6 milhões de hectares que se estende sobre os estados do Pará e do Amapá, na Amazônia.

Conhecida pela abundância de recursos minerais, a RENCA foi criada em 1984 pela ditatura militar a fim de evitar que área fosse invadida por mineradoras estrangeiras. Como o governo Temer não tem essa preocupação, a abolição da RENCA, anunciada em agosto de 2017, foi levada a cabo por ordem de empresas mineradoras canadenses.

A reserva, entretanto, abriga nove terras indígenas e áreas de conservação, e cumpre um papel fundamental na conservação da Amazônia, embora essa não tenha sido a intenção original do governo militar. O decreto de Temer foi recebido com protesto no país e no exterior, e o presidente o revogou – por enquanto.

A ameaça que o fim da RENCA representa para o ambiente ficou especialmente evidente depois que uma nova pesquisa no ano passado mostrou que a mineração foi a causa de quase 10% do desmatamento na Amazônia.

Se a mudança climática continuar a se intensificar e a degradação florestal prosseguir no mesmo ritmo, podemos vir a testemunhar megaincêndios na Amazônia neste século; essas queimadas aumentariam muito a emissão de carbono para a atmosfera, alimentando a mudança climática. Foto: cortesia do IBAMA

Jogando xadrez

O conflito entre a bancada ruralista e seus oponentes tem sido comparada a uma partida de xadrez político, em que centenas de milhares de brasileiros são os peões. Os ruralistas têm sacrificado peão após peão para ganhar o jogo, mas têm visto muitos de seus movimentos serem parcialmente bloqueados pela resistência resoluta de movimentos sociais, ONGs e ambientalistas.

Mas a bancada ruralista, composta de atores políticos habilidosos, prossegue se reagrupando e desenvolvendo novas táticas para atingir seus objetivos. Enquanto a partida se desenrola, agências governamentais continuam com seu trabalho de regulamentação e fiscalização parado na bacia amazônica.

Esse jogo de gato e rato pode vir a causar uma baixa ambiental: o compromisso firmado pelo Brasil no Acordo de Paris de reduzir a emissão de gases do efeito estufa em 37% em relação aos níveis de 2005 – promessa que depende na diminuição drástica do desmatamento, bem como de um significativo processo de reflorestamento.

À medida que Temer avança com os ruralistas em seus objetivos de usurpação fundiária, diminuem as chances de o país atingir as metas do Acordo de Paris. O Brasil aumentou suas emissões de carbono em 8,9% em 2016 em comparação com 2015, e outro aumento parece provável em 2017.

É importante notar que os maiores emissores de carbono no Brasil não são estados largamente urbanizados ou com alta atividade industrial, mas Mato Grosso e Pará, onde a floresta amazônica, com sua imensa capacidade de armazenamento de carbono, está sendo atacada de forma agressiva por pecuaristas e produtores de soja.

Uma razão para o grande aumento na emissão de carbono em 2017 foram os incêndios florestais causados pelo homem na Amazônia, com o objetivo de abrir espaço para o agronegócio. Cientistas alertam: a degradação florestal está transformando a Amazônia de reservatório de carbono em fonte de carbono em anos mais secos, o que é uma péssima notícia para um mundo que precisa de drásticas reduções nas emissão de gases do efeito estufa.

Mãe e filho indígenas aproveitam rio na Amazônia. A criação da Terra Indígena de Turubaxi-Téa, abrangendo 1,2 milhões de hectares ao longo do médio Rio Negro, no Amazonas, foi uma grande vitória dos grupos indígenas no Brasil em 2017, em um período em que muitas decisões governamentais foram contra os direitos dos índios a terras ancestrais. Os planos de construção de megabarragens no Amazonas também foram adiados. Foto: Zanini H. via Visual Hunt / CC BY

A grave ameaça ambiental à Amazônia representada pela construção de megabarragens, que começou a tomar vulto durante o governo de Dilma Rousseff, agora está se dissipando. As grandes empreiteiras brasileiras, antes tão poderosas que podiam determinar o sucesso ou o fracasso de presidentes e que faziam lobby por contratos lucrativos de construção de barragens, foram seriamente afetadas pelos escândalos investigados pela Lava Jato.

O ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, deixou a prisão em dezembro do ano passado, após cumprir dois anos e meio da pena. Após sua condenação, o prestígio da empreiteira foi por água abaixo, não surgiram novos contratos e cerca de 100 mil funcionários foram demitidos. Estatais chinesas se dispuseram a preencher o vazio, com a China oferecendo ao Brasil uma linha de crédito de 20 bilhões de dólares para infraestrutura em 2017, o que poderia impulsionar novamente os projetos de construção de megabarragens.

Embora em 2017 as notícias tenham sido ruins para o ambiente e para a Amazônia, comunidades indígenas e movimentos sociais agora reconhecem claramente o risco representado pelo agronegócio e sua necessidade de novas estradas, ferrovias e hidrovias para o transporte de mercadorias para exportação para Europa, EUA e Ásia. Eles também desenvolveram novas estratégias para proteger suas terras e sua cultura contra ataques governamentais cada vez mais duros.

Em abril do ano passado, por exemplo, três mil líderes indígenas se encontraram em Brasília, no Acampamento Livre Terra – a maior mobilização indígena na história do país. Em maio do mesmo ano, movimentos sociais organizaram uma enorme manifestação anti-Temer. Em dezembro, 90 índios Munduruku evitaram que ocorresse uma audiência pública em Itaituba para a nova ferrovia de Ferroagrão, dizendo não terem sido consultados apropriadamente em relação ao projeto. Em meio ao pessimismo que permeia o ativismo ambiental e social, alguns vêem uma luz de esperança e resistência renovada – especialmente diante das eleições vindouras de outubro de 2018.

O governo Temer não se dignou a responder às repetidas requisições ao longo de 2017, por parte da Mongabay, para que comentasse as questões abordadas no artigo.

Foto: cortesia de Guilherme Cavalli / Cimi
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