Notícias ambientais

A mensagem do papa para a Amazônia inspira esperança, mas será que irá trazer ações?

  • Em 19 de janeiro, o papa Francisco falou para uma multidão de milhares, incluindo muitos indígenas, em Porto Maldonado (Peru), capital do estado Madre de Dios na Amazônia, uma região que passou por desmatamento significativo (62.500 hectares entre 2012 e 2016) e também por violência significativa devido à mineração ilegal.

  • Analistas latino-americanos, ainda que animados com a visita do papa e gratos pelo destaque dado à mineração ilegal em Madre de Dios e a outros problemas ambientais na Amazônia, têm dúvidas se a visita papal terá grande impacto no longo prazo.

  • O papa destacou as grandes corporações em seu sermão: “(…) [G]randes interesses econômicos que concentram sua avidez sobre o petróleo, gás, madeira, ouro e monocultivos agroindustriais”, disse. “Devemos romper com o paradigma histórico que considera a Amazônia como uma fonte inesgotável de suprimentos para outros países, sem ter em conta seus habitantes.”

  • O papa solicitou uma resposta de todas as esferas aos católicos para a crise amazônica, pedindo aos povos indígenas para “moldar a cultura das igrejas locais na Amazônia” e anunciando o primeiro Sínodo pela Amazônia no ano que vem – um encontro de bispos do mundo todo que colocarão em prática doutrinas papais como a Laudato Si, a encíclica de 2015 do papa Francisco.

A chegada do papa Francisco à arena de esportes em Puerto Maldonado, Peru. O papa opôs-se ao desmatamento causado pela mineração ilegal e à miséria que esta traz aos povos indígenas do Peru. Foto de Luis Fernandez, cortesia do Centro de Innovación Científica Amazónica (Centro de Inovação Científica Amazônica)

Não há nada tão efetivo quanto uma visita histórica de um papa carismático para trazer sérios temas morais à luz da esperança espiritual.

O papa Francisco fez exatamente isso em 19 de janeiro quando chegou a Puerto Maldonado (Peru), capital do estado de Madre de Dios na Amazônia, a qual é rica em biodiversidade e também em ouro. Cerca de 62.500 hectares (154.440 acres) de floresta foram perdidos para a mineração ilegal de ouro entre 2012 e 2016, uma área maior do que dez ilhas de Manhattan.

A natureza não é a única vítima da mineração ilegal de ouro. O desmatamento, a violência e os conflitos de terra, e a poluição tóxica por mercúrio que vai para os rios locais também estão afetando seriamente as comunidades indígenas que durante séculos reivindicaram suas florestas ancestrais e vias de navegação.

“Provavelmente, os povos amazônicos nativos nunca estiveram tão ameaçados em suas próprias terras como estão agora”, disse o papa Francisco, em um discurso agitado, a uma grande multidão que preenchia a arena esportiva e incluía muitos indígenas vestidos com trajes decorativos e adornos emplumados nas cabeças.

O papa não culpou apenas os pequenos mineradores ilegais pela crise do desmatamento peruano. “A Amazônia está sendo disputada em todas as frentes”, disse o papa. “Existe a pressão exercida por grandes interesses econômicos que concentram sua avidez sobre o petróleo, gás, madeira, ouro e monocultivos agroindustriais. (…) Nós devemos romper com o paradigma histórico que vê a Amazônia como uma fonte inesgotável de suprimentos para outros países, sem ter em conta seus habitantes.”

A julgar pela grande onda de aplausos que o papa recebeu, todos que o ouviram concordaram com sua avaliação sobre a crise e com seu pedido por ação.

“Nós, peruanos, temos o dever de cuidar do nosso patrimônio cultural e natural”, concordou Mariela Cánepa, diretora de políticas do WWF-Peru (Fundo Mundial para Natureza do Peru), que elogiou o papa por ser direto no assunto. “Agora que isso está à solta, precisamos nos unir e trabalhar juntos para atingir esse objetivo [de impedir o desmatamento amazônico]. No curto prazo, devemos garantir que isso permaneça como uma prioridade na agenda pública, e não como declarações simples ou retóricas. Precisamos nos comprometer com uma visão mais inclusiva e sustentável para a Amazônia e para o país. No longo prazo, todos – autoridades, sociedade civil e cidadãos – precisam ser responsáveis.”

Uma multidão de milhares se reuniu na última tarde de sexta-feira na arena de esportes em Puerto Maldonado, no Peru, para ouvir o sermão do papa Francisco. Foto de Luis Fernandez, cortesia do Centro de Innovación Científica Amazónica (Centro de Inovação Científica Amazônica)

E agora?

O momento público da visita do papa já passou. Depois de falar apaixonadamente no Peru – dando novo ânimo à Laudato Si, sua famosa encíclica papal de 2015 que criticou o capitalismo e culpou a humanidade pela mudança climática, e ao mesmo tempo exigindo uma gestão global da “nossa casa comum” – o papa retornou a Roma.

Na Amazônia, a vida retornou a ser como antes da visita: de volta à serra elétrica; ao envenenamento por mercúrio; ao tráfico de seres humanos e da vida selvagem; ; a um ataque implacável a uma região do tamanho dos EUA, rica em recursos naturais, mas da qual o bem-estar do planeta depende por suas funções de sequestro de carbono, regulação do clima, estabilidade climática regional e global, e pela variedade de plantas, animais, pássaros e insetos encontrados em nenhum outro lugar.

A pergunta que os analistas estão perguntando é: será que a esperança criará raízes pelo caminho deixado pela visita de Francisco?

Puerto Maldonado é a maior cidade do estado de Madre de Dios, e sua economia depende em grande parte da mineração ilegal de ouro. Será que o governador de Madre de Dios, Luis Otsuka, ex-chefe da associação estatal de mineros, se tornará um ambientalista? Será que o governo em Lima tomará as medidas necessárias para proteger as tribos indígenas que o papa Francisco exaltou tanto?

“A defesa da terra não tem outro propósito senão a defesa da vida”, afirmou o papa. “Conhecemos o sofrimento que alguns de vocês passam por causa das emissões de hidrocarbonetos que ameaçam seriamente a vida de suas famílias e contaminam seu ambiente natural.”

O consenso dos entrevistados pela Mongabay, bem como daqueles citados em outros meios de comunicação, é pessimista. Como consequência, a maioria tem poucas esperanças que o governo ou os líderes empresariais mudem. Muitos, por exemplo, já abriram mão da Laudato Si por considerarem-na ingênua ou além da experiência do papa. Surpreendentemente, muitos dos trabalhadores pobres se opõem à mensagem ambiental do papa, pois temem ser privados de empregos e de um futuro economicamente seguro.

Pedro Solano, diretor executivo da Sociedad Peruana de Derecho Ambiental (Sociedade Peruana de Direito Ambiental) sediada em Lima, viu o papa na sexta-feira e percebeu que o governador Otsuka estava dentre a multidão.

Ele disse à Mongabay que não esperava que Otsuka repentinamente pressionasse para uma redução da mineração ilegal de ouro. Mas ele acrescentou: “É bom lembrar às pessoas que ele estava na audiência e que seu papel é agir de acordo com a emergência [ambiental e indígena] (…) e com o interesse público dos direitos mais valiosos que estão ameaçados: os direitos humanos e os direitos ambientais”.

Indígenas Machiguenga, do sudeste da Amazônia no Peru, fazem fila para conseguir entrar e ouvir o sermão do papa. Foto de Luis Fernandez, cortesia do Centro de Innovación Científica Amazónica (Centro de Inovação Científica Amazônica).

Chamando os líderes da igreja

Se as palavras do papa devem levar a uma ação prática, pode sobrar para a Igreja Católica da América do Sul para fazê-la, muitos concordaram. Mas isso também é complicado. A igreja ainda está cambaleando por seus escândalos de abuso sexual, especialmente no Chile. Enquanto Francisco, um argentino, continua sendo popular, seus cardeais e bispos sul-americanos não são tanto.

“Eu sou católico, acredito em Deus, mas aprendi a não confiar em padres”, disse Edwin Vasquez, líder de uma organização indígena amazônica, ao The New York Times.

Enrique Ortiz, gerente de programa do Fondo Andino Amazónico (Fundo Andino Amazônico) e também um conservacionista peruano, é mais otimista. O apelo específico do papa para que a igreja esteja mais envolvida na proteção ambiental e nos direitos indígenas “é realmente a virada do jogo”, disse.

“O papa está certificando-se de que, tanto nas igrejas pequenas, médias e grandes, a encíclica Laudato Si vai chegar. É real. É uma grande ação”, disse Ortiz à Mongabay. “Dois anos atrás, nós nos perguntamos se isso teria algum impacto. Mas agora Francisco está falando para a igreja: ‘Esta é uma prioridade’. Vai demorar um pouco, mas vai acontecer. Mudanças sempre ocorrem lentamente para a Igreja Católica.”

Frances Seymour, um membro sênior do World Resources Institute (Instituto de Recursos Mundiais), concordou: “A atenção papal pode inspirar, encorajar e dar poder aos líderes religiosos locais e às comunidades de fé para redobrar seus esforços em impedir a destruição das florestas e a violações dos direitos humanos”.

O papa Francisco sentou-se sob uma cruz gigante em Puerto Maldonado. Ele condenou o desmatamento na Amazônia feito por outras nações e grandes corporações, bem como por mineradores de pequena escala. Foto de Luis Fernandez, cortesia do Centro de Innovación Científica Amazónica (Centro de Inovação Científica Amazônica)

Manuel Pulgar-Vidal é diretor de clima e energia do WWF (Fundo Mundial para a Natureza). Como ex-ministro do meio ambiente do Peru, ele ajudou a produzir o rascunho do projeto de trabalho do Acordo de Paris de 2015 na 20ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Lima, em 2014. Ele vem aguardando que a Laudato Si provoque mudanças.

“É preciso haver padres capazes não apenas de falar sobre o meio ambiente, mas de ancorá-lo em problemas reais”, disse ao The Washington Post. “Isso não foi feito, e é por isso que a mensagem [da encíclica] não teve o impacto que deveria ter tido”.

Em Puerto Maldonado, o papa Francisco deixou claro que continua comprometido em expandir a missão da Igreja para incluir a gestão terrestre. Mas ele entende bem que essa mudança não pode apenas vir de cima. Na viagem à América do Sul, ele pediu aos povos indígenas “para moldar a cultura das igrejas locais na Amazônia”.

Em seguida, ele reforçou seu compromisso: no Peru, o pontífice anunciou que convocará o primeiro Sínodo para a Amazônia, incluindo nas florestas da Amazônia, no ano que vem – será uma reunião de bispos do mundo todo que buscarão colocar doutrinas do papa, como a Laudato Si, realmente em ação.

Exit mobile version