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Expansão do Arco de Mineração venezuelano devasta culturas e povos indígenas

  • Em 2016, o presidente venezuelano Nicolás Maduro inaugurou o Arco Mineiro, que se estende de leste para oeste por 112.000 quilômetros quadrados (43.242 milhas quadradas) principalmente no Estado de Bolívar, ao sul do rio Orinoco e dentro da Amazônia venezuelana.

  • Comunidades indígenas dentro do Arco Mineiro não receberam oportunidade de opinar sobre a mineração em sua região ou nas proximidades de seu território, uma violação flagrante da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, acordo do qual a Venezuela é partícipe.

  • A extração não se espalha somente pelo arco de mineração de Bolivar, onde quadrilhas e militares competem por ouro, diamante e coltan, mas também pelo sul do Estado do Amazonas na Venezuela. Mulheres e homens indígenas abandonam suas comunidades ancestrais e pequenas fazendas pelo árduo, perigoso e pouco rentável trabalho nas minas.

  • Espera-se um aumento de violência e conflitos contra comunidades indígenas, enquanto quadrilhas, organizações militares e grupos colombianos de guerrilha continuam a se alastrar pela região em uma disputa de poder nas zonas de mineração.

Garimpeiro ilegal carregando uma panela tradicional para garimpo chamada de “bateia”, na mina de Las Cristinas no estado de Bolívar. Foto de Jorge Benezra

Esta história é a segunda de uma série de artigos da Mongabay sobre o Arco Mineiro da Venezuela, produzida em parceria com a Infoamazonia que lançou uma plataforma multimídia detalhada chamada Digging into the Mining Arc, chamando atenção exclusivamente para o “boom” da mineração na Venezuela. As três histórias de Bram Ebus pela Mongabay podem ser encontradas aqui, aqui e aqui (em inglês). Uma quarta história, do editor da Mongabay, Glenn Scherer, resumindo a série, pode ser encontrada aqui.

LAS CLARITAS, Venezuela – Centenas, ou até mesmo milhares de pessoas, se reúnem pela manhã, contabilizando um número que pode ser a dez vezes maior do que a população da cidade. Grupos de garimpeiros, carregando picaretas e bateias, juntam-se às margens caóticas da estrada em busca de caronas, em qualquer meio de transporte ao alcance, com destino aos garimpos ilegais de ouro localizados nos arredores do povoado.

Alguns destes garimpeiros artesanais, esquivando-se de carros e crianças que vendem combustível contrabandeado, vêm em desespero dos centros urbanos da Venezuela. Mas entre estes pobres mineiros, com roupas rasgadas e botas enlameadas, destacam-se muitos rostos indígenas.

A economia petrolífera nacional falida, desastrosas políticas governamentais e um mercado de trabalho inexistente os conduziu a Las Claritas e minas circundantes a fim de lutar por subsistência e alimentar suas famílias na miséria.

Este remoto assentamento foi transformado pela súbita corrida pela extração e processamento de minerais. Os recém-chegados encontram não uma paisagem florestal tranquila, mas um submundo criminoso com inúmeros bordéis, minas controladas por quadrilhas e uma epidemia de malária.

Aqui, as oportunidades são poucas, e os riscos de vida muitos.

Homens trabalhando uma mina de ouro clandestina na região desmatada às margens do Rio Cuyiní, estado de Bolívar. Foto de Jorge Benezra

Mineração – uma isca para atrair indígenas rurais e em situação de pobreza

Las Claritas fica no meio do Estado de Bolívar, e é parte de uma vasta região separada em 2016 pelo Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, para grandes operações de mineração como parte do Arco Minero. O empreendimento, no momento, é amplamente controlado, não por empresas mineradoras transnacionais em parcerias público-privadas – como foi prometido por Maduro – mas por grupos ilegais armados chamados pranes.

O Arco Mineiro se estende de leste para oeste por 112.000 quilômetros quadrados (43.242 milhas quadradas) principalmente no Estado de Bolívar, ao sul do rio Orinoco e dentro da Amazônia venezuelana.

Quatro partes de Bolívar estão incluídas no que Maduro decretou serem zonas de mineração, sendo que todas se sobrepõem a áreas de conservação ambiental e territórios indígenas protegidos por lei. A mineração em larga escala pode vir a ameaçar o Parque Nacional Canaima, um Património Mundial da UNESCO; a Reserva Florestal de Imataca, a La Paragua e as reservas El Caura; bem como o monumento natural Cerro Guanay e a bacia hidrográfica do Rio Caroni.

Ambientalistas estão especialmente preocupados. “Significa a eliminação [da bacia do rio] Orinoco e de seus ecossistemas,” afirma Alexander Luzardo, doutor em direito ambiental, e autor da lei de proteção ambiental incluída na atual Constituição da Venezuela. Orinoco é o terceiro maior rio do mundo em volume, com águas fundamentais não somente a biodiversidade da região, mas a muitas comunidades indígenas cujas vidas dependem do rio e de suas centenas de afluentes.

Existem 198 comunidades indígenas no estado de Bolívar. A população, composta em sua maioria por pequenos agricultores, têm sido tentados a abandonar suas tradições para aderir ao Arco de Mineração – amplamente propulsionado pela assustadora taxa de inflação (com grande probabilidade de exceder 2.700% em 2017), e pelo custo de vida que aumenta desenfreadamente, fenômeno iniciado pelo “boom” da mineração. Os homens, é claro, trabalham com ouro, coltan e diamante, enquanto que mulheres indígenas também trabalham nas minas e em seus arredores com a preparação e venda de comida, prestando serviços de limpeza e como prostitutas.

“Deveríamos dedicar mais tempo a coisas não relacionadas com a mineração, mas, como podem ver, os membros da comunidade passam o ano inteiro nas minas,” afirma Brian Clark. Ele é um líder indígena em Jobochirima, uma comunidade nos arredores de Las Claritas. Jobochirima testemunhou uma grande diáspora de agricultores para as minas ilegais.

É significativo o cerciamento da opinião das comunidades indígenas dentro o Arco Mineiro sobre a mineração em sua região. Eles não foram consultados e nem receberam direito de consentimento livre, informado e antecipado, requisitado em projetos que impactem seus territórios, conforme requerido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, um acordo do qual a Venezuela é partícipe.

“O maior risco está na apropriação da liderança indígena por [parte do governo],” afirma Luzardo. “Foi o que aconteceu na conquista africana [no século 20] com as elites locais; como Mugabe, isso é Mugabismo!” Em Zimbabwe, de acordo com Luzardo, o estado “domesticou a liderança indígena” para possibilitar projetos legais e ilegais de mineração. Semelhantemente, na Venezuela, sempre há ameças de coerção quando as lideranças indígenas não cooperam com o estado, impostas por uma variedade de forças militares que são onipresentes no Arco Mineiro atualmente.

“O exército não está aqui pelo povo. É para seu [o Estado e os militares] próprio benefício,” afirma Clark.

Segundo ele, os militares estão fortemente envolvidos na supervisão de muitas minas, fazendo a maior parte do trabalho envolvido no contrabando de ouro venezuelano para o exterior. Esta situação produz algumas cenas estranhas nos arredores de Las Claritas, onde quadrilhas coexistem com o exército (que ronda a região em veículos militares), com a Guarda Nacional e com serviços de inteligência (que fornecem pessoal para os diversos bloqueios de estradas da região). Há armas por todos os lados e a violência é um risco constante.

Garimpeiros abrem um novo túnel em uma mina ilegal nas proximidade de Tumeremo, estado de Bolívar. Foto de Jorge Benezra
Garimpeiros fazem uma pausa no decorrer de um dia árduo de trabalho. Mina de Las Cristinas, estado de Bolívar. Foto de Jorge Benezra

Para além do Arco Mineiro

Ikabarú encontra-se na borda sudoeste do Arco Mineiro, perto da fronteira entre o estado de Bolívar e o estado do Amazonas. As áreas indígenas em torno da cidade estão cheias de minas de ouro ilegais. Em setembro de 2017, Lisa Henrito, chefe de segurança indígena, teve que assistir à invasão de terras indígenas por garimpeiros ilegais armados. E se viu forçada a acionar a rede de defesa indígena local para dispersar 170 mineiros a força.

Henrito reconhece que as forças militares estatais são, em muitas ocasiões, complacentes com projetos ilegais de mineração em sua região. Agentes são subornados para ignorar a entrada de equipamentos pesados na região. “A Guarda Nacional e o exército não se manifestam enquanto o maquinário e helicópteros passam. Ninguém [do governo] protege esta regiões.”

Afirma ela, com grande pesar, que muitos indígenas são iludidos pelo dinheiro fácil que se ganha no garimpo de ouro e diamantes, e dessa forma, participam de projetos ilegais de mineração. “Máquinas são compradas em nome dos nativos, e [a população local] é colocada para trabalhar. Estas máquinas, na realidade, são compradas por vários brasileiros ou venezuelanos [ricos].”

Uma comunidade indígena na região de Parguaza no estado de Bolívar, uma área que conta com um dos mais promissores depósitos de coltan do mundo, um mineral de conflito amplamente utilizados em eletrônicos tais como telefones celulares e computadores. Foto de Bram Ebus
Uma criança indígena fazendo exame de malária. A doença infecciosa é epidêmica nas regiões de mineração da Venezuela. Foto de Bram Ebus

Como em Bolívar, o estado do Amazonas da Venezuela, é infestado pela mineração ilegal. Uma variedade de fontes dentro de uma comunidade indígena local confirmaram a Mongabay que a mineração ilegal se espalhou por todo o estado. Apesar de protegido por lei, o Parque Nacional de Yapacana foi devastado por várias minas de ouro ilegais.

A mineração também afeta gravemente os indígenas do Amazonas. Na verdade, 54 por cento dos habitantes do estado são indígenas; uma porcentagem mais alta do que em qualquer outro estado venezuelano.

“Não está longe [de ser] um etnocídio,” diz Liborio Guarulla, o carismático governador do Estado do Amazonas e indígena. Etnocídio é definido como a destruição sistemática e deliberada de uma cultura ou grupo étnico, geralmente por parte de atores estrangeiros. De acordo com o líder político, 20 comunidades indígenas estão sendo impactadas negativamente pela mineração no estado, mas a festa da mineração está apenas começando.

A população local depende do Rio Parguaza para muitos fins, inclusive para nadar e tomar banho. No entanto, esta mineiração frequentemente contamina os córregos com mercúrio e outras toxinas, tornando-os inúteis como fonte de água potável, irrigação e lazer. Foto por Bram Ebus
Uma jovem caminha ao lado do Rio Parguaza. Enquanto homens trabalham nas minas, as mulheres indígenas também são parte integrante das atividades do garimpo, trabalhando nas minas, lavando roupas, servindo comida, prestando serviços de limpeza e trabalhando como prostitutas. Foto de Bram Ebus

Embora o Amazonas ainda não esteja oficialmente listado na pauta de mineração nacional do Presidente Maduro, e embora esteja fora do Arco Mineiro, estima-se que o estado já tenha sido ocupado por uma quantidade entre 10.000 e 12.000 garimpeiros ilegais, de acordo com Guarulla. “Esse número está subindo a medida que garimpeiros ilegais são forçados para fora dos arredores de Bolívar, onde grandes empresas e militares disputam pela ocupação de áreas ricas em minerais, retirando-as do domínio de garimpeiros artesanais. “Muitos dos que se encontravam em Bolívar são desalojados pelas empresas e vêm para cá, porque não há fiscalização”, explica Guarulla.

O Decreto 269 de 1989 – assinado pelo então presidente Carlos Andrés Pérez – proibe a mineração no Amazonas, mas muitos temem que o Arco Mineiro seja eventualmente oficialmente estendido para dentro do estado. Quando perguntado sobre esta possibilidade, Guarula responde: “Sem dúvida”. A mineração “tornou-se um grande negócio [no Amazonas] porque o governo tem muito controle sem intervenção.”

Está também é uma preocupação Héctor Escandell García, um geólogo que trabalha para o Vicariato do Amazonas (que tem um escritório de direitos humanos com o objetivo de proteger comunidades indígenas), e ex-ministro do meio ambiente no Amazonas. García suspeita que o governo central planeje justificar a mineração comercial em grande escala como uma alternativa aceitável para a mineração ilegal, que será apresentada como a responsável pela degradação ambiental atual e passada.

No entanto, Escandell argumenta que a degradação social e ambiental causada pela mineração ilegal em pequena escala serviu apenas para abrir caminho para projetos de mineração mais destrutivos. “Limpar o terreno, cortar árvores, “limpar” a população: Indígenas e agricultores são deslocados ou integrados,” diz ele. “Dessa forma, você cria condições [ideais para a mineração em grande escala].”

Garimpeiros de ouro trabalham em um veio ilegal. Mineração é altamente destrutiva ao meio ambiente, desnudando a paisagem e envenando canais. Foto por Wilmer González

Dentro das guerrilhas

A proximidade entre o Arco Mineiro, o Estado do Amazonas e a Colômbia só complica a situação. Guarrulla revela que existem atualmente milhares de guerrilheiros colombianos em seu estado. A presença dessas guerrilhas colombianas ELN (Exército de Libertação Nacional) e grupos dissidentes das FARC, estende-se também pelo estado de Bolívar, onde os rebeldes não estão apenas interessados em ouro de mineração, mas também na escavação de um minério metálico de cor opaca, chamado coltan, que é posteriormente traficado para a Colômbia. Coltan, um mineral de conflito onipresente nos computadores do mundo desenvolvido e outros dispositivos eletrônicos, é uma máquina de fazer dinheiro para as milícias rebeldes no Arco de Mineração, no Congo e no mundo.

Um indígena na área de Parguaza, em Bolívar, fronteira com o Amazonas, que prefere manter-se anônimo por razão de segurança, disse que, desde setembro, coltan está sendo vendido por um valor entre 80.000-100.000 bolívares (cerca de US$ 2) por quilo para os guerrilheiros. Mediadores indígenas agem como contatos com a guerrilha colombiana, e são chamados de compradores.

As populações indígenas não têm, no entanto, uma boa relação com os guerrilheiros. Os combatentes da guerrilha colombiana têm, de acordo com a fonte do Mongabay, ameaçado reiteradamente os grupos indígenas para manter o preço do coltan baixo, e, há três anos, até mataram dois indígenas na região.

Um homem olha de cima enquanto garimpeiros trabalham em uma mina ilegal. Foto por Wilmer González

Espera-se um aumento de violência e conflitos contra comunidades indígenas, enquanto quadrilhas e organizações militares venezuelanas e grupos colombianos de guerrilha continuam a se alastrar pela região, disputando poder nas zonas de mineração, afirmam especialistas.

“E qual era o plano?” pergunta Luzardo retoricamente e então responde: há muito que é intenção do governo nacional tem sido absorver as comunidades e culturas indígenas dentro das lucrativas, e frequentemente ilegais, operações de mineração. Integrar “os indígenas e torná-los garimpeiros. Penetrar e usar populações vulneráveis [com a necessidade de que] se convertam em agentes da destruição de seus próprios territórios,” afirma ele.

Em Las Claritas, na região do leste ao oeste do Arco Mineiro, e para além de Bolívar, ao sul do Estado do Amazonas, percebe-se as evidências deste suposto “plano”, a medida que nativos venezuelanos são inexoravelmente atraídos para longe do arado e das lavouras, em direção as picaretas e veios de ouro, e também em direção ao submundo industrializado que provavelmente se revelará anátema a seus costumes e tradições.

O governo venezuelano não deu declarações sobre os artigos apresentados nesta série de Mongabay.

Esta série da Mongabay foi produzida em colaboração com um projeto de informação conjunta entre InfoAmazonia e Correo del Caroní, graças a um subsídio do Pulitzer Center on Crisis Reporting. A plataforma multimídia da InfoAmazonia chamada de Digging into the Mining Arc apresenta matérias aprofundadas sobre o tema.

Região Parguaza, no Estado de Bolívar, é conhecida pela sua riqueza mineral, em grande parte inexplorada. Foto de Bram Ebus
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