Notícias ambientais

Estudo: Impactos de barragem do rio Amazonas são subestimados por neglicenciar o crescimento de lianas

  • Uma nova pesquisa sobre o rápido crescimento das lianas – trepadeiras lenhosas nativas – das ilhas artificiais do reservatório da barragem de Balbina no rio Amazonas mostra que as comunidades florestais de lá passaram por uma transformação devido à fragmentação severa do habitat, resultando em alteração do sequestro do carbono e do balanço de emissões.

  • Algumas espécies arbóreas são severamente impactadas por esta forma extrema de fragmentação de habitat e morrem, enquanto lianas nativas — trepadeiras lenhosas que escalam para alcançar o dossel florestal — prosperam e preenchem rapidamente o nicho biológico deixado pelas árvores caídas.

  • As árvores, com uma biomassa maior, armazenam mais carbono em seus troncos e ramas do que as lianas, então o equilíbrio do carbono muda quando as lianas dominam. Em vez de captar o carbono, estas ilhas criadas pela barragem acabam emitindo carbono quando as árvores morrem.

  • O rápido crescimento das lianas contribui ainda mais à degradação do restante das comunidades arbóreas desafiadas pela fragmentação. Atualmente as avaliações de impacto ambiental da barragem do rio Amazonas não avaliam o aumento de emissões de carbono de ilhas de reservatório.

Uma das 3.500 ilhas criadas pela megabarragem de Balbina no rio Amazonas brasileiro. Um novo estudo descobriu que, embora as comunidades de árvores se degradem devido ao seu isolamento, as comunidades de lianas são “notavelmente robustas aos impactos negativos da fragmentação de habitat na escala de paisagens causada pela criação de reservatórios”. Foto © Isabel Jones

Os impactos ambientais dos projetos hidrelétricos do rio Amazonas são muitos e variados, desde inundações de florestas tropicais primárias, desflorestamentos, liberação de metano (potente gás de efeito estufa), interrupções de migrações aquáticas de longa distância, até alterações nos fluxos de sedimentos e atenuações nos ciclos das inundações. Uma nova pesquisa indica que mais um efeito pode ser adicionado a essa lista: emissões de carbono de ilhas criadas por reservatórios hidrelétricos.

Uma nova pesquisa sobre a megabarragem de Balbina localizada no Brasil, uma das mais antigas do rio Amazonas, identificou que as comunidades vegetais das ilhas do reservatório passaram por uma transformação devido ao isolamento. As lianas — trepadeiras lenhosas que usam as árvores para alcançar o dossel florestal — prosperaram, mas as árvores sofreram. Devido as árvores armazenarem mais carbono em seus troncos e ramas do que as lianas, o equilíbrio do carbono muda à medida que as lianas dominam. Em vez de captar o carbono, estas ilhas criadas pela barragem acabam emitindo carbono quando as árvores morrem.

“Um cálculo rápido […sugere] que as emissões de carbono anuais associadas às florestas das ilhas de Balbina poderiam ser em torno de 10.000 toneladas (equivalente à emissões de aproximadamente 230.000 barris de petróleo),” disse a pesquisadora principal da pesquisa, Isabel Jones, da Universidade de Stirling, Reino Unido.

Com centenas de barragens atualmente planejadas e em construção ao longo da bacia amazônica, os cientistas advertem que é um sério descuido não levar em conta esse aumento de emissões de carbono nas avaliações de impacto ambiental e nas análises de custo e benefício dos desenvolvimentos hidrelétricos.

Um membro da equipe de campo realizando coletas em um dos 89 pontos de estudo espalhadas por 36 locais nas ilhas e em terra firme. O estudo investigou a influência do tamanho das ilhas, a cobertura florestal circundante, a distância entre ilhas e terra firme e os danos causados pelo fogo nas comunidades de lianas e de árvores. Foto © Isabel Jones

Pesquisa em uma das megabarragens mais antigas do rio Amazonas

Balbina foi construída na década de 1980, foram inundados 3.129 km² e criadas 3.546 ilhas com uma área combinada de 1.180 km². Jones e a sua equipe estudaram as comunidades de árvores e de lianas em 77 pontos de estudo espalhados por 36 dessas ilhas. Também observaram 12 pontos de estudo em terra firme para comparação.

As ilhas fazem parte da Reserva Biológica do Uatumã, e não sofreram desflorestamento ou intervenção humana além de um incêndio em 1997, que começou fora da reserva e se propagou para algumas das ilhas.

Apesar do seu difícil acesso, estas ilhas artificias são um exemplo extremo de fragmentação de habitat, um processo que causa degradação ecológica. À medida que porções de floresta se isolam, as suas margens são expostas à condições mais duras, mais iluminadas e mais secas, e a dispersão animal e vegetal entre os fragmentos de habitat é dificultada. Além disso, esses fragmentos são muito pequenos para sustentar populações de algumas espécies.

Isso já foi observado nas comunidades arbóreas das ilhas de Balbina, que se degradaram rapidamente desde que foram isoladas. Jonas disse: “mas o que não sabíamos era se o restante das comunidades arbóreas das ilhas poderia estar enfrentando mais pressão devido à competição crescente das lianas. Precisávamos saber como as lianas respondiam à fragmentação de habitat na escala de paisagens em comparação com as árvores, para melhor entender as possíveis trajetórias a longo prazo destas florestas ilhadas para a biodiversidade e o armazenamento de carbono.”

Uma liana gigante. Já que as lianas não armazenam tanto carbono como as árvores, mudanças na disposição das plantas nas ilhas têm implicações para armazenamento e emissões de carbono. Como resultado, as ilhas provavelmente estão emitindo milhares de toneladas de CO2 por ano, algo que atualmente é negligenciado nas avaliações de impacto ambiental da barragem. Foto © Isabel Jones

Analisando as lianas

Jones projetou sua pesquisa para explorar os efeitos do tamanho das ilhas, da distância desde terra firme, da quantidade de cobertura florestal do entorno, e dos diferentes graus de danos por incêndio nas comunidades vegetais das ilhas.

Nos pontos de estudo a equipe testou tanto mudas quanto árvores e lianas adultas, observando detalhes específicos na composição e abundância das comunidades de lianas e se sua dispersão é feita por animais ou por vento.

Em contraste com o que já é conhecido sobre as comunidades de árvores, Jones não achou provas de degradação das comunidades de lianas das ilhas ao analisar os dados.

“Nos surpreendeu ver que [elas] pareciam notavelmente robustas aos impactos negativos da fragmentação de habitat na escala de paisagens devido à criação do reservatório. E não vimos diferença entre as comunidades de lianas das ilhas e as da terra firme”, disse ela.

Mesmo nas ilhas pequenas, severamente danificadas pelo incêndio, a abundância de mudas de lianas era comparável com as de terra firme, apesar das condições adversas. Em contrapartida, as mudas de árvores tiveram um desempenho tão fraco que as lianas dominaram a camada de mudas da vegetação.

Jonas havia antecipado que as comunidades de lianas não seriam tão afetadas quanto as comunidades de árvores. As habilidades delas de crescer rápido e “de explorar condições de alta luminosidade e baixa umidade associadas às bordas de fragmentos de floresta e às aberturas do dossel, inclusive muito mais rápido que espécies arbóreas adaptadas às perturbações, lhes dá uma vantagem competitiva sobre as árvores”, explicou ela.

Mesmo assim, “ainda esperávamos ver alguns efeitos associados ao isolamento dentro de uma matriz de água porque, por exemplo, a dispersão de sementes de liana através da água poderia ter sido afetada pela redução severa nos dispersores vertebrados vistos em todo o arquipélago”, disse Jonas. No entanto, as lianas têm outro truque adaptativo para ajudar a superar essa limitação. “As lianas também podem se reproduzir vegetativamente,” dessa forma “colonizam rápido um habitat recentemente perturbado,” revelou Jones.

Um emaranhado de trepadeiras na Amazônia equatoriana. As próprias lianas são um componente importante dos ecossistemas florestais tropicais. No entanto, sua vantagem competitiva sobre as árvores significa que podem dominar habitats fragmentados da floresta. “As lianas são adaptadas para explorar as condições de alta luminosidade e baixa umidade associadas às bordas dos fragmentos da floresta e as aberturas do dossel”, explicou a líder do estudo, Isabel Jones. Foto © Claire Salisbury

Menos biomassa, mais carbono

Mas o que significa essa prosperidade das comunidades de lianas a longo prazo para Balbina, e para o rio Amazonas em geral, à medida que o desenvolvimento hidrelétrico se expande rapidamente pela bacia?

Para as ilhas de reservatório, “uma persistente comunidade de lianas provavelmente vai agravar a degradação das comunidades restantes de árvores”, advertem os cientistas. Isso afetará as espécies animais que habitam essas ilhas, e também terá sérias consequências para o equilíbrio do carbono de barragens hidrelétricas em comparação com outras fontes de energia.

“Uma floresta com mais lianas tem menos biomassa lenhosa (armazenamento de carbono a longo prazo), o crescimento das árvores é reduzido e a mortalidade das árvores aumenta”, disse Hans Verbeeck da Universidade de Ghent. Verbeeck não estava envolvido na pesquisa, mas examinou a função das lianas na dinâmica das florestas tropicais e no ciclo do carbono. “Porém, somente um estudo experimental, um grande experimento de retirada de lianas no Panamá, provou que há menos assimilação de carbono em florestas com lianas do que em florestas onde as lianas foram removidas.”

Este experimento foi conduzido por Stefan Schnitzer, da Universidade Marquette, como parte de um grande projeto de pesquisa sobre a ecologia das lianas. Schnitzer, que também não estava envolvido na pesquisa de Jones, concorda que “as lianas são de extrema importância” em influenciar do armazenamento de carbono nas florestas tropicais.

“Conforme o trabalho de Jones, e junto com outros estudos previamente publicados, barragens adicionais terão um efeito positivo sobre as lianas e prejudicial sobre o armazenamento de carbono a longo prazo,” concluiu Schnitzer. Entretanto, ele enfatizou que as lianas não são naturalmente “más”, elas “são um componente importante das florestas tropicais com efeitos positivos no ecossistema.”

O impacto das barragens na distribuição das árvores e das lianas “com certeza terá um impacto sobre o sequestro de carbono”, concordou Verbeeck. “Mas é difícil quantificar esse impacto.”

A resiliência das lianas à falta de água e aos danos por incêndio também pode ser vantajoso para elas à medida que mudanças climáticas se intensificam, com cada vez mais secas e incêndios previstos para o Amazonas. Estão sendo pesquisadas sobre as potenciais interdependências entre o crescimento das lianas, o sequestro de carbono e mudanças climáticas, disse Jones.

Barragem de Belo Monte em construção em 2015. Centenas de barragens estão planejadas ou em construção na floresta amazônica. As ilhas criadas por barragens “não são contabilizadas nos cálculos da área dos terrenos afetados pela construção da barragem”, explicou Jones, o que significa que os impactos das represas estão sendo subestimados de forma significativa. Foto de Pascalg622 usada sob licença CC BY 3.0

Florestas perdidas, impactos duradouros

A baixa topografia ondulante do rio Amazonas significa que provavelmente serão criadas ilhas em pelo menos alguns dos reservatórios que acompanharão as barragens atualmente planejadas e em construção, observou Jones. É de grande preocupação o fato de que “as ilhas não são contabilizadas nos cálculos da área dos terrenos afetados pela construção da barragem”.

O trabalho de Jones se soma a um crescente conjunto de provas que as ilhas de reservatório não devem ser mais ignoradas. “Eu quero ver o quadro jurídico da construção de barragens e os desenvolvedores respondendo corretamente aos impactos a longo prazo versus a produção de energia das barragens”.

“Há uma grande quantidade de especialistas em seus campos produzindo evidências, ano após ano, sobre as consequências extremas e negativas de construções de barragens. Ainda não vejo evidências sólidas de que os benefícios das barragens possam superar essas consequências”, concluiu.

“Proteger as florestas tropicais de distúrbios é um dos nossos melhores meios para reduzir o CO2 atmosférico. Ainda assim, aproximadamente 10 milhões de hectares de florestas deverão ser inundados para reservatórios na Amazônia para produção de ‘energia verde’ “.

Citação:

Jones, I. L., Peres, C. A., Benchimol, M., Bunnefeld, L. and Dent, D. H. (2017) Woody lianas increase in dominance and maintain compositional integrity across an Amazonian dam-induced fragmented landscape. PLoS ONE 12(10): e0185527. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0185527

Comentários: Use este formulário para enviar uma mensagem ao autor deste artigo. Se você deseja deixar comentários públicos, você pode fazer isso no final da página.

Exit mobile version