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Pacto Brasil/Reino Unido para exploração de petróleo no pré-sal pode contribuir de forma desastrosa para a mudança climática

  • Em dezembro, enquanto o Brasil ratificava o Acordo de Paris, o presidente Michel Temer e o Congresso faziam pressão para aprovar a Medida Provisória 795, que oferecia bilhões em isenções fiscais a petroleiras transnacionais interessadas em explorar as reservas brasileiras de 176 bilhões de barris em alto mar.

  • Em novembro, o Reino Unido reafirmou seu comprometimento com o Acordo de Paris sobre o clima, mas telegramas diplomáticos divulgados pelo Greenpeace mostram que o Reino Unido manteve, em 2017, conversas clandestinas com o Brasil a fim de abrir caminho para perfuração em águas profundas, com gigantescos incentivos fiscais e facilitação de licenças ambientais para companhias transnacionais de petróleo e gás natural, incluindo a British Petroleum (BP).

  • O Brasil também anunciou importantes leilões para blocos de exploração de gás natural e petróleo na região do pré-sal. Houve autorização para realização de dez rodadas de lances entre 2017 e 2019. Entre os grandes vencedores dos leilões de setembro e outubro, estão BP, Exxon e Petrobras.

  • A exploração das reservas de petróleo de grande profundidade brasileiras poderia causar a emissão de 74,8 bilhões de toneladas de carbono para a atmosfera, comprometendo a meta do Acordo de Paris de evitar que as temperaturas globais aumentem 2 graus Celsius até 2100.

A exploração da camada pré-sal da costa brasileira pode resultar na queima de uma reserva de carbono equivalente à liberação de 74,8 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera, potencialmente comprometendo a meta do Acordo de Paris de evitar que as temperaturas globais aumentem mais de 2 graus Celsius. Foto: nate2b em Visualhunt.com / CC BY-NC-ND

Forças opostas dentro do governo Temer travaram uma queda de braço na discussão entre a necessidade urgente de reduzir a emissão de gases do efeito estufa e o desejo de liberar a exploração de petróleo em águas profundas, possibilitando enormes lucros a empresas de petróleo transnacionais.

De forma semelhante, encontra-se dividida a mente do Reino Unido, que, na 23ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP23), reafirmou suas metas de redução de emissão de carbono, ao mesmo tempo em que preparava um acordo para ajudar BP, Shell e outras empresas a conseguir a exploração de 176 bilhões de barris de petróleo bruto brasileiro.

De um lado, o Ministério do Meio Ambiente diz manter sua posição contra a expansão da exploração de combustíveis fósseis – por meio de sua assessoria de comunicação, disse à Mongabay que está trabalhando para cumprir o compromisso de reduzir as emissões de carbono firmado no Acordo de Paris, ratificado pelo Brasil em 12 de dezembro.

De outro, o presidente Temer, com o apoio do Ministério da Fazenda e do Ministério de Minas e Energia, trabalhou agressivamente para aprovar a Medida Provisória 795/2017 que estabelecia enormes isenções fiscais para petroleiras estrangeiras operando em águas profundas, ou seja, na camada pré-sal de rochas sedimentares no fundo do oceano.

Tal benevolência fiscal foi conduzida pelo lobby do governo britânico em prol de grandes empresas petroleiras.

O Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho (esquerda), e o Ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, em coletiva de imprensa para anunciar o fim da proteção à RENCA, na Amazônia, e sua abertura à mineração (um decreto presidencial feito inicialmente por Temer e posteriormente rejeitado por ele mesmo após clamor público em defesa da reserva). Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

A arte do acordo

Em 29 de novembro, a Câmara dos Deputados aprovou a MP 795 por 208 a 184 votos. O texto foi para o Senado, onde, em 12 de dezembro, foi aprovado por 27 a 20 votos, porém com alterações. Por isso, teve de voltar à Câmara, que rejeitou as alterações propostas, aprovando o texto original da MP. A MP seguiu, então, para apreciação do presidente Temer, que a sancionou com alguns vetos, convertendo-a na Lei 13.586.

O texto original da MP 795 previa vultosas isenções fiscais para a perfuração petrolífera em águas profundas, permitindo que empresas petroleiras transnacionais realizassem deduções generosas sobre a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o imposto de renda. A MP também suspendia o pagamento de taxas de importação e de um tributo sobre produtos industrializados. O total da renúncia fiscal resultante custaria ao Brasil – em uma época de severa falta de recursos – cerca de 40 bilhões de reais por ano, ou 1 trilhão de reais ao longo de 25 anos, de acordo com um estudo técnico do Congresso.

No entanto, diante da intensa pressão da oposição, o senador Romero Jucá apresentou uma emenda revertendo parte do texto que havia sido aprovado na Câmara e que estava em conflito com a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). A Câmara tinha estabelecido, inicialmente, que a suspensão das taxas fosse mantida até 2040. Mas a LDO permite renúncia fiscal por apenas até cinco anos, ou seja, até 2022, o que levou à alteração na MP 795 e seu consequente retorno à Câmara dos Deputados. A Câmara desfez a alteração do Senado, mantendo a suspensão de taxas até 2040.

A oposição no Senado persistiu: “essa medida provisória é um roubo oficial do dinheiro público nacional”, protestou o senador Lindbergh Farias.

A produção diária de petróleo no pré-sal disparou de aproximadamente 41.000 barris por dia em 2010 para um milhão de barris por dia até meados de 2016, um aumento de quase 24 vezes, com expectativa de expansão ainda mais rápida com a aprovação da MP 795. O pré-sal se estende por 149.000 quilômetros quadrados de oceano, uma área correspondente a cerca de três vezes e meia a do estado do Rio de Janeiro.

Contatado pela Mongabay, o Ministério da Casa Civil disse que questões acerca da MP 795 seriam comentadas pelo Ministério de Minas e Energia. Este, por sua vez, passou a responsabilidade para o Ministério do Meio Ambiente. E o Ministério do Meio Ambiente, como já mencionado neste artigo, disse manter a posição de comprometimento com o Acordo de Paris.

O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho, durante leilão de blocos do pré-sal para exploração de petróleo e gás no Rio de Janeiro. Crédito: Tomaz Silva / Agência Brasil

A dupla petro-personalidade do Brasil

De autoria do ministro da Fazenda, a MP 795 foi publicada no Diário Oficial da União em agosto do ano passado, mesmo mês em que o presidente, por meio do decreto 9.128/2017, prorrogou temporariamente de 2010 para 2040 a suspensão de impostos federais sobre a importação de equipamento para exploração e produção de jazidas de petróleo e gás natural.

Entretanto, embora alguns setores do governo se apressassem para criar incentivos fiscais para a exploração de combustíveis fósseis, o Ministério do Meio Ambiente – que, com isso, precisaria monitorar uma rápida expansão na perfuração em profundidade no oceano – sofreu um corte de mais de 50% em seu orçamento. Enquanto isso, há a expectativa de que o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, deixe o governo para disputar as eleições de outubro.

“O governo Temer nem considerou investir [de forma significativa] em fontes de energia renováveis, como a solar e a eólica. Na verdade, ele teme que o petróleo deixe de ser explorado e seja substituído por fontes de energia alternativas”, diz Márcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace Brasil.

A explosão da plataforma Deepwater Horizon, operada pela British Petroleum, em 20 de abril de 2010, na costa da Lousiana. A BP é uma das grandes vencedoras nos lances pela exploração de petróleo em águas profundas brasileiras. Foto Deepwater Horizon Response em Visual hunt / CC BY-ND

No início de 2015, o Greenpeace Brasil, juntamente com o deputado federal Arnaldo Jordy, apresentou uma proposta que suspendia o pagamento de tarifas de importação para paineis solares. “Consultamos o Ministério da Fazenda, que mostrou grande preocupação. Disseram que a isenção traria um ‘impacto monstruoso’ e quebraria o FGTS”, lembra Astrini. Mas, de acordo com apoiadores da proposta, as pessoas poderiam usar parte de seu FGTS para comprar equipamento solar para suas casas.

Enquanto isso, a MP 795 foi aprovada à luz da retomada de grandes leilões de blocos de exploração de petróleo e gás no pré-sal. Foram autorizadas dez rodadas de lances a ocorrer entre 2017 e 2019. No ano passado, os leilões efetuados em setembro e outubro arrecadaram, respectivamente, R$ 3,84 bilhões e R$ 6,15 bilhões, dinheiro que será usado para reduzir o déficit fiscal do país.

O leilão de setembro teve como vencedor um consórcio formado pela Petrobras e pela Exxon Mobil. Em outubro, a Shell, a BP e a Exxon Mobil estiveram entre as maiores vencedoras dos dois leilões de blocos de petróleo e gás.

Moreira Franco, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, exultou: “Foi um dia extremamente importante para a economia brasileira. Ele representa a importância da recuperação do setor [do petróleo], que é responsável por 13% do PIB”.

O ministro do Comércio britânico, Greg Hands, em março de 2017: “com o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Paulo Pedrosa [esquerda], em nossa Mostra de Energia no Reino Unido, descrevendo a capacidade do Reino Unido em atuação em alto mar, desmontagem de plataformas e mais!”. Foto: Greg Hands no flickr, https://twitter.com/greghands

Brasil trai Paris com uma ajudinha do Reino Unido

O afã do Brasil na exploração de petróleo – com a pressão para passar a MP 795 e os novos leilões do pré-sal – não veio do nada. Aparentemente () surgiu a partir do lobby clandestino do Reino Unido em nome de empresas petroleiras transnacionais, como revelou o Greenpeace em 19 de novembro passado.

A ONG reportou que Greg Hands, ministro do Comércio britânico, veio ao Brasil em março de 2017 para pavimentar o caminho dentro do governo Temer a fim de que a BP, a Shell anglo-holandesa e a Premier Oil garantissem blocos de petróleo os leilões do pré-sal, e fossem “beneficiárias diretas das mudanças” nas leis ambientais e na taxação da exploração nacional do petróleo.

De acordo com um telegrama diplomático oficial divulgado pelo Greenpeace, o ministro do Comércio britânico encontrou-se com Paulo Pedrosa, secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, para conversar sobre a preocupação de petroleiras britânicas sobre “licenciamento ambiental e impostos”. Por sua vez, Pedrosa confirmou que o Ministério de Minas e Energia brasileiro já estava intercedendo a favor das companhias de petróleo.

Trecho do telegrama diplomático divulgado pelo Greenpeace, em que se pode vislumbrar parte do acordo entre Brasil e Reino Unido para beneficiar BP, Shell, Premier e outras empresas petroleiras com bilhões em isenções fiscais, mostrando completo descaso em relação à preocupação com as mudanças climáticas. Imagem: cortesia do Greenpeace.

A notícia do acordo clandestino entre Reino Unido e Brasil veio à tona apenas dois dias após o término da COP23, em Bonn, na Alemanha.

No evento, a ministra de Mudanças Climáticas britânica, Claire Perry, disse que o governo britânico pretende cortar as emissões de carbono “com maior intensidade e velocidade”, e conclamou os demais países a caminhar para uma “economia sustentável e com baixa emissão de carbono”.

De forma semelhante, o Brasil afirmou estar no caminho certo para atingir as metas do Acordo de Paris. No entanto, tal declaração não condiz com o fato de o país ter tido um aumento anual de quase 10% nas emissões de gases do efeito estufa em 2016, nem com o contínuo comprometimento com o agronegócio e a expansão da mineração, que parecem prestes a causar intenso desmatamento na Amazônia e no Cerrado.

De acordo com o Observatório do Clima, há petróleo suficiente na camada pré-sal para emitir carbono bastante para exceder a meta do Acordo de Paris.

“O episódio é uma vergonha tanto para o Brasil como para o Reino Unido”, diz Astrini, do Greenpeace. “Enquanto diplomatas negociavam os termos do acordo para o clima na conferência, a realidade era que outros representantes brasileiros e britânicos estavam discutindo como extrair combustível fóssil da área pré-sal do oceano

Algo parecido aconteceu no caso da tentativa de Temer de abrir a RENCA (Reserva Nacional de Cobre e Associados) à mineração, segundo Astrini. Em março do ano passado, cinco meses antes da publicação do decreto presidencial que abria a RENCA (suspenso pelo presidente por causa da comoção pública gerada), o ministro de Minas e Energia Fernando Coelho Filho se encontrou com executivos de mineradoras canadenses, informou-os de que as proteções à reserva logo seriam derrubadas, e os convidou a participar de leilão para concessão de mineração.

“No caso da MP 795, sua publicação [pelo governo Temer] ocorreu cinco meses depois de o ministro britânico ter negociado com o governo brasileiro”, explicou o coordenador do Greenpeace.

Primeiras imagens do recife de corais da Amazônia, feitas por um submarino lançado a partir do Esperanza, um navio do Greenpeace que navegava perto do delta do Amazonas, no Amapá, para a campanha “Defenda os Corais da Amazônia”. Foto: Greenpeace

Um recife de corais e o clima global em risco

Ambientalistas observaram que o esquema de perfuração em águas profundas entre Brasil e Reino Unido está sendo levado adiante ao mesmo tempo em que um vasto e recém-descoberto tesouro ambiental precisa de proteção. A perfuração poderia colocar em risco o recife de corais descoberto no ano retrasado no delta do rio Amazonas, que se estende desde o Amapá até o Maranhão, por aproximadamente 9.500 quilômetros quadrados. Em 2013, a BP e a Total conseguiram blocos para exploração de petróleo perto do então desconhecido recife, embora as empresas ainda não tenham recebido licença para perfuração do IBAMA.

O delta do Amazonas inclui sete blocos de exploração. O mais próximo do recife de corais pertence à francesa Total, uma concessão de cinco blocos mantida em consórcio com a BP e a Petrobras. No fim de agosto do ano passado, o IBAMA exigiu que a Total providenciasse mais esclarecimentos para documentar como seriam evitados impactos ambientais na região em caso de vazamento. Estudos anteriores apresentados pela empresa foram considerados insuficientes.

Além da potencial destruição do recife de corais e outros ecossistemas marinhos, a exploração do pré-sal resultaria na queima de uma reserva de carbono equivalente à liberação de 74,8 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera, potencialmente comprometendo a meta do Acordo de Paris de evitar que a temperatura média global aumente mais de 2 graus Celsius.

O colunista do jornal O Globo Ricardo Noblat se referiu à MP 795 como “um crime contra o Brasil“. Considerando as emissões de carbono que podem advir dessa medida, ela também poderia ser chamada de crime contra a humanidade, de acordo com especialistas.

Plataformas de extração de petróleo em alto mar. A produção diária na camada pré-sal pulou de aproximadamente 41.000 barris por dia em 2010 para um milhão por dia em meados de 2016, um aumento de quase 24 vezes, com expectativa de expansão ainda mais rápida com a aprovação da MP 795. O pré-sal se estende por 149.000 quilômetros quadrados de oceano, área equivalente a quase três vezes e meia a do estado do Rio de Janeiro. Foto: puliarf em Visualhunt / CC BY

A questão da “mudança climática quase nunca é trazida à atenção do público. O que predomina é o argumento da economia, da geração de empregos, mas esse modo de operação não pode mais ser tolerado no século 21”, diz Alexandre Araújo Costa, professor de climatologia aplicada na Universidade Federal do Ceará.

“Nossos governos estão fazendo exatamente o contrário do que deve ser feito se quisermos ter a chance de um futuro. Temos de manter as reservas de petróleo, gás natural e carvão debaixo da terra”, diz ele. “O grande problema, na verdade, é que os governos são fantoches que se ajoelham diante das corporações [do setor de combustíveis fósseis] ou, ainda pior, são agentes diretos em prol de seus interesses. E, se dependermos da indústria de combustíveis fósseis, eles queimarão [sem parar] até a última gota de petróleo na Terra”.

O ministro do Comércio britânico, Greg Hands, em março de 2017: “prestes a abrir nossa Mostra de Petróleo e Gás no Rio, com parceiros-chave da Shell, BP e Premier Oil. Há 40 bilhões de barris aqui na costa!” Foto: Greg Hands no flickr, https://twitter.com/greghands
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