A partir de setembro de 2017, o estado brasileiro do Pará, na Amazônia, teve um aumento de 229% nos casos de incêndio em comparação ao ano de 2016. Em apenas uma semana do mês de dezembro, o estado apresentou 26.000 alertas de incêndio. No final do ano, a Amazônia brasileira já encarava um número recorde em sua temporada de incêndios.
Mas 2017 não foi um ano de muita estiagem, então, os especialistas tiveram que buscar outra explicação. Analistas afirmam que a maior parte dos incêndios foi causada pelo homem, por gente que quer usar as florestas para plantações ou para pasto. Somadas a isso estão a degradação florestal promovida por empresas mineradoras, madeireiras e pelo agronegócio.
Grandes cortes, feitos pela administração Temer, no orçamento de agências reguladoras e executivas, como a FUNAI, agência nacional de proteção ao índio, e o IBAMA, agência ambiental do país, que combate os incêndios, somam-se aos problemas de 2017.
O grande aumento no número de incêndios colocou em risco as comunidades indígenas e seus territórios. Por exemplo, uma área de cerca de 24.000 hectares perdeu sua cobertura vegetal dentro da Terra Indígena Kayapó entre outubro e dezembro, enquanto a Terra Indígena Xikrin perdeu aproximadamente 10.000 hectares no mesmo período.
Foram quase 26.000 alertas de incêndio no estado do Pará, na Amazônia brasileira, em apenas uma semana de dezembro do ano passado, de acordo com a Global Forest Fires Watch. E a partir de setembro, o Pará teve um impressionante aumento de 229% nos incêndios em comparação a 2016, conforme relatado pelo jornal The Guardian, com a possibilidade de 2017 ser considerado o pior ano para o Brasil em relação aos incêndios florestais, segundo o World Resources Institute (WRI).
Entretanto, os números contam apenas uma parte da história: a quantidade quase recorde de incêndios florestais do ano passado no Brasil reduziu a cinzas uma grande quantia de árvores valiosas, de habitats e de vida selvagem, sendo que alguns desses incêndios ocorreram dentro de territórios indígenas, destruindo recursos naturais que as comunidades nativas precisam para sua subsistência.
A WRI estima que uma área de quase o dobro do tamanho da cidade de São Francisco, de 24.000 hectares, perdeu sua cobertura vegetal na Terra Indígena Kayapó, entre outubro e dezembro de 2017, por conta dos incêndios, enquanto a Terra Indígena Xikrin perdeu aproximadamente 10.000 hectares no mesmo período.
O relatório Places to Watch da WRI afirma que esses incêndios não foram totalmente naturais, mas sim agravados por “degradações anteriores. Na década de 1990, uma companhia madeireira aproveitou-se de um acordo com os Xikrins e causou um grave desmatamento e muita devastação na área”. A remoção de madeira, quando não feita apropriadamente, deixa muitas clareiras e danifica galhos e troncos, que secam com a estiagem e servem de combustores para incêndios florestais.
O interessante, segundo os especialistas, é que enquanto a Amazônia, no geral, e o estado do Pará, em particular, passaram por estiagem durante o último outono, esta seca não bate o recorde nem mesmo explica a incrível quantidade de incêndios. O diretor do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Alberto Setzer, informou ao The Guardian que há outra explicação para a grande quantidade de incêndios: “Torna-se crucial compreender que esses incêndios não são naturais. Eles são provocados pelo homem”.
Queimadas na Amazônia brasileira, de acordo com os analistas, geralmente são usadas como ferramenta para transformar áreas da floresta em pasto e plantações. Às vezes, elas são empregadas até mesmo como uma forma para resolver conflitos territoriais.
A edição revista do código florestal brasileiro, adotado em 2012, pode ter um pouco de culpa, pois concedeu anistia aos acusados de desmatamento ilegal. Na verdade, o desmatamento tem crescido gradativamente em toda a região amazônica desde então, com um aumento de 29% entre 2015 e 2016.
Os diversos incêndios que ameaçaram as comunidades indígenas Xikrin às margens do rio Cateté, no outono passado, não foram instigados apenas pela lenta degradação causada por madeireiros ambiciosos que agiam há vinte anos. No meio do mês de setembro, o Tribunal Federal ordenou que a gigante da mineração, Vale, fechasse a mina de níquel Onça Puma localizada próxima a territórios indígenas, e suspendesse suas operações até que a empresa obedeça aos termos de licenciamento ambiental e pague cerca de cinquenta milhões de reais em indenizações às comunidades Xikrin e Kayapó.
Um relatório expedido pela agência brasileira de jornalismo investigativo, Agência Pública, no início de dezembro, relatou como a Vale extrai níquel dos morros próximos ao território Xikrin e descreveu sua fábrica, localizada a apenas seis quilômetros dos limites do território indígena. A terra dos Xikrins é cercada de riquezas minerais, incluindo a maior reserva de ferro do mundo (e a gigante mina de ferro Carajás), além da maior reserva de cobre do Brasil, e de uma reserva de níquel extremamente puro. Essa área é conhecida também por sua biodiversidade tropical, repleta de árvores que produzem uma grande safra da popular castanha.
A mineração, legal ou ilegal, o desmatamento ilegal e a caça, acabam com a integridade da floresta, afirma Eric de Belém Oliveira, ex-coordenador regional de políticas indígenas e de proteção da FUNAI. Essa degradação da floresta pode fazer com que os incêndios sejam mais intensos e abrangentes, uma vez que tenham início.
“A flexibilidade que a lei brasileira introduziu em suas regulações sobre o meio ambiente (desde 2012) mostra que suas agências (reguladoras e executivas) não representam mais o poder institucional” declarou Eric à Mongabay. “Agora, é o capital (global) quem dá as cartas”.
Eric construiu sua carreira na FUNAI, onde começou há dez anos como estagiário. No entanto, foi afastado de seu cargo de coordenador regional em Marabá no mês de março do ano passado, vítima de um grande corte de orçamento feito pela gestão Temer. O cargo de Eric ainda está vago após quase um ano de sua saída. O escritório regional auxilia cerca de 7.000 indígenas, de 120 vilarejos diferentes.
“Tínhamos 20 funcionários, mas 7 se aposentaram”, declarou Eric à Mongabay. Nenhuma dessas vagas foi preenchida ainda. “Porque não há ninguém para cuidar das tarefas, as condições para as comunidades indígenas pioraram. Na verdade, os vilarejos indígenas onde desenvolvemos nosso trabalho estão enfrentando sérias consequências”. O escritório da FUNAI que atende as populações afetadas pela megabarragem de Belo Monte também está com um número de funcionários abaixo do ideal, e também enfrenta condições adversas para o bem-estar das comunidades indígenas.
A gestão Temer tem feito o orçamento da FUNAI passar fome. Uma declaração, feita em maio, pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos, afirma que a agência sofreu uma redução de 50% em seu orçamento discricionário, saindo de R$110,6 para R$49,9 milhões. O Ministério do Meio Ambiente, que abriga a agência ambiental brasileira, IBAMA, sofreu cortes de 43%. Dentre as muitas funções do IBAMA está o combate aos incêndios florestais do país. O orçamento do IBAMA foi reduzido de R$977 para R$446 milhões. Os cortes deixaram a agência sem recursos para pagar por transporte, eletricidade e internet.
Oliveira cita o colapso causado pelos resíduos de mineração da barragem de Fundão, em Minas Gerais, o maior desastre ambiental do Brasil até o momento, como um indicador do que ele presencia em todo o país: “Podemos ver uma falta de monitoramento generalizada. E, ao invés de adotar uma legislação mais rígida, vemos o contrário acontecer. Vemos que o desenvolvimento de empresas (transnacionais e brasileiras) não apenas tem causado danos ambientais, mas também ao comportamento dos povos indígenas, porque seus avanços contribuíram para o aumento de conflitos internos entre essas populações”.
A FUNAI declarou que não poderia responder ao questionamento da Mongabay sobre o tamanho de seu quadro de funcionários ou sobre a degradação florestal nas terras indígenas.
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