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Brasil anuncia o fim da política de construção de megabarragens na Amazônia

  • O governo brasileiro anunciou nesta semana o fim de sua política de construção de megabarragens na Amazônia brasileira – uma estratégia criada durante a ditadura militar do país (1964-1985) e levada a cabo com vigor até os dias de hoje.

  • O governo Temer alega que a decisão é uma resposta à grande resistência de grupos ambientalistas e indígenas. No entanto, enquanto essa é uma parte do motivo, especialistas enxergam outras razões.

  • A queda da influência política das grandes empreiteiras brasileiras, causada pelas investigações sobre corrupção da Lava Jato, parece ser o principal motivo da mudança nas políticas de construção e do atual estado de recessão da economia do país, o que torna improvável que o grande banco de desenvolvimento brasileiro (BNDES) invista em projetos bilionários.

  • Enquanto grupos ambientalistas e indígenas comemoram o abandono da política de megabarragens, especialistas alertam para as grandes ameaças que sofrem os resquícios da Amazônia, dentre elas a pressão do lobby feito por ruralistas brasileiros para que áreas de conservação e indígenas sejam destinadas ao agronegócio, junto às ameaças apresentadas pelos projetos de construção de novas estradas, ferrovias, aquedutos e de mineração.

Um líder indígena, em abril de 2015, na construção da barragem de São Manoel, no rio Teles Pires, na bacia do Tapajós. Foto: Mídia Ninja, cortesia da International Rivers.

Em uma atitude surpreendente, o governo brasileiro anunciou que a época de construção de grandes barragens hidrelétricas na bacia amazônica, amplamente criticada por grupos ambientalistas e indígenas, está chegando ao fim. “Não temos nenhum preconceito contra grandes projetos (de hidroelétricas), mas devemos respeitar a opinião da sociedade, que as veem com restrições”, disse Paulo Pedrosa, Secretário-Executivo do Ministério de Minas e Energia, ao jornal O Globo.

Segundo Pedrosa, o Brasil tem potencial para gerar 50 gigawatts extras de energia até 2050 com a construção de novas barragens, mas, deste total, apenas 23% não afetariam, de alguma forma, terras indígenas, quilombos e áreas protegidas pelo Estado. “O governo não têm fôlego para encarar as disputas”, ele afirma.

Pedrosa continua: “Nem estamos dispostos a tomar medidas que mascarem seus custos e riscos (dos projetos das hidroelétricas)”. Essa afirmação tem ligação com as ações de governos anteriores, especialmente o governo da presidente Dilma, do Partido dos Trabalhadores (PT), que dificultou a avaliação das verdadeiras despesas e impactos ambientais de grandes barragens, como a Belo Monte, no rio Xingu.Somente após a construção desta barragem é que os grandes custos – financeiros, sociais e ambientais – foram totalmente revelados.

Essa é uma das razões para que esses megaprojetos começassem a enfrentar uma crescente onda de protestos. Por exemplo, em 2016, após muitas manifestações de indígenas, o IBAMA, agência ambiental, suspendeu a construção de uma grande barragem no rio Tapajós (São Luiz do Tapajós), que iria inundar parte do território indígena Munduruku de Sawre-Muybu. Mas, porque o governo nunca cancelou a construção da barragem, oficialmente, índios e ambientalistas sempre temeram que o projeto pudesse ser retomado a qualquer momento. Entretanto, segundo O Globo, o Ministério de Minas e Energia anunciou que “não irá mais lutar pelo projeto (São Luiz do Tapajós)”.

A construção da megabarragem de Belo Monte, que deslocou cerca de 20 a 40 mil pessoas e causou destruição à pesca do rio Xingu e outros danos ambientais. Sua construção foi coberta de acusações de atos de corrupção praticados pelo governo e pelas empreiteiras. Foto: cortesia de Lalo de Almeida/Folhapress.

“Eu acredito que grandes hidrelétricas não serão mais construídas”, relata Mauro Maura Severino, professor de energia elétrica na Universidade de Brasília. “O Brasil deveria migrar para fontes limpas de energia, como a energia solar e eólica”.

João Carlos Mello, da Thymos Energia, empresa de consultoria, concorda: “O futuro está nas fontes renováveis de energia, como o vento, e que causam menos impacto. A tendência será gerar energia mais perto do local onde ela será consumida”.

Enquanto o governo Temer não declara publicamente, especialistas afirmam que não há dúvidas de que a dura realidade econômica teve um grande papel na reviravolta governamental. No passado, o grande banco de desenvolvimento brasileiro, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), subsidiava com bilhões de dólares a construção de megabarragens, escoando o dinheiro através de companhias estatais, que, por isso, tornaram-se muito poderosas. Por exemplo, a Eletrobrás, maior companhia estatal da América Latina, é dona de 49,98% da Furnas Belo Monte, uma estatal regional. Detém, também, 39% do projeto da hidroelétrica de Santo Antônio, por meio de suas subsidiárias, e 40% da barragem de Jirau – ambas frutos de projetos grandes e polêmicos, construídas no Rio Madeira.

A barragem Santo Antônio, no rio Madeira, Brasil, parte do Complexo Hidroelétrico Madeira. Uma fase de construção de megabarragens na bacia amazônica, que levou danos à água potável e aos ecossistemas da floresta, pode estar chegando ao fim. Foto: Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Flickr, sob a licença CC BY-NC-SA 2.0.

No entanto, em agosto do ano passado, Temer surpreendeu o mercado ao anunciar a privatização da Eletrobrás. Edvaldo Santana, ex-diretor da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) declarou: “A privatização da Eletrobrás é um fator importante (para a mudança na política de construção de megabarragens). A Belo Monte, a Santo Antônio e a Jirau não existiriam – e levariam mais tempo para serem construídas – sem a Eletrobrás” e a injeção de dinheiro feita pelo BNDES.

O clima político brasileiro também mudou desde o apogeu da construção de megabarragens durante o governo de Lula e Dilma Rousseff. Em 2016, por exemplo, quando a Mongabay publicou uma série de artigos sobre o BNDES e o financiamento feito a grandes barragens na Amazônia, não encontrou ninguém, nem mesmo um engenheiro ou especialista em energia, disposto a defender a barragem de Belo Monte. Embora alguns poucos se dispusessem a gravar entrevista, muitos concordavam que a única razão de construção da Belo Monte era porque o governo do PT precisava de um grande projeto de construção com o qual o partido pudesse recompensar grandes construtoras, como a Odebrecht, pelas enormes somas de dinheiro que elas forneceram como contribuições ilegais para a campanha eleitoral do PT.

Tais negociações não são mais possíveis, graças ao famoso escândalo de corrupção conhecido como Lava-Jato que deflagrou uma grande porção da elite política e empresarial brasileira, incluindo altos executivos das maiores empreiteiras. As investigações ainda estão em andamento.

Ainda em 2016, Felício Pontes, promotor do Ministério Público Federal pelo estado do Pará, disse à Mongabay: “O motivo que explica a opção irracional por instalações hidroelétricas na Amazônia é a corrupção. Em outras palavras, o planejamento energético não é tratado como um assunto estratégico no Brasil, que considera o futuro da nação, mas sim, ao menos desde a época da ditadura militar, como fonte de dinheiro para empreiteiras e políticos. Eu acho que, até que essas questões sejam expostas e resolvidas, continuaremos a ter barragens caras e ineficientes, e que causam sérios danos sociais e ambientais à Amazônia”.

Em 2015, uma aliança indígena exigiu que o Brasil interrompesse a construção de barragens na Amazônia. O governo brasileiro acaba de anunciar um fim para a sua política de construção de megabarragens na bacia amazônica. Foto: cortesia da Amazon Watch.

A mudança na política de barragens hidroelétricas que o governo anunciou nesta semana certamente será saudada como um sinal de esperança pelos grupos ambientalistas e indígenas. No entanto, especialistas lembram que é necessária uma mudança maior nas políticas estratégias, com relação ao planejamento de infraestrutura e agronegócio, antes que a Amazônia possa ser considerada livre de mais desmatamento.

Ao longo dos últimos 18 meses, a bancada ruralista, que faz lobby rural no Congresso, obteve sucessivas vitórias, conquistando políticas que beneficiam o agronegócio, mas que ameaçam as unidades de conservação e os territórios indígenas. Esses acontecimentos podem ser intensificados nos meses que antecedem a eleição presidencial, em outubro. Ainda há, por exemplo, a discussão sobre o projeto de grande impacto ambiental que quer transformar a bacia do rio Tapajós em um aqueduto industrial, com a dragagem de seu rio principal e seus afluentes, e a destruição de suas correntezas.

Barragens hidroelétricas já causaram grandes danos a comunidades indígenas e tradicionais, mas elas são apenas uma das diversas ameaças à Amazônia – novas estradas, ferrovias, aquedutos, minas e demais obras de infraestrutura causam grande destruição. Se, por um lado, a mudança recém-anunciada na política de hidroelétricas é importante, por outro, especialistas afirmam que mudanças maiores são necessárias antes que alguém possa falar sobre avanços na conservação da Amazônia brasileira.

O rio Teles Pires se estende por 1.370 quilômetros (850 milhas). Quatro barragens recém-construídas nesse rio causaram grandes danos ambientais e enfrentaram diversos protestos por parte de comunidades indígenas. O anúncio feito nesta semana pelo governo brasileiro pode salvar outras bacias de rios amazônicos do mesmo destino. Foto: Thais Borges.
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