O governo brasileiro anunciou nesta semana o fim de sua política de construção de megabarragens na Amazônia brasileira – uma estratégia criada durante a ditadura militar do país (1964-1985) e levada a cabo com vigor até os dias de hoje.
O governo Temer alega que a decisão é uma resposta à grande resistência de grupos ambientalistas e indígenas. No entanto, enquanto essa é uma parte do motivo, especialistas enxergam outras razões.
A queda da influência política das grandes empreiteiras brasileiras, causada pelas investigações sobre corrupção da Lava Jato, parece ser o principal motivo da mudança nas políticas de construção e do atual estado de recessão da economia do país, o que torna improvável que o grande banco de desenvolvimento brasileiro (BNDES) invista em projetos bilionários.
Enquanto grupos ambientalistas e indígenas comemoram o abandono da política de megabarragens, especialistas alertam para as grandes ameaças que sofrem os resquícios da Amazônia, dentre elas a pressão do lobby feito por ruralistas brasileiros para que áreas de conservação e indígenas sejam destinadas ao agronegócio, junto às ameaças apresentadas pelos projetos de construção de novas estradas, ferrovias, aquedutos e de mineração.
Em uma atitude surpreendente, o governo brasileiro anunciou que a época de construção de grandes barragens hidrelétricas na bacia amazônica, amplamente criticada por grupos ambientalistas e indígenas, está chegando ao fim. “Não temos nenhum preconceito contra grandes projetos (de hidroelétricas), mas devemos respeitar a opinião da sociedade, que as veem com restrições”, disse Paulo Pedrosa, Secretário-Executivo do Ministério de Minas e Energia, ao jornal O Globo.
Segundo Pedrosa, o Brasil tem potencial para gerar 50 gigawatts extras de energia até 2050 com a construção de novas barragens, mas, deste total, apenas 23% não afetariam, de alguma forma, terras indígenas, quilombos e áreas protegidas pelo Estado. “O governo não têm fôlego para encarar as disputas”, ele afirma.
Pedrosa continua: “Nem estamos dispostos a tomar medidas que mascarem seus custos e riscos (dos projetos das hidroelétricas)”. Essa afirmação tem ligação com as ações de governos anteriores, especialmente o governo da presidente Dilma, do Partido dos Trabalhadores (PT), que dificultou a avaliação das verdadeiras despesas e impactos ambientais de grandes barragens, como a Belo Monte, no rio Xingu.Somente após a construção desta barragem é que os grandes custos – financeiros, sociais e ambientais – foram totalmente revelados.
Essa é uma das razões para que esses megaprojetos começassem a enfrentar uma crescente onda de protestos. Por exemplo, em 2016, após muitas manifestações de indígenas, o IBAMA, agência ambiental, suspendeu a construção de uma grande barragem no rio Tapajós (São Luiz do Tapajós), que iria inundar parte do território indígena Munduruku de Sawre-Muybu. Mas, porque o governo nunca cancelou a construção da barragem, oficialmente, índios e ambientalistas sempre temeram que o projeto pudesse ser retomado a qualquer momento. Entretanto, segundo O Globo, o Ministério de Minas e Energia anunciou que “não irá mais lutar pelo projeto (São Luiz do Tapajós)”.
“Eu acredito que grandes hidrelétricas não serão mais construídas”, relata Mauro Maura Severino, professor de energia elétrica na Universidade de Brasília. “O Brasil deveria migrar para fontes limpas de energia, como a energia solar e eólica”.
João Carlos Mello, da Thymos Energia, empresa de consultoria, concorda: “O futuro está nas fontes renováveis de energia, como o vento, e que causam menos impacto. A tendência será gerar energia mais perto do local onde ela será consumida”.
Enquanto o governo Temer não declara publicamente, especialistas afirmam que não há dúvidas de que a dura realidade econômica teve um grande papel na reviravolta governamental. No passado, o grande banco de desenvolvimento brasileiro, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), subsidiava com bilhões de dólares a construção de megabarragens, escoando o dinheiro através de companhias estatais, que, por isso, tornaram-se muito poderosas. Por exemplo, a Eletrobrás, maior companhia estatal da América Latina, é dona de 49,98% da Furnas Belo Monte, uma estatal regional. Detém, também, 39% do projeto da hidroelétrica de Santo Antônio, por meio de suas subsidiárias, e 40% da barragem de Jirau – ambas frutos de projetos grandes e polêmicos, construídas no Rio Madeira.
No entanto, em agosto do ano passado, Temer surpreendeu o mercado ao anunciar a privatização da Eletrobrás. Edvaldo Santana, ex-diretor da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) declarou: “A privatização da Eletrobrás é um fator importante (para a mudança na política de construção de megabarragens). A Belo Monte, a Santo Antônio e a Jirau não existiriam – e levariam mais tempo para serem construídas – sem a Eletrobrás” e a injeção de dinheiro feita pelo BNDES.
O clima político brasileiro também mudou desde o apogeu da construção de megabarragens durante o governo de Lula e Dilma Rousseff. Em 2016, por exemplo, quando a Mongabay publicou uma série de artigos sobre o BNDES e o financiamento feito a grandes barragens na Amazônia, não encontrou ninguém, nem mesmo um engenheiro ou especialista em energia, disposto a defender a barragem de Belo Monte. Embora alguns poucos se dispusessem a gravar entrevista, muitos concordavam que a única razão de construção da Belo Monte era porque o governo do PT precisava de um grande projeto de construção com o qual o partido pudesse recompensar grandes construtoras, como a Odebrecht, pelas enormes somas de dinheiro que elas forneceram como contribuições ilegais para a campanha eleitoral do PT.
Tais negociações não são mais possíveis, graças ao famoso escândalo de corrupção conhecido como Lava-Jato que deflagrou uma grande porção da elite política e empresarial brasileira, incluindo altos executivos das maiores empreiteiras. As investigações ainda estão em andamento.
Ainda em 2016, Felício Pontes, promotor do Ministério Público Federal pelo estado do Pará, disse à Mongabay: “O motivo que explica a opção irracional por instalações hidroelétricas na Amazônia é a corrupção. Em outras palavras, o planejamento energético não é tratado como um assunto estratégico no Brasil, que considera o futuro da nação, mas sim, ao menos desde a época da ditadura militar, como fonte de dinheiro para empreiteiras e políticos. Eu acho que, até que essas questões sejam expostas e resolvidas, continuaremos a ter barragens caras e ineficientes, e que causam sérios danos sociais e ambientais à Amazônia”.
A mudança na política de barragens hidroelétricas que o governo anunciou nesta semana certamente será saudada como um sinal de esperança pelos grupos ambientalistas e indígenas. No entanto, especialistas lembram que é necessária uma mudança maior nas políticas estratégias, com relação ao planejamento de infraestrutura e agronegócio, antes que a Amazônia possa ser considerada livre de mais desmatamento.
Ao longo dos últimos 18 meses, a bancada ruralista, que faz lobby rural no Congresso, obteve sucessivas vitórias, conquistando políticas que beneficiam o agronegócio, mas que ameaçam as unidades de conservação e os territórios indígenas. Esses acontecimentos podem ser intensificados nos meses que antecedem a eleição presidencial, em outubro. Ainda há, por exemplo, a discussão sobre o projeto de grande impacto ambiental que quer transformar a bacia do rio Tapajós em um aqueduto industrial, com a dragagem de seu rio principal e seus afluentes, e a destruição de suas correntezas.
Barragens hidroelétricas já causaram grandes danos a comunidades indígenas e tradicionais, mas elas são apenas uma das diversas ameaças à Amazônia – novas estradas, ferrovias, aquedutos, minas e demais obras de infraestrutura causam grande destruição. Se, por um lado, a mudança recém-anunciada na política de hidroelétricas é importante, por outro, especialistas afirmam que mudanças maiores são necessárias antes que alguém possa falar sobre avanços na conservação da Amazônia brasileira.