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Brasil 2018: A Amazônia sob ataque: cresce a resistência, a ação dos tribunais e as eleições

  • Embora fazer previsões seja sempre difícil, parece provável que o presidente do Brasil, Michel Temer, permaneça no poder durante o último ano de seu mandato, apesar das investigações de corrupção em curso.

  • As eleições para presidente, para a Câmara dos Deputados e para maioria dos cargos no Senado estão agendadas para outubro. O ex-presidente Lula lidera as pesquisas para as eleições presidenciais, embora o candidato da direita, Jair Bolsonaro, venha crescendo muito. O histórico de Lula em relação ao meio ambiente é dúbio; Bolsonaro certamente seria uma má notícia para o meio ambiente, os grupos indígenas e a Amazônia.

  • Em 2018, Temer, o Congresso e os ruralistas (um grupo de lobby que representa o agronegócio, os pecuaristas, os grileiros e outras elites rurais abastadas), provavelmente, procurarão minar ainda mais as leis ambientais e o direito a terra dos indígenas. A possível pavimentação da BR 319, no coração da Amazônia, é considerada uma das maiores ameaças.

  • No entanto, a resistência popular em relação a questões ambientais e indígenas continua a crescer, e importantes decisões do Supremo Tribunal Federal são esperadas nas próximas semanas e nos próximos meses, o que poderia anular alguns dos maiores ganhos obtidos pelos ruralistas durante o governo Temer.

Michel Temer, presidente brasileiro pró-agronegócio, deve permanecer no cargo até 2018, apesar das graves acusações de corrupção contra ele. Foto: Agência Brasil

Nunca é fácil prever o que vai acontecer no Brasil. Há um ano, poucos acreditavam que o Presidente Michel Temer, extremamente impopular e atolado em acusações de corrupção, sobreviveria politicamente. Escolhido pelo Congresso e não pelo povo, ele se tornou presidente em agosto de 2016 porque Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), foi acusada por crimes muito menos sérios do que aqueles dos quais Temer está sendo acusado agora.

Mas Temer e seu partido, o poderoso PMDB, se mostraram habilidosos em negociar com parlamentares de direita na Câmara dos Deputados – especialmente com a bancada ruralista – muitos dos quais também são acusados de corrupção e ansiosos para evitar acusações. Nos últimos meses, o próprio Temer lutou três vezes contra as tentativas do Supremo Tribunal Federal de apurar as acusações de corrupção feitas contra ele fazendo prevalecer, por meio de votações no Congresso, decisões contrárias às investigações.

Apesar de todos os desafios envolvidos em fazer previsões, olhamos aqui para prováveis tendências futuras e oferecemos algumas suposições fundamentadas em eventos e resultados prováveis.

O ex-presidente Lula faz sinal positivo. Lula vem liderando as pesquisas presidenciais de 2018, mas está derrapando e permanece sob uma nuvem de acusações de corrupção. Foto de Ricardo Stuckert / Agência Brasil

Eleições 2018 – A questão incômoda que não se pode ignorar

Em primeiro lugar, é provável que o presidente Temer conclua o seu mandato. Com eleições em outubro, ele tem apenas um ano a cumprir e a economia, embora ainda longe de estar crescendo, está em melhor forma do que estava há dois anos. De acordo com o Ministério da Fazenda, com a recuperação, o crescimento chegou a 1,1% em 2017 e deve atingir 3% em 2018. É provável que o único evento que poderia forçar Temer a desocupar o Palácio da Alvorada fosse a precariedade de sua saúde: aos 77 anos, ele sofre de doença cardíaca e problemas de próstata que o levaram à hospitalização em dezembro.

Em segundo lugar, Temer é cada vez mais irrelevante, como todos os olhos estão focados nas eleições de outubro, quando o Brasil vai eleger um novo presidente, novos deputados federais, dois terços dos seus senadores e todos os governadores de estado.

Existe uma grande incerteza quanto ao resultado. O escândalo de corrupção de grande porte, conhecido como Lava-Jato, enredou uma enorme fatia da elite política do Brasil; e o público nunca teve o Congresso em tão baixa conta quanto agora. De acordo com dados do Supremo Tribunal Federal, 237 dos 594 parlamentares estão sendo investigados por corrupção atualmente – o que equivale a 40% do legislativo.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (conhecido simplesmente como Lula), do Partido dos Trabalhadores, lidera as pesquisas de opinião. Muitos eleitores recordam que, durante seus dois mandatos consecutivos (2003-2011), os brasileiros mais pobres tiveram uma melhoria em seu padrão de vida e maior acesso aos direitos constitucionais. Mas Lula também está enredado no escândalo da Lava-Jato. Em julho de 2017, ele foi condenado a nove anos e meio de prisão, embora muitos em seu partido reivindiquem que as evidências contra ele são fracas. Lula apelou e uma instância superior deve se pronunciar sobre o caso em 24 de janeiro. Se a sentença for confirmada, Lula pode ser impedido de concorrer, embora outro recurso ainda seja possível.

Os ambientalistas têm sentimentos ambíguos em relação a Lula: muitos dizem que, apesar de seus sucessores imediatos – Dilma Rousseff e, mais ainda, Michel Temer – terem feito muito mais para enfraquecer a proteção ambiental, o retrocesso começou sob o comando de Lula, que estava ansioso para se livrar de qualquer lei que ele via como empecilho ao seu objetivo primordial: o crescimento econômico.

Neste contexto, o apoio a Lula, que era franco favorito, está em queda. Em uma pesquisa de opinião publicada pouco antes do Natal, 45% dos eleitores declararam que iam – ou talvez fossem – votar em Lula, enquanto quase o mesmo número (42%) declararam que votariam no deputado federal Jair Bolsonaro. Ex-capitão do exército, Bolsonaro é um político incansável da extrema direita. Sabendo que a presidente Dilma Rousseff tinha sido torturada pelos militares no início da década de 70, ele dedicou seu voto pelo impeachment ao coronel Carlos Brilhante Ustra, o homem encarregado de torturar prisioneiros políticos durante a ditadura militar.

O candidato a presidente da extrema-direita, Jair Bolsonaro, vem ganhando nas pesquisas. Foto: Agência Brasil

Famoso por insultar as mulheres, os gays e as minorias étnicas e por incitar violência contra eles, ele prometeu, caso seja eleito, acabar com a demarcação das terras indígenas e dos territórios quilombolas e extinguir o financiamento público das organizações não governamentais. Parece certo de que suas políticas serão hostis para a Amazônia, para a conservação e para o cumprimento das metas de redução de emissão de carbono acordadas pelo Brasil no acordo de Paris.

Em uma situação normal, Bolsonaro, com suas visões extremas, provavelmente não seria um candidato sério. Mas, no momento, estamos longe da normalidade: uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas em agosto de 2017 encontrou desaprovação do governo em 83%, dos políticos e dos partidos políticos em geral em 78%. Além disso, 55% disseram que não votariam pelo candidato que votaram nas últimas eleições.

Esse descontentamento extremo poderia abrir caminho para uma nova dinâmica na política brasileira – o surgimento dos anti-políticos e dos populistas de extrema direita, semelhante ao que aconteceu nos EUA com a eleição de Donald Trump.

Onça-pintada (Panthera onca) A Amazônia brasileira não parece ser uma prioridade para a maioria dos brasileiros, pois a maioria deles tem que lidar com os reveses econômicos, a corrupção política em massa e as próximas eleições. Foto de Rhett A. Butler / Mongabay

Esquecida, a Amazônia está em apuros

À medida que os brasileiros sofrem com os tempos turbulentos – traumatizados por problemas econômicos e pela corrupção desenfreada – pouca atenção está sendo dada ao que está acontecendo na Amazônia. Mesmo antes de Temer chegar ao poder, a influente bancada ruralista vinha fazendo tudo o que podia para destruir os ganhos sociais e ambientais sacramentados na Constituição de 1988. Os ruralistas tiveram avanços com Temer em 2017 e, provavelmente, continuarão a ter sucesso neste ano.

Fiona Watson, da Survival International, uma ONG que trabalha globalmente com povos indígenas, declarou ao Mongabay: “2018 provavelmente será um ano sombrio para os povos indígenas da Amazônia, já que o governo e o bloco ruralista no Congresso, sem dúvida, intensificarão seus esforços para destruir os direitos constitucionais dos povos indígenas. A soma resultante do agronegócio de olho nos territórios indígenas (ricos em recursos) e das mineradoras estrangeiras fechando o cerco contribui para que a Amazônia se torne um barril de pólvora volátil e perigoso, especialmente em ano de eleição.”

E ela prossegue: “Em um ano de eleições é quando a situação foge ao controle e os grileiros de terra, madeireiros e mineiros sabem que podem invadir os territórios indígenas com maior impunidade do que o normal, por que as autoridades são menos propensas a tomar medidas legais por precisarem dos votos (e das doações de campanha) dessas pessoas. E, de mãos dadas com as invasões, vem a violência: em termos globais, o Brasil já tem uma das taxas mais elevadas do mundo de assassinatos de indígenas e defensores ambientais.”

Philip Fearnside, cientista no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), também é pessimista. Ele observa que, à medida que o mundo avança abordando os objetivos de redução de carbono do Acordo de Paris, abraçando as energias renováveis e protegendo as florestas, o governo Temer está se afastando do cumprimento do compromisso assumido em Paris e abriu o país a um frenesi do petróleo, dando às empresas um pacote de isenções fiscais que podem chegar a US $ 300 bilhões nos próximos 25 anos para extração offshore e de gás.

Ele acrescenta que o desmatamento na Amazônia, a principal fonte de emissões de carbono do Brasil, pode continuar avançando, porque as forças por trás desta ação – mais estradas, mais vias férreas e vias de navegação de cargas; mais minas; mais assentamentos no interior e mais investimentos em desenvolvimento – continuam a crescer.

Outro evento importante esperado em 2018, acrescenta Fearnside, é a “abertura gradual da rodovia BR-319 que liga Manaus na Amazônia Central com Rondônia, no notório “arco de desmatamento”.

“Tudo isso aponta para emissões mais elevadas”. Fearnside conclui, que as emissões já seriam maiores “se as emissões omitidas dos dados oficiais fossem incluídas, tais como a degradação da floresta por incêndios, por exploração madeireira e pelas secas.”

A polícia, enviada pelo governo Temer para proteger a barragem de São Manoel no rio Teles Pires, bloqueou os guerreiros Munduruku e os pajés em outubro de 2017. Embora o governo Temer tenha recuado na construção de megabarragens, muitas médias e pequenas barragens ainda estão planejadas para a Amazônia. Foto de Fernanda Moreira

Mobilização popular e as decisões do STF

Nem todas as perspectivas são sombrias. Com a crise econômica e a determinação do governo em reduzir o déficit fiscal, há pouco dinheiro público para grandes projetos de energia e infraestrutura, que sempre tiveram graves impactos ambientais e sociais. Este fato foi reconhecido por altos funcionários recentemente ao anunciarem, por meio de um artigo de imprensa, o provável fim dos planos para futuras megabarragens na Amazônia brasileira. Essa decisão será, provavelmente, revertida se novas fontes para grandes investimentos forem encontradas. Os chineses, por exemplo, ofereceram uma linha de crédito de US $ 20 bilhões ao Brasil para obras de infraestrutura em 2017. Os cientistas advertiram que muitas pequenas e médias barragens ainda estão nos planos, o que pode trazer danos ambientais significativos.

A oposição às políticas anti-ambientais do governo também estão crescendo. Watson, representante da Survival International, afirmou: “O lado positivo é que as organizações indígenas de mobilização popular a nível regional são ativas e eloquentes ao defender suas terras na Amazônia e, no mínimo, serão ainda mais eloquentes em 2018. Diante da quase ausência do Estado, tribos como os Guajajara e os Caapores formaram seus próprios grupos de “guardiões” para defender a floresta e as pessoas vulneráveis e isoladas, que também vivem lá. Podemos esperar que mais ações partam deles no próximo ano”.

2018 também pode ser o ano em que sejam assentados os alicerces para elevar os níveis de resistência em 2019, quando um novo governo toma posse. Márcio Santilli, membro fundador da ONG Instituto Socioambiental (ISA), disse ao Mongabay que “decisões importantes são esperadas do Supremo Tribunal Federal que deve colocar limites nos retrocessos patrocinados pelo governo Temer e pelo Congresso”.

Santilli, se refere, especialmente a uma decisão do Supremo Tribunal Federal, esperada para daqui a poucas semanas, sobre a legalidade do chamado “marco temporal” – uma data arbitrária (5 de outubro de 1988), definida pelo governo Temer, em que grupos indígenas tinham que estar fisicamente ocupando os territórios ancestrais para terem direito a reivindicar sua posse legal. Como muitos grupos indígenas foram expulsos de suas terras durante a ditadura militar (1964-1985), este requisito é visto como muito injusto e, provavelmente, uma violação da constituição de 1988.

Um guerreiro Munduruku se prepara para ocupar a barragem de São Manoel. A resistência indígena cresceu em 2017 e é provável que ganhe força em 2018, com as reivindicações de terras ancestrais sendo questionadas pelo governo federal. Foto de Juliana Rosa Pesqueira

Outra medida proposta que deverá ser julgada pelo STF é a legalização do arrendamento ou a locação de terras indígenas ao agronegócio. Santilli diz que tal medida viola a constituição e deve ser descartada pela justiça. Também é esperada, nos próximos meses, uma decisão sobre o direito as terras dos Quilombos (comunidades criadas por escravos fugidos), que seriam severamente restritos se um partido, aliado do governo, for bem sucedido em sua ação legal.

Provavelmente, a decisão mais importante de 2018 seja a que diz respeito ao controverso Código Florestal do país. Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal deverá decidir se o Código Florestal (revisto em 2012, sem dúvida, em detrimento do meio ambiente) viola a constituição. Alguns esperam que esta decisão seja a mais importante já tomada na história da legislação ambiental do Brasil.

Em termos gerais, é provável que 2018 seja um ano de espera, um ano em que movimentos indígenas e ambientais resistam bravamente a mais contratempos criados pelo governo Temer, pelo Congresso e pelos ruralistas, enquanto procura derrubar os reveses recentes.

Dependendo do resultado das eleições de outubro, os movimentos populares e ONGs esperam se reorganizar para seguir em frente com a missão de proteger Amazônia em 2019. Mas com a incerteza e a instabilidade em alta e candidatos a presidente que vão desde Jair Bolsonaro na extrema direita até Lula e o Partido dos Trabalhadores, e contando ainda com Marina Silva, uma ex-ministra do Meio Ambiente, tentando correr por fora pela centro-esquerda a sorte está lançada.

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Um jovem Guarani-Kaiowá. Este grupo indígena perdeu a maior parte de sua terra ancestral no estado brasileiro de Mato Grosso Do Sul. Pressionados pelo governo federal, as comunidades indígenas estão endurecendo em sua determinação em lutar por suas terras de origem. Foto de percursodacultura em VisualHunt / CC BY-SA
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