O presidente brasileiro Michel Temer publicou em 26 de setembro um novo decreto revogando a ordem dada em 23 de agosto que extinguia reserva na Amazônia para ampliar a exploração mineral.
A reserva, conhecida como Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados), possui nove áreas de conservação e duas reservas indígenas. Líderes indígenas e ambientalistas se mostraram preocupados quanto ao fato de a abertura da região para a mineração em larga escala colocar áreas protegidas em risco.
O decreto original foi condenado mundialmente por ambientalistas, grupos indígenas, cientistas, artistas e pelo público geral.
A Renca abrange uma área de 4,6 milhões de hectares (46.450 km2). Apenas 0,3% de toda a reserva foram desmatados, o que a torna uma das regiões mais intactas da Amazônia.
Em pouco mais de um mês, o presidente Michel Temer assinou três decretos relativos à Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), localizada na fronteira entre o Amapá e o Pará. No primeiro (Decreto 9147/2017), Temer extinguiu a reserva – uma área da Floresta Amazônica do tamanho da Dinamarca – e abriu a região para a mineração. No segundo, respondeu a uma onda de críticas ao prestar esclarecimentos sobre o primeiro decreto, sem, no entanto, fazer qualquer mudança significativa. No terceiro decreto, de 26 de setembro (Decreto 9159/2017), publicou no Diário Oficial da União que estava revogando o primeiro deles e fechando a região novamente.
Essa situação revela o momento político delicado enfrentado pelo presidente, que enfrentou uma segunda denúncia por corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa apresentada pelo então Procurador-Geral da República Rodrigo Janot e estava até aquele momento prestes a ser julgado pela Câmara dos Deputados. Especialistas afirmam que a controvérsia política envolvendo a extinção da Renca representa mais estresse e risco políticos do que Temer deseja enfrentar atualmente.
A reserva, criada em 1984, abrange uma área de 4,6 milhões de hectares (46.450 km2) e é rica em ouro, diamante e cromo. Ela inclui nove áreas protegidas, sete das quais são Unidades de Conservação (UCs): três de proteção integral, quatro de uso sustentável e duas terras indígenas. Apenas 0,3% do seu total foram desmatados, o que a torna uma das regiões mais intactas da Amazônia.
A revogação do decreto de Temer acerca da extinção da Renca é vista como uma vitória por grupos de ambientalistas e indígenas e como uma derrota por ruralistas brasileiros, juntamente às mineradoras canadenses, que foram apresentadas à decisão em março e lucrariam consideravelmente com a abertura da região para a mineração em larga escala.
Em seus protestos em defesa da Renca, ambientalistas, líderes indígenas, cientistas e a comunidade artística brasileira acusaram Temer de vender a Amazônia aos interesses das mineradoras estrangeiras.
Kutanan Waiapi Waiana, líder das comunidades indígenas da região da Renca, criticou duramente os responsáveis pelo decreto original. Além de Temer, o documento de 23 de agosto foi assinado também pelo Ministro de Minas e Energia Fernando Coelho Filho. Kutanan afirmou: “O que vai resolver o problema do Brasil é a boa gestão, não é a venda da nossa riqueza. O governo rouba e vende o que é nosso na cara de todos os brasileiros.”
A onda de opiniões públicas negativas levou o Ministério de Minas e Energia (MME) a suspender todas as atividades de mineração relacionadas à Renca por 120 dias e a declarar que qualquer planejamento de mineração futuro somente será analisado após extensa discussão com as populações locais da região. Das nove áreas protegidas da reserva, sete são Unidades de Conservação, três das quais possuem proteção integral e quatro permitem um uso sustentável de seus recursos, o que pode incluir a mineração. As UCs de uso sustentável incluem as florestas do Paru e do Amapá. A mineração é proibida nas UCs de proteção integral e em terras indígenas.
No fim das contas, Temer foi forçado a revogar o decreto de extinção da Renca devido a ações do Congresso em favor da recuperação da reserva. No dia 14 de setembro, o deputado Ricardo Tripoli pediu a revogação definitiva do decreto presidencial por meio de um ofício protocolado junto à Casa Civil: “O mais grave é que, em quase toda a extensão da Renca, existem unidades de conservação ambiental, algumas, inclusive, categorizadas como de proteção integral, nas quais são proibidas as atividades de mineração e outras”, afirmou Tripoli em trecho do ofício.
O presidente também foi alertado pelo presidente do Senado Eunício Oliveira de que o projeto de decreto legislativo do senador Randolfe Rodrigues para revogar a ação presidencial já estava na lista de votação na Câmara dos Deputados daquela semana.
Outros tentaram persuadir Temer a não revogar o decreto original, incluindo os ministros Fernando Coelho Filho (MME) – cuja nomeação no ano passado causou surpresa em razão de sua total inexperiência com políticas de mineração – e Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência da República, além de Fabio Schvartsman, presidente da Vale. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, a mineradora tem o maior número de pedidos para explorar a área da Renca do que qualquer outra empresa: dos 154 pedidos de exploração e pesquisa autorizados para análise, pelo menos 104 eram de empresas do grupo Vale.
No decreto original que extingue a reserva, o Ministério de Minas e Energia determinou que apenas os pedidos de exploração e pesquisa anteriores a 1984, ano da criação da Renca, seriam analisados.
O responsável por conduzir a proposta original de extinção da Renca foi Vicente Lôbo, ex-diretor da Vale Fertilizantes e atual secretário de Geologia e Mineração do MME. Lôbo foi nomeado pelo ministro Coelho Filho, filho do senador Fernando Bezerra Coelho, que trabalhou estreitamente com a Vale quando ainda era membro da comissão de investigação do rompimento da barragem em Mariana, no estado de Minas Gerais em 2015 – pior desastre ambiental do Brasil, que matou 19 pessoas e despejou 50 milhões de toneladas de minério de ferro e resíduos tóxicos no Rio Doce, impactando milhões de brasileiros.
Em um seminário recente para investidores ocorrido em Nova York e promovido pelo jornal Financial Times, o ministro Coelho Filho pareceu ignorar a responsabilidade da legislação inadequada no desastre: “o desastre de Mariana […] tem que ser encarado como foi, de fato foi um acidente. Nós temos que trabalhar para que outros não ocorram, mas como uma fatalidade, você não tem controle sobre isso.”
Márcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, afirmou que, para proteger a região da Renca de forma efetiva para o futuro, é preciso consolidar um mosaico de áreas de proteção integral nas terras públicas localizadas dentro da reserva. Ele completou, ainda, que “Além da consolidação do mosaico, é fundamental que o governo intensifique o monitoramento e o combate às atividades clandestinas na região”. Em 19 de setembro, o Greenpeace Brasil denunciou a presença de 14 garimpos e oito pistas de pouso ilegais dentro da Floresta Estadual do Paru, localizada na Renca.