O Brasil está a investigar possíveis incidentes violentos entre mineiros e agricultores ilegais, e dois grupos isolados de indígenas, no Território Indígena do Vale do Javari, no estado do Amazonas, na fronteira com o Perú.
Um alegado incidente envolveu mineiros de ouro que operavam (ilegalmente) dragas no rio Jandiatuba, um afluente do rio Solimões.
Num segundo caso, os aldeões de Jarinal, uma comunidade de Kanamari no rio Jutai, relataram um ataque contra um grupo Wakinara Djapar, possivelmente realizado por pessoas que ilegalmente cultivam terras no Território Indígena do Vale do Javari.
Ambos os relatos estão a ser investigados, mas até agora não foram produzidas provas sólidas que confirmassem os ataques. A FUNAI, agência de serviços indígenas do Brasil, tem visto frustradas as suas ações de proteção dos grupos isolados, devido a drásticas reduções orçamentais. Este ano, a administração de Temer reduziu o orçamento operacional da agência em quase 50%.
Funcionários brasileiros estão a investigar os dois relatos de contato violento entre grupos indígenas, que evitam o contato com uma sociedade mais ampla, e pessoas de fora que entraram ilegalmente no seu território.
Ambos os incidentes ocorreram no Território Indígena do Vale do Javari, uma área enorme que abrange 85.444 quilómetros quadrados (32.990 milhas quadradas), no estado do Amazonas, que faz fronteia com o Peru, e abriga a maior concentração de indígenas isolados do mundo.
Um caso envolveu os mineiros de ouro que operam dragas ilegalmente no rio Jandiatuba, um afluente do Solimões. Em meados de Agosto, os relatórios começaram a circular na cidade de São Paulo de Olivença, no rio Solimões, perto das fronteiras do Brasil com o Peru e a Colômbia, de um encontro entre mineiros e indígenas, que ocorreu no final de Julho ou início de Agosto.
No final de Agosto, quatro dragas no rio Jandiatuba foram destruídas numa incursão do Exército brasileiro, Ministério Público Federal e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). O IBAMA também multou um grupo de mineiros, em cerca de US $ 340.000 por danos ambientais na região.
Antes desta ação, os mineiros em São Paulo de Olivença tinham mostrado um arco, uma flecha e uma pá esculpida tirada de uma canoa, como prova do encontro indígena, de acordo com fontes a par da investigação.
Também houve relatos de que 10 indígenas foram mortos. Estes números não foram confirmados, de acordo com um comunicado de imprensa divulgado a 11 de Setembro pela FUNAI, agência nacional de assuntos indígenas do Brasil.
“Até agora, nenhuma prova material foi encontrada para provar o suposto massacre, por isso é impossível confirmar a veracidade dos [relatos de] mortes”, diz o comunicado da FUNAI.
É difícil confirmar as mortes em casos de encontros violentos com grupos isolados, porque os corpos das vítimas quase nunca são encontrados, dizem os especialistas.
Os relatos de tais casos geralmente provêm das pessoas de fora envolvidas – como os mineiros neste caso, ou madeireiros ou caçadores que invadem o território do grupo isolado – ou de uma tribo vizinha.
No segundo alegado incidente, os aldeões de Jarinal, uma comunidade de Kanamari no rio Jutai, relataram um ataque contra um grupo de pessoas Wakinara Djapar – uma tribo do mesmo grupo linguístico que os Kanamari – possivelmente levado a cabo por pessoas que cultivam terras ilegalmente no Território Indígena do Vale do Javari. Este relato está sob investigação, mas não foi ainda confirmado..
Voando sob a área em Dezembro de 2016, a equipa da FUNAI viu os restos carbonizados de uma maloca, casa típica deste grupo isolado, mas não se sabe se a queima estava relacionada com a incursões de pessoas de fora.
Mesmo quando o encontro em si não é violento, o contato com pessoas de fora pode ser devastador para grupos isolados, que não têm a mesma resistência a doenças comuns, como constipações e gripes. Mesmo o contato indireto – através de potes, machetes ou outros itens levados de uma aldeia estabelecida ou de um campo de exploração madeireira – pode causar uma epidemia que dizima o grupo ou o força a procurar assistência médica.
Os dois novos relatos de violência ocorrem quando as tribos isoladas da bacia amazónica estão sob pressão cada vez maior de narcotraficantes, especialmente na fronteira entre o Brasil e o Peru, além da pressão que advém da construção de barragens, operações de petróleo e gás, e desflorestação para agricultura e pastagens, de acordo com Antenor Vaz, um ex-funcionário da FUNAI que mapeou as ameaças.
“Este modelo de desenvolvimento é o maior fator de risco para os povos indígenas isolados e aqueles com contato recente”, disse Vaz numa conferência de antropologia da Amazónia em Lima, Peru, no final de Julho.
Embora a maioria dos grupos isolados do Brasil, Peru, Colômbia, Bolívia, Paraguai, Equador e Venezuela vivam em áreas protegidas, isto não significa que eles estão a salvo de contato indesejável com pessoas de fora, disse Vaz.
Grupos isolados desconhecem as fronteiras oficiais e às vezes movem-se para dentro e fora destas fronteiras. Mesmo quando eles permanecem dentro das áreas protegidas, a falta de aplicação da lei torna-os vulneráveis a incursões de pessoas de fora, como os mineiros ilegais no rio Jandiatuba.
Embora a política oficial do Brasil seja proteger as áreas ocupadas por grupos isolados, os cortes orçamentais implementados nas administrações de Rousseff e Temer forçaram a FUNAI a fechar cinco dos seus postos de controlo, e cortar pessoal em outros. Mineiros subiram o rio Jandiatuba para território indígena depois de um posto de controlo da FUNAI ter sido encerrado em 2012. Este ano, o orçamento da FUNAI foi reduzido praticamente a metade.
As reduções orçamentais e a transferência de algumas áreas de responsabilidade, como a assistência à saúde e a educação dos povos indígenas, da FUNAI para outras agências governamentais, enfraqueceram a capacidade da agência de proteger os povos indígenas, de acordo com Luiz Eloy Terena, que é membro do grupo indígena Terena, e advogado do Grupo de Coordenação dos Povos Indígenas do Brasil (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
Um grupo de legisladores, a bancada ruralista, alinhada com os grandes proprietários de terras, o agronegócio e os fazendeiros, também está à procura agressivamente de redesenhar os limites dos territórios indígenas, e centenas de pedidos de demarcação territorial estão em espera, disse Eloy.
A construção de estradas na Amazónia é outra grande ameaça para os grupos indígenas, observou Vaz. Uma estrada construída no Brasil na década de 1970, perto da fronteira com a Venezuela, levou a corrida ao ouro para dentro do território do povo seminómada Yanomami, onde os mineiros mataram 16 membros da tribo em 1993.
À medida que as pressões externas aumentam, diz Vaz: “Existem grupos que estão a entrar em contato porque já não têm a possibilidade de permanecerem isolados”.