Notícias ambientais

Apostando na exploração agroflorestal da Mata Atlântica brasileira

  • Guapiruvu é um bairro rural no Vale da Ribeira, lar da maior extensão restante da Mata Atlântica brasileira, e listada pelo UNESCO como Patrimônio Mundial.

  • A área implementou um plano de desenvolvimento sustentável, no qual muitos agricultores optaram pela agricultura orgânica e exploração agroflorestal, já que eles podem vender as produções deles por 30 por cento a mais.

  • Este sistema cultiva bananas em conjunto com pés de ata e juçaras, uma espécie em vias de extinção, nativa da região.

  • Este é a segunda matéria pertencente a uma longa série anual sobre a exploração agroflorestal, uma solução cada vez mais popular para desafios como a mudança climática, insegurança alimentar e crise da biodiversidade. Os sistemas agroflorestais cobrem um bilhão de hectares de terra ao redor do mundo.

GUAPIRUVU, Brasil – Para chegar em Guapiruvu é preciso andar 20 quilômetros por uma estrada de cascalho. As primeiras moradias são grandes, verdadeiras casas de veraneio para a população rica de Sete Barras. No entanto, ao distanciar-se da cidade, as casas tornam-se menores e espacejadas. De tempos em tempos, pássaros de várias formas e cores cruzam a estrada rapidamente. Do banco do passageiro, Gilberto Ohta dá nome a eles à medida que passam por nós.

É difícil saber se você chegou em Guapiruvu pois não há placas e nem um centro na comunidade. Em alguns lugares, duas ou três casas formam o que os locais chamam de vila, mas na maioria dos casos as casas encontram-se isoladas. Entre elas, plantações de banana se espalham por todas direções. Para se locomover por ali, as pessoas andam de moto (sempre sem capacete e geralmente sem camiseta). Todos que passam por ali lançam olhares curiosos ao espiarem o interior do nosso carro. Ao reconhecerem o Gilberto, eles nos cumprimentam e sorriem.

Gilberto Ohta exibe o sistema agroflorestal de Geraldo, seu vizinho. O solo está sempre coberto para prevenir a perda de água e fornecer matéria orgânica. Imagem por Ignacio Amigo para a Mongabay

Não há muita riqueza em Guapiruvu, mas os agricultores daqui não parecem tão pobres como os de muitos outros lugares do Brasil. Como eu pude descobrir durante a minha estadia, isso se deve há vários motivos. Um sentimento forte de solidariedade, cooperação e conscientização ambiental entre os locais são talvez alguns deles. Neste cenário, não é de surpreender que muitos agricultores estão se tornando agrossilvicultores, um sistema que agrega o cultivo de árvores, arbustos e plantações com o intuito de diversificar a produção ao mesmo tempo em que retêm o dióxido de carbono da atmosfera, fornece um habitat para a fauna e a flora e aumenta a segurança alimentar dos agricultores.

Ao visitar o bairro e alguns dos sistema agroflorestais encontrados por lá, Gilberto me informa sobre a história recente desta terra e como eles conseguiram dividir melhor a riqueza dela entre todos os seus moradores.

O objetivo de Guapiruvu

Guapiruvu é um bairro rural de Sete Barras, uma municipalidade de 13,000 habitantes no Vale do Ribeira, no estado de São Paulo. Ao lado de dois parques estaduais, este bairro se encontra no coração da maior faixa remanescente da Mata Atlântica, um dos biomas mais ricos do mundo, do qual só resta atualmente 15% de sua extensão original.

Nos anos 1980 e começo dos 1990, a agricultura era uma atividade lucrativa em Guapiruvu, pelo menos para os que tinham terra. Gilberto era um dos poucos privilegiados. Seu pai era um homem influente que comprou terras baratas aqui nos anos 1960, e até chegou a ser prefeito de Sete Barras de 1982 a 1992. Na época, Gilberto seguia os passos dele.

“Meu pai explorou muitas pessoas de Guapiruvu. Até eu explorei elas”, admite Gilberto.

Bananas do sistema agroflorestal do Gilberto. Imagem por Ignacio Amigo para a Mongabay

Atualmente, ele é um dos líderes da comunidade, e é difícil de imaginá-lo como um empresário inescrupuloso. De baixa estatura, falador e bronzeado como uma pessoa que fica várias horas ao ar livre, sua energia e entusiasmo são contagiantes ao usar palavras como “solidariedade”, “confiança” e “colaboração”. Segundo seu próprio relato, a transformação pessoal surgiu no final dos anos 1990, na mesma época em que o solo estava empobrecendo e o boom ecônomico da região estava no seu fim. A família dele e de 30 outros de Guapiruvu uniu-se à ONG Vitae Civilis e criou plano de ação local intitulado Agenda 21 uma iniciativa proveniente da Conferência do Rio de 1992 sob a qual programas de desenvolvimento sustentável podem ser realizados a nível global, nacional e local, que delineou um plano de desenvolvimento sustentável da região para os próximos anos.

A criação do plano foi um marco histórico. Uma associação de moradores e uma cooperativa foram criadas, fortalecendo os laços comunitários. Preocupado com os impactos ambientais que as práticas agrícolas estavam causando na terra, Gilberto e outros sete agricultores se tornaram agrossilvicultores. Eles entraram em contato com Ernst Götsch, um agricultor suíço e pesquisador muitas vezes creditado por introduzir a exploração agroflorestal moderna no Brasil. Götsch ensinou a eles os princípios básicos do seu modelo, o qual ele chama de “agricultura sintrópica”, baseada nos princípios de “caminhar junto natureza e não contra ela,” e assim criando condições que imitam os eventos naturais da sucessão ecológica.

Dos oito agricultores iniciais, só sobraram dois: Gilberto e o amigo dele, Geraldo Oliveira. Mas o esforço valeu a pena. Atualmente, 20 anos depois, a terra do Geraldo tem o melhor solo de Guapiruvu: escuro, profundo e cheio de vida. Por baixo da copa das bananeiras e outras plantas, a temperatura fica alguns graus mais baixa do que fora dela. E enquanto ficamos em silêncio, o som da vida silvestre vem à tona. Em menos de um minuto, Gilberto dá nome a sete ou oito espécies de pássaros diferentes através dos cantos e chamados deles.

O solo no sistema agroflorestal de Geraldo é cheio de vida, decompondo matéria orgânica e enriquecendo o solo. Imagem por Ignacio Amigo para a Mongabay

A própria terra do Gilberto também está mais rica atualmente do que há 20 anos atrás. Segundo ele, muitas espécies animais voltaram após ter abandonado a agricultura convencional. Ao andar pelo campo dele, Ignácio aponta para as árvores nativas distintas e explica: “Um pássaro plantou essa,” e outras vezes, “um morcego plantou essa.”

Os exemplos de Gilberto e Geraldo incentivaram outros ao longo dos anos. É o caso do Dito, um agricultor de poucas palavras e olhar melancólico, que começou o próprio sistema agroflorestal dele há três anos atrás. Ele diz que ervas daninhas não crescem mais como antes e que viu seus lucros aumentarem, principalmente por conta do dinheiro que ele economiza com fertilizantes e produtos químicos.

O maior desafio ainda permanece: encontrar canais para as outras colheitas e frutas produzidas pelos sistemas agroflorestais. Por enquanto, todos em Guapiruvu ainda dependem da banana e do coração de palmito pupunha, ou da pupunheira (Bactris gasipaes) para sobreviver. A cooperativa anuncia produtos convencionais e orgânicos separadamente: enquanto que produtores tradicionais conseguem produzir quantidades maiores, produtores orgânicos conseguem vender a produção deles por 30 por cento a mais. Em ambos os casos, os principais compradores são entidades públicas, tal como governos estaduais e municipais, que usam a produção para merendas escolares ou banco de alimentos.

Para Sidenei Carlos França, um engenheiro agrícola que trabalha para o estado de São Paulo, a experiência de Guapiruvu foi muito importante para a região.

“Precisamos gerar um conhecimento local no Brasil”, disse França. “E o Gilberto tem o grande mérito por ter agido como cobaia.”

Ele tem um parecer positivo sobre o trabalho que tem sido feito em Guapiruvu, mas argumenta que os sistemas agroflorestais precisam incluir recursos madeireiros para serem lucrativos a longo prazo. Um defensor fervoroso da agro-ecologia e também um agrossilvicultor, França não tem grandes dúvidas de que este é o caminho a ser seguido.

Gilberto contempla uma juçara (Euterpe edulis), uma árvore em risco de extinção da Mata Atlântica, no sistema agroflorestal dele. Ao lado da juçara tem uma bananeira (Musa sp) e um pé de ata (Annona squamosa). Imagem por Ignacio Amigo para a Mongabay

“Para mim, a exploração agroflorestal é a agricultura dos trópicos,” diz Gilberto. “Monocultura é o modelo europeu. Aqui, se você anda pela floresta, vai ver centenas de espécies por metro quadrado. Temos que imitar a natureza na agricultura.”

Reforma agrária local

Um dos problemas citados no plano da Agenda 21 era que muitos agricultores não possuíam terras cultiváveis. Por muitos anos, os locais ocuparam lotes dentro de uma propriedade extensa em que não se sabia quem era o dono. Após anos de conflito e desocupações, em 2005 chegou-se a um acordo com o INCRA, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, através do qual o governo federal adquiriu a terra e a arrendou eternamente para os 61 agricultores.

Esta mudança foi uma benção para a região. A falta de alternativas econômicas estava forçando as pessoas a adentrarem a Mata e explorarem a juçara (Euterpe edulis) clandestinamente, uma espécie de árvore ameaçada de extinção da Mata Atlântica altamente valorizada pelo palmito. O acordo deu a estes foras-da-lei uma forma legítima de ganhar o sustento deles.

Dada costumava cortar palmito ilegalmente antes de obter um lote de terra no povoado de Guapiruvu. Imagem por Ignacio Amigo para a Mongabay.

Um deles é o Dada, que agora está pensando em dedicar parte da sua terra para a exploração agroflorestal. Natural do Nordeste, Dada se mudou para Guapiruvu junto com o pai dele em 1982, aos nove anos de idade. Por muitos anos trabalhou para os outros e, quando não havia trabalho disponível, explorava juçara clandestinamente, e chegou até a cumprir pena por isso.

Algumas semanas atrás, Dada foi intimado pela polícia ambiental após terem detectado, através de imagens de satélite, que ele tinha derrubado ilegalmente algumas árvores dentro do seu lote. Ele recebeu uma multa e a área ficou sob embargo, não podendo mais usá-la. O objetivo de Dada agora é tentar remediar a situação. Ele quer negociar com as autoridades para reservar esta área para a exploração agroflorestal em troca do fim do embargo. Assim, as árvores que ele derrubou, e que não tirou de lá, poderiam ser aproveitadas, já que a decomposição delas enriqueceria o solo.

A conversão de Dada não ocorreu da noite para o dia, mas agora ele fala em solidariedade, cooperação e de se tornar mais ambientalmente sustentável, pegando emprestado muitas das palavras de Gilberto. Guapiruvu terá de superar muitos desafios nos próximos anos, mas os seus moradores parecem estar no caminho certo. Pois, como Gilberto expôs, “o PIB de Guapiruvu pode até ser menor atualmente do que há alguns anos atrás. Mas a nossa riqueza está mais (igualmente) distribuída.” E a exploração agroflorestal talvez seja parte do motivo.

Esta matéria faz parte de uma longa série anual sobre a exploração agroflorestal mundial, confira a série toda aqui e veja as matérias anteriores relacionadas à exploração agroflorestal aqui (em inglês).

Ignacio Amigo mora em São Paulo, siga-o no Twitter: @IgnacioAmigoH.

Exit mobile version