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Decretos de Temer liberando mineração na Amazônia são ridicularizados por críticos e anulados por juiz

  • No que parecia uma vitória para empresas mineradoras canadenses e brasileiras, o presidente Michel Temer tentou extinguir, em 23 de agosto, uma vasta reserva nacional – a Renca, que abrange 4,6 milhões de hectares – e abriu a região para a mineração.

  • A reserva, que se distribui entre os estados do Pará e do Amapá, contém grandes áreas de terras preservadas e comunidades indígenas. O decreto original de Temer foi recebido com desaprovação generalizada, o que resultou em um segundo decreto de esclarecimento em 28 de agosto.

  • Em 29 de agosto, o juiz federal Rolando Spanholo anulou ambos os decretos, citando a Constituição de 1988, e concluindo que a Renca não pode ser extinta por decreto presidencial, mas apenas por lei aprovada pelo Congresso. A Advocacia-Geral da União disse que vai apelar da decisão.

  • A BBC Brasil afirma que mineradoras canadenses, que provavelmente teriam lucro com a extinção da reserva ambiental, foram notificadas de que a região seria aberta para prospecção em março, cinco meses antes do anúncio do decreto.

A mina de ferro da Serra dos Carajás, no Nordeste. Quando questionado sobre a abertura da Renca à mineração, o coordenador da Câmara de Comércio Brasil Canadá disse à BBC Brasil que “a mineração protege o ambiente” e que acredita ser “muito saudável” abrir a reserva à prospecção mineral. Foto: RikyUnreal via Visualhunt.com / CC BY-NC-SA

O decreto presidencial de Temer extinguindo uma enorme reserva na Amazônia – abrindo quase 4,6 milhões de hectares à mineração – foi recebido com críticas. A indignação geral resultou em um segundo decreto presidencial para esclarecer o primeiro, e, depois, à decisão de uma corte federal revogando ambos os decretos.
O anúncio original de 23 de agosto foi recebido com uma onda de protestos por parte de parlamentares, cientistas, ambientalistas, artistas, cantores e até mesmo da modelo Gisele Bündchen. “Vergonha! Estão leiloando nossa Amazônia! Não podemos destruir nossas áreas protegidas em prol de interesses privados”, escreveu ela no Twitter.

A reserva a ser extinta, conhecida como Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), foi criada em 1984 durante a ditadura militar a fim de gerar riqueza mineral para o país, mas tais planos não foram adiante. O governo Temer afirmou que a reserva seria eliminada para atrair investimentos externos, incrementar as exportações e estimular a economia, que passa por dificuldades.

O segundo decreto de Temer, editado em 28 de agosto em resposta aos protestos, continua apoiando o fim do status de proteção especial da Renca, mas proíbe especificamente a prospecção em terras indígenas, reservas de natureza ou regiões de fronteira, e cria um comitê revisor para garantir tais proteções.

No entanto, no dia seguinte, o juiz federal Rolando Spanholo revogou ambos os decretos. A Agência Brasil relata que a decisão do juiz ocorreu em resposta a uma ação popular encaminhada por Carlos Antonio Fernandes. O processo argumentava que a Renca não pode ser extinta simplesmente com um decreto, mas apenas por meio de lei aprovada pelo Congresso, como estipula a lei ambiental brasileira.

Spanholo citou o artigo 255 da Constituição ao escrever que as áreas protegidas na Amazônia estão sob autoridade do Congresso. Em sua opinião, “nossa Constituição deixa claro que, após outubro de 1988, apenas leis formais podem impor alterações à maneira como os recursos naturais são usados”.

O decreto que abre à mineração 4,6 milhões de hectares na Amazônia foi recebido com inflamados protestos pelo mundo. Foto: Norsk Hydro ASA via Visual Hunt / CC BY-NC-SA

Essa decisão judicial de longo alcance potencial chega em um momento crítico para a questão ambiental no Brasil, já tendo o governo Temer procurado levar a cabo muitas políticas que podem ter grande impacto negativo sobre o ambiente – especialmente na Amazônia – e sobre comunidades indígenas e tradicionais.

A Advocacia-Geral da União disse que vai apelar da decisão de Spanholo.

Cleber Buzatto, Secretário Executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), disse à Mongabay que, com o decreto de 28 de agosto, “o governo fez uma jogada de marketing”. Segundo ele, o Cimi vai continuar a pressionar pela revogação total do primeiro decreto, expectativa que pode ser realizada se a decisão do juiz for mantida. “O novo decreto basicamente não trouxe alterações e continua a permitir a mineração nessa vasta área, com consequências muito sérias para as reservas ecológicas e comunidades indígenas da região”, diz Buzatto.

Mario de Lima Filho, geólogo da Universidade de Pernambuco, disse à Mongabay: “esse novo decreto faz tão pouco sentido quanto o primeiro; a sensação é de que o governo está tentando justificar o injustificável”.

A região da Renca fica entre os estados amazônicos do Pará e do Amapá, e cobre uma área do tamanho da Dinamarca. Diz-se que é rica em ouro, ferro, níquel e manganês, entre outros minerais, mas também inclui nove áreas de conservação e terras indígenas.

A equipe do projeto Map the Environment publicou no Twitter um mapa que mostra as requisições de permissão de mineração, evidenciando a extensão do potencial impacto.

Ainda assim, de acordo com Lima Filho, já está ocorrendo mineração ilegal na região. “O governo reconhece que existe prospecção clandestina na Renca, e esse decreto pretende anistiar essas atividades de exploração”, diz.

Os brasileiros estão compreensivelmente céticos em relação às promessas de Temer de proteger a Amazônia contra a mineração. Basta lembrar a trágica ruptura da barragem da mina de Ferro de Fundão, ocorrida em novembro de 2015. Nesse episódio, 1,6 milhões de pessoas foram afetadas e uma faixa de 800 km do Rio Doce, desde a cidade de Mariana até o Oceano Atlântico, foi contaminada. Foto: Romerito Pontes, de São Carlos, sob licença Creative Commons Attribution 2.0 Generic

O Ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, explicou que o decreto de 28 de agosto tinha o objetivo de esclarecer pontos que haviam gerado protestos contra o decreto inicial que extinguia a Renca.

Ao ser indagado sobre as razões para a edição do segundo decreto, o Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, disse que “havia muita confusão na maneira como a sociedade como um todo entendia o decreto”.

A BBC Brasil publicou em agosto que mineradoras canadenses, potenciais beneficiáras da extinção da reserva, foram discretamente notificadas de que a área seria aberta para prospecção mineral cinco meses antes da publicação do primeiro decreto.

Durante reunião em março passado, Coelho Filho disse à Prospectors and Developers Association of Canada que a região seria aberta para licitação. A BBC também relatou que, pouco depois, o Diário Oficial publicou uma nota que abria caminho para o anúncio do fim de agosto.

Em junho, a Câmara de Comércio Brasil Canadá anunciou uma nova comissão voltada para a mineração no Brasil. Existem hoje cerca de trinta mineradoras canadenses operando no país.

Um onda massiva de lama tóxica custou a vida de dezenove pessoas no desastre da barragem de Fundão. Especialistas dizem que o acidente foi resultado de regulamentação governamental inadequada e falha de gestão da proprietária da barragem, a Samarco, uma joint venture da Vale e da BHP Biliton, duas das maiores mineradoras do mundo. Foto: Romerito Pontes, de São Carlos, sob licença Creative Commons Attribution 2.0 Generic.

O coordenador da comissão disse à BBC Brasil que “a mineração protege o ambiente” e que acredita ser “muito saudável” abrir a Renca à prospecção.

Ambientalistas discordam. O senador Randolfe Rodrigues, da Rede, denunciou o primeiro decreto de Temer para extinguir a Renca como “o maior ataque à Amazônia nos últimos cinquenta anos“, segundo o jornal O Globo. Antes da divulgação da decisão judicial, o senador comentou sobre o segundo decreto, chamando-o de tentativa de “enganar a sociedade brasileira e a comunidade internacional”.

Embora ambos os decretos de Temer afirmem que as reservas indígenas e ambientais serão protegidas, críticos se preocupam com as minas, estradas, linhas de transmissão e outras obras de infraestrutura que compremeteriam substancialmente as florestas da região e teriam forte impacto sobre os povos indígenas.

O Diretor Executivo da WWF Brasil, Maurício Voivodic, disse que a abertura da região à mineração resultaria em “explosão demográfica, desmatamento, destruição de recursos hídricos, perda de biodiversidade e geração de conflitos fundiários”, como ocorreu em outras áreas que foram liberadas para mineração e expansão veloz da infraestrutura.

O novo decreto de 28 de agosto trouxe a criação de um novo órgão regulatório, o Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca, que deveria ser consultado antes da expedição de qualquer permissão para mineração. Mineradoras também precisariam entregar planos demonstrando que seus projetos são financeiramente sustentáveis e incluem medidas de recuperação ambiental para as áreas impactadas, bem como planos para prevenir danos ambientais.

Represamento de resíduos na mina de ouro Morro do Ouro, em Paracatu. A mineração não causa apenas o desmatamento dos arredores imediatos; minas extensas podem contaminar lençois freáticos e, no caso de ruptura ou vazamento de barragens, envenenar cursos d’água. Foto: SkyTruth via VisualHunt.com / CC BY-NC-SA
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