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Mamíferos de grande porte prosperam com regeneração do Cerrado em parque estadual

  • O estudo examinou um parque estadual no Cerrado brasileiro, cujas terras haviam sido utilizadas para plantações de eucalipto, criação de gado e produção de carvão nas últimas décadas.

  • Os pesquisadores instalaram câmeras automáticas, que registraram a presença de 18 espécies de mamíferos de grande porte.

  • Uma análise subsequente revelou que o número de mamíferos de grande porte encontrados na vegetação secundária era similar aos números encontrados nas regiões preservadas do Cerrado.

Um estudo recente mostrou a capacidade de regeneração de parte de uma das paisagens brasileiras mais modificadas após os efeitos da agropecuária e da atividade madeireira.

A pesquisa revela, pela primeira vez, que as áreas do Cerrado em processo de regeneração podem comportar uma quantidade de mamíferos de grande porte praticamente igual à das áreas intocadas. Os resultados, publicados na revista Biotropica, em junho, dão esperança à biodiversidade frente ao número crescente de paisagens alteradas pela ação humana ao redor do mundo.

Anta-brasileira (Tapirus terrestris), um dos mamíferos ameaçados que habitam a vegetação secundária do Cerrado no Parque Estadual Veredas do Peruaçu. (Foto: cortesia de Guilherme Ferreira).

Um extenso trabalho de investigação mostrou que florestas tropicais secundárias – ou seja, florestas que se regeneram após o desmatamento – ainda oferecem um habitat viável para muitos animais, apesar de serem menos robustas que as florestas primárias ou maduras.

Entretanto, o Cerrado continua um mistério, apesar do fato de o bioma cobrir algo em torno de 20 a 25% do Brasil e metade desse número ter sido convertida para a agricultura. Isso representa uma proporção maior que a conversão ocorrida tanto na Amazônia quanto na Mata Atlântica, apontou Guilherme Ferreira, autor da pesquisa.

“Não conhecíamos nada da vegetação secundária do Cerrado”, afirmou Ferreira, ecologista da Sociedade Zoológica de Londres e do Instituto Biotrópicos, em Minas Gerais.

A presença de animais carnívoros, como o puma (Puma concolor), também foi registrada pelas câmeras automáticas. (Foto: cortesia de Guilherme Ferreira).

Uma análise dos dados do sistema de monitoramento florestal online e interativo Global Forest Watch revelou uma perda de cobertura florestal de mais de 17 milhões de hectares entre 2001 e 2015 – cerca de 11% da cobertura florestal do Cerrado -, que corresponde tanto ao desmatamento quanto à extração das plantações de árvores. Segundo um relatório publicado em 2016 pela ONG Aliança pelo Clima e Uso da Terra, o Cerrado é uma engrenagem massiva na máquina da agricultura brasileira, responsável por mais da metade da sua soja, 40% da sua carne bovina e 84% do seu algodão.

Ferreira trabalha há mais de uma década no Parque Estadual Veredas do Peruaçu, onde uma parte foi desmatada para cultivo de eucalipto, criação de gado e produção de carvão até a fundação do parque, no início dos anos 1990. Com base em suas observações, ele suspeitou que o ecossistema havia se regenerado a ponto de comportar um nível de biodiversidade de mamíferos de grande porte similar ao encontrado nas áreas preservadas.

Para testar sua hipótese, instalou, junto a seus colegas, câmeras automáticas em 50 localizações dentro dos 310 km2 do parque por aproximadamente 30 dias durante o período de seca. As imagens e vídeo revelaram 18 espécies diferentes de mamíferos de grande porte, e uma análise das 10 espécies mais vistas apontou uma chance estatisticamente similar de serem encontradas em áreas maduras e secundárias do Cerrado.

A menos para mamíferos de grande porte “Os resultados mostram não haver diferença entre as duas regiões”, pontua Ferreira.

Até mesmo os mamíferos ameaçados foram representados, incluindo a anta-brasileira (Tapirus terrestris), o queixada (Tayassu pecari) e o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), todos listados como vulneráveis pela IUCN.

Contudo, Ferreira alerta que o Parque Estadual Veredas do Peruaçu pode ser um caso único.

“Não quero ser irrealista”, ele diz. “Não quero que as pessoas pensem que podem derrubar tudo e tudo ficará bem.”

A plantação de eucalipto que acabou por se tornar parte do parque somente esteve presente por um período relativamente curto de 15 anos. Além disso, o parque, como uma área protegida, é gerenciado atualmente para proteger a vida dentro de suas fronteiras. Outro fator decisivo é a presença de vegetação primária do Cerrado em seus arredores, fonte dos mamíferos de grande porte lá observados por Ferreira e seus colegas.

Outros usos, como a criação de gado, comum no Cerrado, pode dificultar a fácil recuperação do ecossistema. Ferreira explicou que os fazendeiros usam, com frequência variedades resistentes de gramíneas exóticas para a pastagem, espécies invasivas das quais pode ser difícil se livrar.

Ainda assim, o estudo mostra o potencial de regeneração natural no Cerrado.

“Quando se abandona a pastagem, pode levar algum tempo, mas o Cerrado retornará, mesmo que não seja um Cerrado perfeito e primário”, adicionou. “Se você der a ele tempo suficiente, eu diria que a vida selvagem também voltará.”

Dados do Global Forest Watch relevam que o Cerrado perdeu mais de 17 milhões de hectares de cobertura florestal entre 2001 e 2015, número que inclui a extração de plantações de árvores e o desmatamento. (Fonte: Hansen/UMD/Google/USGS/NASA, acesso pelo Global Forest Watch).
Um mapa do Global Forest Watch e da Transparent World mostra as localizações das plantações de árvores no Cerrado.

Citações

Imagem do banner de um lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) e vídeo do tamanduá-bandeira (Mymercophaga tridactyla) por cortesia de Guilherme Ferreira.

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