A administração Temer e o Congresso, dominado pela militante bancada ruralista, estão encorajando violência, dizem os críticos, enquanto os ataques contra a população sem-terra do movimento da reforma agrária e grupos indígenas, que brigam por direitos de terra assegurados pela Constituição de 1988, alcançam níveis recordes.
Em maio, uma Comissão Parlamentar de Inquérito, dominada pela bancada, recomendou o julgamento de 67 pessoas, muitas delas servindo no governo federal, que a comissão alega terem cometido atos ilegais ao apoiar grupos indígenas e suas reinvindicações de terra.
Também no mês de maio, o Congresso aprovou Medidas Provisórias (ordens administrativas), proferidas por Temer, removendo a proteção de 486.000 hectares da Floresta Nacional do Jamanxim e 101.000 hectares do Parque Nacional do Jamanxim, possivelmente permitindo que ladrões de terra reivindiquem para propriedade privada, pecuária e mineração essas áreas anteriormente protegidas da Amazônia.
A Câmara dos Deputados também aprovou o MP 759, dando direitos de propriedade imobiliária a centenas de milhares de pequenos proprietários de terra que ocupam terrenos ilegalmente no Brasil. Críticos dizem que o MP também é um presente enorme para ricos ladrões de terra. Outro projeto de lei, agora em espera, poderia acabar com as leis de licenciamento ambiental de projetos de infraestrutura e agronegócios.
“Os primeiros cinco meses de 2017 têm sido os mais violentos deste século”, Cândido Neto da Cunha, um especialista em questões agrárias do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em Santarém, no Brasil, contou ao Mongabay. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra da Igreja Católica (CPT), que vem compilando estatísticas de violência rural desde 1985, neste ano já foram assassinadas 36 pessoas em conflitos rurais.
A violência mais recente ocorreu no dia 24 de maio, quando nove homens e uma mulher foram mortos no que parece ter sido um massacre deliberado na propriedade de Santa Lúcia, no distrito rural de Pau D’Arco, localizado a 860 quilômetros ao sul de Belém, a capital do estado do Pará.
Durante muitos anos, famílias sem-terra pressionaram a criação de um acordo de reforma agrária sobre esta propriedade, alegando que o homem que clamava possuir a terra, agora falecido, era um ladrão de terras. Sua viúva concordou em entregar a propriedade mas teve dúvidas quando oficiais do INCRA, que não podem pagar acima do preço do Mercado, se recusaram a pagar o preço que ela havia pedido.
Enquanto isso se passava, as famílias sem-terra ocuparam a área e um guarda, que trabalhava para o rancho, foi morto em 30 de abril. As polícias militar e civil entraram na propriedade para expulsar as famílias e investigar a morte. As famílias alegam que a polícia chegou atirando. Essa versão é negada pela polícia, que afirma que as famílias atiraram primeiro. No entanto, nenhum policial foi morto ou ferido.
Como Cunha apontou, este é apenas o último de uma série de violentos conflitos por terra deste ano. Em 19 de abril, dez camponeses, incluindo crianças, foram torturados e assassinados no distrito rural Colniza no noroeste de Mato Grosso. No dia 30 de abril, um grupo de índios Gamela foram atacados por um grande grupo de homens armados enviados por fazendeiros. Mais de duas dúzias de índios foram feridos, quatro deles hospitalizados em condições críticas. Dois tiveram suas mãos e pernas cortadas nas juntas.
Em 25 de maio, 19 organizações, incluindo o CPT e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), publicaram uma carta na qual eles criticam a sistemática “impunidade das violações de direitos humanos no campo”. Eles continuaram: “O Estado não é apenas cúmplice e ausente…, mas também um agente ativo encorajando a violência, não somente através das políticas e programas realizados pelo Executivo, mas também através da ação do Legislativo que está destruindo os direitos conquistados pelos trabalhadores”.
Onda de violência provocada pela militância da bancada
Cunha ligou o pico de violência ao rápido desmantelamento do governo das leis ambientais, reformas agrárias e proteções indígenas, um processo que ganhou um impulso maior, disse ele, depois que Osmar Serraglio, um conhecido membro da bancada ruralista do agronegócio no Congresso, foi nomeado Ministro da Justiça em fevereiro.
“A violência é uma das maneiras pelas quais o agronegócio e ladrões de terra se livram de ‘obstáculos’ da sua expansão sem fim”, explicou Cunha.
Alguns fins de semanas atrás, Serraglio foi subitamente demitido por Temer sem explicações, embora possivelmente devido ao suposto envolvimento do Ministro da Justiça no escândalo da Carne Fraca. Ele havia recebido grandes doações da JBS, a maior processadora de carne do mundo, uma empresa no centro do escândalo que ameaça derrubar o governo de Temer.
No entanto, a remoção dele, ou mesmo de Temer, aparenta ser improvável de ameaçar o poder da bancada. Mesmo se o presidente cair, um cenário que parece cada vez mais improvável, o lobby do agronegócio permanecerá forte — ou será ainda mais forte. Isso porquê a bancada mantém um firme controle do Congresso, que provavelmente terá grande influência na escolha do sucessor de Temer, possivelmente escolhido nas eleições indiretas no Congresso.
A única maneira de desafiar o poder do lobby do agronegócio é se o Congresso aprovar uma emenda constitucional que ordene eleições imediatas para presidente — uma solução para a crise que muitos movimentos sociais estão exigindo, mas que, até agora, parece improvável de acontecer.
Ataques do agronegócio aos direitos indígenas
No momento, a bancada (cujos membros novamente se recusaram a conceder entrevista ao Mongabay), está avançando com um programa que favorece fortemente o agronegócio e é extremamente hostil aos índios, movimentos ambientais e sociais.
No dia 30 de maio, a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a FUNAI, a agência federal responsável pelas questões indígenas, e o INCRA (o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), aprovou a versão final de seu relatório. A Comissão, cujos membros vieram principalmente da bancada, pediu que 67 pessoas fossem indiciadas por supostas atividades ilegais em apoio ao movimento indígena. Essa lista incluiu o ex-ministro da justiça (José Eduardo Cardozo), antropologistas, funcionários da FUNAI, INCRA e 30 índios.
A lista de nomes será entregue ao Ministério Público e outras autoridades para possíveis processos judiciais. Embora nenhuma outra ação tenha sido tomada contra aqueles na lista, o relatório criou um clima de trepidação, com muitos dos nomeados pela Comissão Parlamentar com medo de possíveis prisões e processos.
O responsável pelo relatório, Nilson Leitão, que de início pediu pelo fechamento da FUNAI, mudou sua posição diante das críticas, com o relatório propondo, ao invés disso, a “reestruturação” da FUNAI.
Ataques da bancada ao meio ambiente
Também em 17 de maio, em meio a uma crise política, o Senado encontrou tempo para aprovar duas medidas provisórias (MP756 and MP758) encaminhadas pela administração Temer para desmembrar o Parque Nacional do Jamanxim e a Floresta Nacional do Jamanxim — duas unidades de conservação ao lado da rodovia BR-163 na Amazônia.
As terras conservadas foram criadas como uma barreira para prevenir que a fronteira agrícola penetre mais profundamente na floresta tropical, e as unidades também agem como um corredor ambiental crítico que conecta as bacias dos rios Xingu e Tapajós. Nos últimos anos, as preservas do Jamanxim protegidas pelo governo federal estiveram sob grande pressão devido à invasão de ladrões de terra, com 68 por cento da derrubada ilegal de florestas em unidades federais de conservação tendo acontecido dentro dessas áreas protegidas.
Durante a fase de comissão, a bancada tentou aumentar as áreas a serem removidas da proteção para 1,2 milhões de hectares mas o protesto de organizações ambientais e alguns parlamentares foi tão alto que o lobby recuou. Mesmo assim, os MPs removerão a proteção de 598.000 hectares, legitimando a tomada ilegal de terras federais por camponeses que podem obter um grande lucro quando venderem a antiga propriedade federal para pecuaristas e outros desenvolvedores.
Nos rascunhos finais do MP drafts aprovado pelo Senado, 486.000 hectares (37 por cento) da Floresta Nacional do Jamanxim e 101.000 hectares (12 por cento) de Parque Nacional do Jamanxim serão convertidos em Áreas de Proteção Ambiental (APAs), um tipo mais fraco de proteção ambiental no qual propriedade privada, mineração e pecuária são permitidos.
Todas as proteções serão removidas de outra área relativamente pequena para abrir espaço para a construção da Ferrovia Ferrogrão, que vai ligar o norte do estado do Mato Grosso ao rio Tapajós, fornecendo um importante corredor de exportação para soja e milho. O governo Temer priorizou a aprovação da ferrovia Ferrogrão no final do ano passado, novamente, fazendo a licitação da bancada que também pressionou na época, em uma tentativa agora abortada de construir vias navegáveis para transportar commodities do agronegócio por toda a Amazônia.
MPs são atos administrativos federais, um mecanismo originalmente projetado para ser usado apenas em emergências. Críticos notam que é difícil argumentar que fornecer terras federais gratuitas a ladrões de terra seja uma “emergência”. É por esta razão que Maurício Guetta, o advogado da ONG ISA (Instituto Socioambiental), chamou a medida de “absolutamente inconstitucional”.
Entretanto, não foi Temer, mas a presidente retirada do cargo Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), que usou o instrumento de política MP irresponsavelmente primeiro, algo muito questionado na época, quando ela reduziu o tamanho das unidades de conservação para abrir espaço para as gigantes hidrelétricas ao longo do rio Tapajós.
Temer agora teve até o final de junho para vetar as duas medidas. Se elas não forem vetadas, as medidas entrarão em vigor. O ministro do meio ambiente José Sarney Filho pediu a Temer que use seu poder de veto, dizendo que as medidas “representam uma inversão dos esforços do governo brasileiro para cumprir os compromissos feitos no Acordo de Paris para combater o aquecimento global”.
A bancada está usando ainda outros mecanismos parlamentares para impulsionar suas vontades. Foi revelado algumas semanas atrás pelo jornal Estado de S. Paulo que a bancada incluiu a “jabuti” em um MP. Jabuti é o apelido de uma emenda oportunamente inserida na legislação de uma questão muito diferente para que ela seja aprovada mais rápido.
Neste caso, a jabuti foi inserida no MP 752/15, uma medida relacionada a concessões privadas nos setores ferroviários e aeroportuários que já foi aprovada. A intenção da jabuti é isentar os bancos de crimes ambientais a menos que se possa provar que eles causaram diretamente o dano. Se aprovada, o IBAMA, por exemplo, não poderá cobrar a multa de R$47,5 milhões que impôs ao banco Santander por financiar o plantio de soja e milho em áreas ambientalmente protegidas no estado do Mato Grosso em 2015, onde tal atividade é banida. O IBAMA está mobilizando uma tentativa de última hora de persuadir Temer a vetar a jabuti.
Legitimando o roubo de terra
No dia 24 de maio, o dia em que movimentos sociais geraram uma grande manifestação anti-Temer em Brasília, a Câmara dos Deputados apressou outra medida provisória – MP 759. Essa medida alterará profundamente a situação imobiliária no Brasil, dando direitos de propriedade a centenas de milhares de pessoas que tem ocupado terra ilegalmente. Romero Jucá, o relator da medida, disse que isso seria um grande impulse para a economia, permitindo que proprietários de milhares de pequenos comércios legalizassem seus negócios.
Embora existisse uma ação governamental na questão, Edmilson Rodrigues, um deputado federal de esquerda, criticou muito a maneira pela qual uma mudança importante foi apressada como medida provisória “sem consulta pública com as populações afetadas, sem dar ouvidos aos movimentos sociais”. Ele disse que, em prática, o governo estava entregando “nada menos que 88 milhões de hectares ao pernicioso mercado imobiliário”. Ele adicionou: “isto irá pôr um fim à reforma agrária e legitimar o roubo de terra”.
Mas outra mudança monumental está em andamento.
Um projeto de lei para facilitar a obtenção de licença ambiental para um projeto econômico, que já havia sido fortemente criticado por ambientalistas, sofreu uma nova mudança quando o membro da bancada Mauro Pereira, o relator do projeto de lei, apresentou um novo rascunho para a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara no final de abril.
Segundo a nova versão, quase tudo — de mineração em unidades de conservação a pavimentação de estradas na Amazônia e extensão do agronegócio a novas áreas — não exigirá mais uma licença. Grandes projetos, como a represa hidrelétrica Belo Monte, que ainda precisam ser licenciados, terão apenas que cumprir uma série de condições ambientais a fim de obter uma licença.
Com poucas exceções notáveis, como o serviço da BBC no Brasil, a mídia no Brasil e no exterior está ignorando essa mudança extremamente importante. Com um novo escândalo em erupção quase todos os dias e 90 políticos, incluindo Temer, acusados de corrupção, a mídia está preocupada apenas com os últimos acontecimentos do drama político. Isso fornece uma conveniente cortina atrás da qual a bancada pode avançar com toda força.
A votação do projeto de lei de licenciamento ambiental na Comissão (cinco de seus membros estão na lista de políticos subornados pela Odebrecht) tinha sido marcada para o dia 3 de maio, mas foi cancelada no último momento graças à pressão do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério Público Federal, um ramo independente do governo. Mas outra data pode ser marcada para aprovar a medida a qualquer momento.
Muita coisa, muito rápido
Ambientalistas e especialistas na reforma agrária questionam se o governo provisório de Temer, que tem apenas 7 por cento do apoio popular, deve estar por trás de reformas estruturais tão radicais e significativas que claramente impactarão o meio ambiente, grupos indígenas e posse de terra nos próximos anos.
Cunha contou ao Mongabay: “Estamos muito preocupados. Não estamos mais em uma situação em que os direitos não estão sendo respeitados, como aconteceu no governo da Dilma. O que nós estamos vivendo hoje é a reversão de direitos e vitórias sociais. O pouco que alcançamos está sendo derrubado”.