A Medida Provisória 759, agora convertida no Projeto de Lei de Conversão 12/16, altera significativamente o programa Terra Legal, originalmente implementado em 2009. O Presidente Michel Temer tem até 22 de junho para aprovar o projeto de lei ou vetá-lo.
O programa original permitia que pequenos produtores obtivessem o título de propriedade de suas terras. A nova versão apresenta diversas brechas para permitir que grandes e abastados proprietários de terras participem do programa, ameaçando pequenos proprietários e o meio ambiente, especialmente a Amazônia.
Analistas dizem que a nova lei, se aprovada, permitirá que outros 20 milhões de hectares do bioma da Amazônia e 40 milhões de hectares do Cerrado sejam legalmente desmatados.
O projeto de lei amplia o limite da área que pode ser reivindicada por meio do programa Terra Legal, põe fim à norma que permitia a agricultores familiares atrasar o pagamento dos terrenos até que a terra recebesse infraestrutura adequada, permite que um único fazendeiro adquira diversos terrenos e acaba com a norma que permitia aos pequenos produtores pagar muito menos por suas terras do que grandes fazendeiros.
A agitação política continua em Brasília, com o Presidente Michel Temer, que sobreviveu a uma tentativa de impeachment em maio, tendo agora que se defender das acusações feitas pelos donos da JBS, a maior empresa de processamento de carne do mundo, de que ele aprovou pagamentos ilícitos para um importante político.
Em meio ao tumulto, o Congresso aprovou com extrema rapidez um projeto de lei que altera o programa do governo destinado a beneficiar trabalhadores sem terra para beneficiar poderosos grileiros que querem se apossar de grandes áreas rurais no Brasil, especialmente na Amazônia.
A Medida Provisória 759, agora convertida em Projeto de Lei de Conversão 12/16, altera significativamente o programa Terra Legal, implementado em 2009 pelo Presidente Lula. O Presidente Michel Temer tem até 22 de junho para aprovar ou vetar a nova lei total ou parcialmente.
O programa Terra Legal, originalmente anunciado como meio de permitir que agricultores familiares obtenham o título de propriedade de suas terras, já havia sido criticado por estar sendo amplamente utilizado por poderosos grileiros para obter os direitos legais sobre as terras públicas das quais se apossaram.
Críticos temem que a nova lei, se aprovada na semana que vem, tornará a situação ainda pior, com impactos calamitosos sobre a população rural pobre e o meio ambiente.
As alterações feitas pelo Congresso, algumas introduzidas tardiamente pelo relator do projeto de lei, Senador Romero Jucá, incluem ampliar o tamanho máximo de cada ocupação de terra irregular que pode ser regularizada de 1.500 para 2.500 hectares. Essa ampliação torna mais fácil o acesso a terras em assentamentos agrários por grandes fazendeiros e pelo agronegócio.
Gerson Teixeira, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA) e um dos maiores especialistas em desenvolvimento agrícola do Brasil, disse que, ao sancionar a lei, o Presidente Michel Temer, “numa só canetada”, estaria “se livrando dos assentados e das terras públicas da União”.
Marco Antônio Delfino, Procurador da República no estado do Mato Grosso do Sul, e Juliana de Paula Batista, advogada da ONG Instituto Socioambiental (ISA), disseram em um artigo conjunto que as mudanças na lei transformaram o programa de regularização fundiária em um programa de desregulamentação fundiária.
Nem todos concordam com essa análise. O deputado federal Izalci Lucas, que teve um papel de destaque na aprovação do projeto de lei no Congresso, disse que o Brasil tem agora “uma lei completa, definitiva e amplamente discutida com a sociedade”. O deputado se referia principalmente ao impacto da medida nas cidades brasileiras, onde moradores das favelas, bem como empresas imobiliárias, se beneficiarão em certa medida com os títulos de propriedade.
Outras pessoas que apoiam a lei estavam cientes do impacto no campo, e um grupo de grandes latifundiários foi até Brasília para pressionar o Senado a aprová-la. O senador Hélio José, líder da bancada ruralista no Congresso, disse que a nova lei significaria “o fim do desmatamento”, acrescentando ainda que “Vamos fazer um grande Pacto pela Paz”.
Apesar da afirmação do senador, estudos mostram que as áreas onde houve maior atuação do programa Terra Legal registraram os mais altos índices de desmatamento, aumentando os temores de que uma extensão do programa acelerará o corte de florestas. Analistas dizem que o programa permitirá que outros 20 milhões de hectares do bioma da Amazônia e 40 milhões de hectares do Cerrado sejam legalmente desmatados.
Há também temores de que a nova lei causará impactos negativos nos assentamentos agrários, muitos dos quais foram estabelecidos devido à pressão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Gerson Teixeira disse que a nova lei, se aprovada, excluirá a disposição que permitia a agricultores familiares atrasar o pagamento de suas terras até que elas recebessem infraestrutura adequada. “A maior parte dos assentamentos tem condições precárias”, disse Gerson. “Não tem crédito, não tem infraestrutura. Tem assentamento de 20 anos que não tem nenhum poço de água.”
Se as famílias tiverem que começar a pagar por suas terras imediatamente, muitas não terão opção a não ser vendê-las, uma vez que, sem crédito rural e rodovias adequadas, elas não podem produzir. Gerson acrescenta: “Os grandes proprietários de terras querem os 80 milhões de hectares da reforma agrária. Antecipar a emancipação dos assentamentos gera o que o agronegócio quer — terras à venda”.
Dentre outras mudanças, a nova lei permitirá a um único fazendeiro adquirir vários terrenos, o que é atualmente proibido. Consequentemente, a propriedade das terras ficaria mais concentrada e as famílias que perderem suas terras muito provavelmente serão forçadas a ir para terras atualmente não ocupadas da floresta e a desmatá-las, aumentando assim o ciclo do desmatamento.
A nova lei também abolirá a norma pela qual o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) permite a famílias assentadas pagar muito menos por suas terras do que grandes fazendeiros. Todas agora pagarão um preço mais baixo, o que beneficia enormemente os grandes latifundiários. Marco Antônio Delfino e Juliana de Paula Batista dão um exemplo: “Uma nova ocupação irregular, de até 2.500 hectares, em Brasnorte (MT), terá o valor reduzido de R$ 10.800,00 para R$ 1.100,00, por hectare”.
De acordo com o MST, a nova lei gerará “um ambiente progressivo de convulsão social no campo”.
Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, comentou: “Em meio aos protestos foi aprovada a MP 759 que, entre inúmeras inconstitucionalidades, transfere para domínio privado um estoque enorme de terras públicas. Com isso, várias políticas que demandam a garantia de terras para povos, meio ambiente e unidades de conservação vão ficar complemente comprometidas. Temos que nos preparar para um cenário no campo onde, por falência das políticas de estado, a violência deve crescer exponencialmente”.