A Mighty Earth analisou imagens de satélite atualizadas de 28 locais no Cerrado brasileiro, bem como no Gran Chaco e na Amazônia boliviana.
A ONG encontrou provas de que 60 km2 de terras foram desmatados para a produção de soja desde a investigação realizada por ela em setembro de 2016.
Bunge e Cargill, as duas empresas que se destacam no relatório mais recente da Mighty Earth, alegam que estão trabalhando para erradicar o desmatamento de suas cadeias de suprimento.
Empresas continuam obtendo soja a partir do desmatamento de florestas e savanas pouco conhecidas no Brasil e na Bolívia, de acordo com um novo relatório, apesar dos pedidos para que mudem o seu foco para terras degradadas ou desmatadas.
“É completamente desnecessário suprimir novas áreas de vegetação nativa para aumentar a produção de soja”, diz Anahita Yousefi, diretora de campanha da Mighty Earth sediada em Washington, D.C. “Ficamos bastante surpresos em ver que [essas empresas] não têm levado isso mais a sério.”
No dia 18 de maio, o grupo de vigilância divulgou imagens de satélite de 28 locais na Amazônia boliviana e nas matas secas e savanas do Cerrado no Brasil e do Gran Chaco, na Bolívia. O desmatamento registrado pelo grupo mostra que aproximadamente 60 km2 – uma área maior do que 5.000 campos de futebol – foram desmatados para abrir caminho para a plantação de soja desde setembro de 2016. A Mighty Earth informou que essas fazendas vendem seus grãos de soja principalmente para a Bunge e para a Cargill, duas grandes empresas internacionais com sede nos Estados Unidos.
“Essas são as empresas que declararam publicamente que querem eliminar o desmatamento de suas cadeias de suprimento”, disse Anahita em uma entrevista.
Em fevereiro, a Mighty Earth atribuiu o desmatamento e a supressão de áreas no Cerrado de aproximadamente 700.000 hectares entre 2011 e 2015 à Bunge e à Cargill. Grande parte dessa soja acaba servindo para alimentar o gado do qual é produzida a carne vendida para redes de fast-food, como o Burger King.
A Bunge respondeu na época que a Mighty Earth fez uma associação “enganosa” entre os números totais de desmatamento no Cerrado e a presença da empresa na área. A empresa também alegou que a Bunge sozinha não conseguiria resolver o problema.
Anahita disse que a Mighty Earth apresentou suas descobertas às empresas, mas não viu a interrupção imediata do desmatamento que esperava.
“Eles realmente não estão convencidos de que precisam tomar outras medidas para tentar resolver esse problema”, diz ela.
Em resposta aos pedidos para comentar as últimas descobertas, ambas as empresas ressaltaram seus compromissos de eliminar o desmatamento de suas cadeias de suprimento e disseram que têm planos em vigor para cumprir esse objetivo.
“Estamos expandindo a rastreabilidade do nosso abastecimento, colaborando para criar novos sistemas que identifiquem áreas para o desenvolvimento de uma expansão agrícola adequada e explorando novas maneiras de proporcionar novos incentivos para que os agricultores evitem o desmatamento”, disse Stewart Lindsay, vice-presidente de assuntos corporativos da Bunge, por e-mail.
A Cargill também citou o seu envolvimento para tentar resolver a questão do desmatamento. “Temos uma trajetória comprovada de proteção a florestas e temos orgulho do nosso progresso”, disse Chris Schraeder, porta-voz da empresa, por e-mail. “Porém, sabemos que temos mais trabalho a fazer pela frente.”
O desmatamento continua
Na região central do Brasil, a equipe da Mighty Earth descobriu que estradas foram construídas em três plantações de soja no Cerrado brasileiro entre dezembro de 2016 e janeiro de 2017. Anahita disse que a construção de novas estradas é um forte indício de que logo as equipes irão desmatar as terras adjacentes. Essas fazendas abastecem tanto a Bunge quanto a Cargill.
A Mighty Earth afirma que as evidências de construção de estradas e outras preparações para agricultura provavelmente significarão o desmatamento de mais 120 km2 das terras em questão.
As imagens de satélite da extremidade do Gran Chaco na Bolívia revelaram 10 km2 de desmatamento para o plantio de soja em um local conhecido como Menonitas 1 no início de dezembro. A Mighty Earth disse que a Cargill confirmou que compra soja cultivada nessas terras.
Na fazenda Papagayo Agropecuaria Celestina, na Amazônia boliviana, 4,7 km2 foram desmatados para o plantio de soja e criação de gado desde setembro de 2016. Os trabalhadores da fazenda disseram que a Cargill é um de seus clientes, mas a empresa negou quando a Mighty Earth apresentou a alegação.
Anahita disse que os índices de transformação agrícola em locais como o Gran Chaco, o Cerrado e a Amazônia localizada fora do Brasil muitas vezes escapam à atenção internacional.
“Essas não são áreas onde tem havido bastante escrutínio público a respeito dessas operações”, disse ela, acrescentando que os esforços para proteger mais o bioma da Amazônia deveriam ser maiores. “Este é o mesmo ecossistema. É tão valioso quanto a parte da Amazônia que está dentro das fronteiras brasileiras.”
Chris Schraeder, da Cargill, ressaltou que sua empregadora assinou a Moratória da Soja em 2006. O acordo estipula que empresas não devem comprar grãos de fornecedores que tiverem desmatado suas terras após julho de 2006.
Chris disse que o acordo é parte do motivo pelo qual os índices de desmatamento na Amazônia brasileira diminuíram drasticamente em 80% desde 2004. A empresa está atualmente envidando esforços para “investir na proteção” do Cerrado brasileiro, com base nas colaborações entre o setor, ONGs e o governo que culminaram na moratória brasileira da soja.
Anahita disse que uma ação em todo o setor é exatamente o que precisa acontecer e que usar os casos de sucesso no Brasil como modelo proporciona a empresas como a Bunge e a Cargill as “ferramentas necessárias para que elas atinjam suas metas”.
“Se olharmos para o modo como a moratória brasileira da soja conseguiu deter [o desmatamento] de maneira relativamente rápida”, acrescenta ela, “este é realmente um caso sem precedentes”.
CITAÇÕES
- Gibbs, H. K., Rausch, L., Munger, J., Schelly, I., Morton, D. C., Noojipady, P., … & Walker, N. F. (2015). Brazil’s soy moratorium. Science, 347(6220), 377-378.
Banner image: Imagem do banner: Trator ara uma faixa remanescente de floresta na Bolívia. Foto de Jim Wickens / Ecostorm para a Mighty Earth