Rede de rádio amazónica une oposição regional às barragens da bacia do Tapajós.
A Rede de Notícias da Amazónia tem estado em operação há quase uma década, com a missão de fornecer notícias e informações para unir as pessoas que vivem em toda a região amazónica do Brasil.
A rede está envolvida especialmente em fornecer notícias sobre os enormes projetos de infraestrutura planeados para a Amazónia, incluindo as mais de 40 barragens previstas para a bacia do rio Tapajós.
No final de Agosto de 2016, o fundador desta rádio, o padre Edilberto Sena, e a produtora executiva Joelma Viana, ajudaram a organizar uma caravana ambiental e social que viajou de Santarém para Itaituba, no estado do Pará, no coração da Amazónia. Em Itaituba, reuniram-se cerca de mil ativistas e cidadãos preocupados para uma cúpula para desenvolver estratégias económicas sustentáveis para a região de Tapajós.
“As pessoas precisam de trazer copos, pratos, etc, mas nem todos os que vêm têm acesso ao Facebook. E ninguém diz isso na rádio! Portanto, precisamos informar toda a gente, antecipadamente”, disse Joelma Viana, explicando o problema ao padre Edilberto Sena. Os dois estavam sentados no escritório da Rede de Notícias da Amazónia, um quarto com paredes cobertas de espuma isolante de som, para que o espaço possa servir como estúdio de produção de rádio.
Viana e Pe. Sena estavam urgentemente conferindo os detalhes de última hora para uma caravana que partiria no dia seguinte de Santarém para uma cúpula ambiental e social em Itaituba, no estado do Pará, no coração da Amazónia. Mais de 500 participantes estavam inscritos para fazer a viagem de mais de 250 quilómetros, incluindo pernoite de barco pelo rio Tapajós no final de Agosto, e ambos estavam preocupados com o fato de que os utensílios de plástico seriam caros e ambientalmente inadequados.
Em menos de uma hora, o Padre Sena estava no ar, dizendo aos ouvintes para se certificarem de trazer a sua própria colher, prato ou cuia para a viagem, uma cuia sendo uma tigela fina de madeira esculpida tradicional nesta região amazónica. “Traga as suas próprias coisas, como você faria com a sua escova de dentes ou cuecas!”, disse o Padre Sena à sua audiência.
O Padre tem dedicado há muito tempo o seu humor gentil, e energia juvenil, envolvendo-se em assuntos comunitários em torno de Santarém, onde serve a diocese católica local. Foi esta diocese que primeiro criou a Rádio Rural em 1964, e da qual se baseia a Rede de Notícias da Amazónia.
No início dos anos 2000, o Padre Sena começou a criar uma rede de notícias de rádio baseada e focada na região amazónica e questões importantes para o seu povo. O projeto começou com oito estações de rádio e agora inclui 13, espalhadas por sete estados, com uma audiência potencial de 30 milhões de pessoas. O Padre Sena dirigiu a Rede por mais de uma década desde o virar do milénio.
“Nós não usamos notícias dos outros!”, declarou orgulhosamente. “Nós [produzimos] a notícia de raíz, a partir do [nosso] quartel-general, e enviamos [de volta] para que toda a Amazónia possa ouvir [as notícias]; para que, por exemplo, as pessoas em Cruzeiro do Sul, perto do Perú, possam ouvir o que está acontecendo no Maranhão “.
O Pe. Sena, nos últimos tempos, retirou-se do seu papel de liderança da Rede, e Viana agora lida com a produção diária dos noticiários. Ela também coordena as contribuições das várias estações participantes e repórteres. “Produzimos meia hora de notícias todos os dias juntamente com os nossos parceiros, e a notícia tem como objetivo valorizar a cultura, as pessoas, toda a região amazónica”, disse ela.
A Rede de Notícias da Amazónia ganhou o apoio inicial de uma organização católica na Alemanha, e mais tarde da DW Akademie (uma ONG afiliada à emissora pública alemã que se concentra no desenvolvimento de media internacional). DW ajudou a equipa da Rede de Notícias da Amazónia a aprender como produzir notícias ambientais.
Apesar dos múltiplos desafios financeiros e tecnológicos, o programa da Rede continua. “Houve dias em que não fomos capazes de transmitir”, disse Viana. “Trabalhamos com [a] internet, e há dias em que [a] Internet não funciona [localmente]. Por isso, há dias em que não podemos enviar, não podemos receber e, portanto, não temos programa. “Mas ela observou que estes apagões são uma indicação do apoio do programa – a audiência tenta saber porque é que a transmissão diária não aconteceu.
A Rede também lida com desafios políticos. O Brasil foi classificado como o pior país do mundo, em 2015, em número de ativistas ambientais mortos. Jornalistas afiliados à Rede de Notícias Amazônica sofreram intimidação e temores de violência, revelou Viana. “Tivemos um repórter no estado do Maranhão que produziu uma história sobre trabalho escravo numa fazenda pertencente a um empresário da área. Depois, [estranhos] começaram a telefonar, a deixar mensagens [ameaçadoras], a passar pelo escritório onde ela trabalhava. “Viana encorajou o repórter a ter cuidado”, porque a região do Maranhão é uma região onde não há muita segurança para pessoas que trabalham na defesa de direitos humanos “. Como resultado desta situação e outros, a Rede adotou medidas de segurança para proteger seus repórteres.
No final de Agosto, Viana e o Padre Sena juntaram-se aos mais de 500 ativistas que navegavam rio acima para Itaituba para o encontro de três dias. O objetivo da reunião foi criar uma visão abrangente para o desenvolvimento sustentável na região do Tapajós, na Amazónia. Outros juntaram-se, já na cidade, vindos de toda a bacia do rio Tapajós, elevando a assistência para mais de mil ativistas e partes interessadas.
Durante o longo fim de semana, Viana produziu relatórios regulares para a Rede de Notícias da Amazónia e um jornalista de uma filial local transmitiu atualizações.
A afluência quase duplicou em relação à primeira caravana ativista em 2009 em Itaituba; Apenas 600 pessoas participaram nessa sessão. A caravana / reunião de 2009 produziu uma carta ao governo brasileiro e à Organização dos Estados Americanos, denunciando planos para a barragem de São Luíz de Tapajós.
A cúpula ambiental e social deste ano ocorreu poucas semanas depois da agência ambiental brasileira IBAMA ter arquivado o pedido de licenciamento de São Luiz de Tapajós, ‘matando’ a barragem, pelo menos por enquanto. A mega-barragem teria produzido 8.000 megawatts de energia. Os oponentes argumentaram, com sucesso, que as áreas indígenas reivindicadas pela tribo Munduruku, e protegidas pela Constituição do Brasil, teriam sido inundadas e que a barragem teria criado outros graves impactos ambientais e sociais. As comunidades ribeirinhas tradicionais também teriam sido afetadas por inundações, mortes de peixes e mudanças no fluxo do rio.
Enquanto a maioria dos participantes da reunião veio de fora de Itaituba, o Padre Sena enfatizou a importância de criar conexões com os moradores locais. Itaituba, cidade e município de cerca de 100.000 habitantes, fica na margem ocidental do rio Tapajós e tornou-se importante na década de 1980 como centro comercial de uma corrida aurífera regional.
Itaituba ainda conta com o comércio de ouro na sua economia – os negócios relacionados ao ouro avivam a cidade, e um quarteirão no centro da cidade conta com meia dúzia de lojas para vender e comprar ouro, além de um escritório de registro para pequenos mineradores. Contudo, dado que a produção de soja tem vindo a adquirir maior importância na região, Itaituba está a desenvolver um novo papel económico como porto e área de preparo para o transporte de soja.
De fato, se muitos no governo federal e no agronegócio brasileiro conseguirem o que pretendem, são as áreas de produção de soja em expansão no estado de Mato Grosso ao sudoeste que impulsionarão o crescimento futuro de Itaituba – assim como seus problemas ambientais e sociais.
Uma rede de mais de 40 barragens está planeada pelo governo para a bacia do Tapajós, junto com novas estradas e uma ferrovia. O objetivo é transformar o rio Tapajós e seus afluentes num canal industrial para transportar para a costa a soja e outros bens, tornando mais fácil a exportação para a China e outros mercados estrangeiros. O plano tem preocupado muitos ativistas e pessoas da região devido ao intenso desenvolvimento e desflorestação que tal projeto traria.
“Agora decidimos que temos que dar um passo à frente”, explicou o Padre Sena. “A cidade de Itaituba tem 100.000 pessoas, e uma grande parte do povo não é de Itaituba. Eles são do Nordeste por causa do ouro. [Outros] vieram do Sul por causa do agronegócio. Muitas pessoas em Itaituba não têm a sensação de serem locais”. Ele argumenta que Itaituba está prestes a enfrentar problemas semelhantes à cidade de Altamira, que a partir de 2011 se tornou no local de montagem para a construção da controversa mega-barragem de Belo Monte no rio Xingu.
Entre 2011 e 2014, os homicídios aumentaram 79 % em Altamira e os acidentes de trânsito aumentaram 144 %, enquanto que entre 2010 e 2012, a subnutrição de crianças indígenas subiu 127 %, de acordo com a BBC. O Movimento de Pessoas Afetadas pelas Barragens estima que 40.000 pessoas foram deslocadas pela barragem de Belo Monte, embora não haja um número oficial para o número de pessoas realojadas em novos bairros urbanos, ao redor de Altamira, para absorver essa população.
Muitos moradores de Altamira afirmam que não foram devidamente compensados pelas empresas contratadas para construir Belo Monte, conforme exigido por um acordo com o governo brasileiro. A cidade, cuja população explodiu durante os anos em que a barragem foi construída, ainda carece de infraestruturas públicas adequadas de água e saneamento – também prometidas pelos construtores da barragem – e agora enfrenta uma potencial crise de saúde. A licença de operação da barragem foi suspensa este mês como resultado dos problemas de água / esgoto.
“O que eles estão a planear fazer no Tapajós será semelhante ou [pior] do que o que eles fizeram no Xingu. E Altamira é agora o espelho de Itaituba” – advertiu o Padre Sena.
António Santana Chaves trabalha em Itaituba numa das filiais da Rede de Notícias da Amazónia. Ele atribui à rede o ajudar das pessoas a alcançar um novo sentido de unidade regional: “As pessoas acabam mais comprometidas com o trabalho. Quando transmitimos, as pessoas sentem-se muito mais membros da comunidade; elas sentem maior pertença. As pessoas sentem-se mais conectadas porque fazem parte disto”.
No final do evento, cada um dos 10 grupos de trabalho reuniu-se e apresentou as suas conclusões, oferecendo prioridades de ação. Os participantes da conferência de Itaituba uniram-se para pedir o restabelecimento do Ministério Federal do Desenvolvimento Agrícola (criado em 1999 para supervisionar a reforma agrária no Brasil e promover práticas sustentáveis, mas recentemente abolido, sob o novo governo de Temer). Eles também pediram ao governo que preste assistência técnica e apoio à agricultura agroecológica. Os participantes propuseram a criação de uma rede de apoio ativista regional para a partilha de informações e conhecimento; apoiou planos de eventos culturais para ajudar a disseminar a consciência das tradições da região; e o estabelecimento de medidas de segurança para proteger os líderes indígenas. Eles também apoiaram uma proposta de aquisição de equipamentos para comunicação em massa, bem como um esforço para localizar espaços públicos para debater com aqueles que apoiam a construção da barragem de Tapajós.
Viana participou no grupo de trabalho de comunicação durante a reunião de Itaituba. Depois, ela explicou, que partilhar ferramentas e estratégias disponíveis é especialmente valioso para os ativistas da Amazónia: “Durante o encontro partilhámos a experiência de outros grupos, como o grupo indígena Raposa / Serra do Sol. Eles usaram vídeos para contrapor as notícias [e desinformação] divulgadas pelos meios de comunicação, [que] disse que os povos indígenas tinham muita terra e não precisavam de mais. [Assim,] a comunidade criou esses vídeos para mostrar que isso não era verdade. ”
Viana está otimista de que a reunião deste ano permitirá à Rede Amazônica de Notícias expandir as suas parcerias: “Qual é o objetivo da Rede?”, perguntou. “É trabalhar com grupos para disseminar lutas sociais. Assim, começando com esta experiência, temos mais grupos que vão apoiar o nosso trabalho. E nós partilharemos as suas lutas para que eles não estejam isolados, e [para que] o mundo também ouça sobre essas lutas”.
Para mais informações sobre esta história, ouça uma peça de rádio produzida por uma contribuinte de Mongabay, Zoe Sullivan, para a Deutsche Welle.