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Novo relatório: o Cerrado brasileiro pode escapar da conversão para atividades agrícolas

  • O Cerrado, que abriga quase metade da agricultura brasileira, está na mira dos líderes do país, que buscam uma forma de acelerar o desenvolvimento econômico.

  • O Cerrado também abriga comunidades indígenas e sociedades tradicionais, como os quilombolas, descendentes de africanos escravizados que formaram comunidades de refugiados.

  • O relatório argumenta a favor de um processo mais inclusivo que preserve as práticas tradicionais de agricultura, intensifique a agricultura de larga escala e proteja as águas, os hábitats e a biodiversidade do Cerrado.

O vasto bioma de savana tropical conhecido como Cerrado enfrenta um futuro incerto, já que uma trajetória de décadas rumo a mais agricultura avança. Entretanto, um relatório recente afirma que, com essa estratégia, os recursos naturais da região podem ser protegidos mesmo ao lado da atividade econômica mais importante da região.

Ofuscada pela fama de sua vizinha Amazônia, a savana arborizada, ou Campo Cerrado, comporta um número menor de espécies animais e vegetais, mas possui uma saudável abundância de águas – uma razão pela qual abriga 44% da agricultura do Brasil, incluindo a maior parte da produção de algodão e soja, assim como 40% de sua produção de gado, de acordo com relatório publicado pela ONG Aliança pelo Clima e Uso da Terra. Tamanha pressão, que ocorre desde os anos 70, já desmatou metade do Cerrado.

No entanto, a savana brasileira tem seus próprios encantos, de acordo com Arnaldo Carneiro, da empresa de análises de agronegócios AGRIONE. “O Cerrado é um ambiente único no contexto da América do Sul devido ao seu efeito ‘tanque de água’ (já que abriga grandes reservatórios de água), biodiversidade e diversidade social”, escreveu em uma análise do relatório. Ele não estava envolvido na pesquisa.

The Cerrado biome in Brazil. Map courtesy of the Climate and Land Use Alliance/CEA Consulting
Legenda: Cerrado, Matopiba, Amazônia Legal, Cidades, Estradas, Áreas urbanas, Estados.
O bioma Cerrado no Brasil. Mapa cedido como cortesia pela Aliança pelo Clima e Uso da Terra/CEA Consulting.

Ao invés de enxergar nos remanescentes do bioma apenas áreas a serem convertidas em fazendas e pastos, os autores do relatório, da empresa California Environmental Associates, argumentam a favor de sua preservação, especialmente suas porções intocadas. Entretanto, o Ministério da Agricultura parece ter planos diferentes.

“Hoje, Matopiba – a porção nordeste do Cerrado, onde se encontra a maior parte de hábitats intocados do bioma – é uma das principais fronteiras agrícolas no Brasil”, escrevem os autores. Eles expressam preocupação com relação ao surto de produção de alimentos que os líderes do país esperam incentivar por meio do Plano de Desenvolvimento da Agricultura de Matopiba.

O plano vem sendo “duramente criticado por organizações da sociedade civil por estar sendo formulado com pouca consultoria e limitada transparência e por não incluir representações sociais e ambientais em seu órgão regulador”, escrevem.

Como em muitos lugares remotos do mundo, a propriedade de terras no Cerrado nem sempre segue linhas legais estritamente definidas, ainda que comunidades possam ter laços com uma porção específica de terra que remontam a gerações passadas. O modelo de plantio em mosaico, com plantio e colheita realizados de forma rotativa, praticado por essas comunidades permitiu que o bioma do Cerrado continuasse a abrigar a vida, assim como a manter suas importantes contribuições a outros lugares, como a Amazônia.

A recently cleared patch of the Cerrado in Brazil. The Cerrado is home to 44 percent of the country's agriculture. Photo by Rhett A. Butler
Área recentemente aberta no Cerrado do Brasil. O Cerrado abriga 44% da agricultura do país. Foto de Rhett A. Butler

Os autores do relatório argumentam a favor de uma mudança nos planos de desenvolvimento do governo para um plano que inclua a perspectiva das comunidades locais. Eles defendem o investimento em estratégias de pagamento por serviços ambientais que visam a monetizar as contribuições do Cerrado para a energia hídrica, para o abastecimento municipal de água e para a agricultura. Eles também apontam para o fato de que a intensificação da agricultura e da criação de gado poderia evitar a perda de mais terras da região para a produção de alimentos.

“De acordo com um estudo recente”, escrevem, “o Brasil poderia atender às demandas de aumento de áreas cultivadas até 2040 sem fazer qualquer outra conversão de hábitats nativos por meio da intensificação de áreas de pasto e cultivo alternado de safras na terra que estiver livre.”

“Essa é uma estratégia importante para o Cerrado, que possui cerca de 40% (quase 20 Mha) do potencial do país para restauração de pastos”, acrescentam.

Mas as conclusões e recomendações do relatório suscitam certa preocupação quanto ao fato de que talvez não sejam muito realistas.

“Esse tipo de desenvolvimento pode ser entendido como o estabelecimento de uma relação mais equilibrada entre desenvolvimento econômico, preservação ambiental e inclusão social”, escreveu Franklin Plessmann de Carvalho, agroecólogo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, numa análise da dissertação. Mas ele acrescenta: “Afirmo que é impossível chegar a um consenso entre conjuntos de interesses tão divergentes”.

Cleared land for agriculture in the Cerrado. Photo by Rhett A. Butler
Áreas desmatadas para fazendas e pastos no Cerrado. Foto por Rhett A. Butler

Ele também disse que duas das medidas prescritas — maior fiscalização das leis de proteção ambiental, conhecidas como Código Florestal, e incentivo à conservação por meio da concessão de créditos como pagamento por serviços ambientais — não oferecem uma grande oportunidade de proteção à biodiversidade.

É um conjunto de ações que já estão sendo implementadas e que, no cenário mais positivo, contribuem muito pouco para a diminuição do ritmo da degradação ambiental”, ele escreve. “Ao invés de ficar lutando para conciliar interesses do agronegócio, é preciso empregar esforços para fortalecer uma economia baseada na preservação da sociobiodiversidade.”

O que poderia beneficiar o Cerrado, escreve Carvalho, é uma estratégia que coloque o poder nas mãos das pessoas que vivem lá, e observa o exemplo da Amazônia.

“Desde que o PRODES (Programa de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia) foi lançado em 2004, as organizações foram capacitadas a exercerem controle social no território”, disse Carvalho, ele próprio um pesquisador no Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia.

“A redução do desmatamento observada em 2004 tem relação com essa capacidade aumentada de análise, controle social e o exercício de uma maior influência nas políticas públicas”.

Citações:

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