Houve 137 assassinatos de pessoas indígenas no Brasil em 2015, com o estado do Mato Grosso do Sul registrando o maior número (foram 25 no ano), diz o importante relatório lançado em setembro pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
Grande parte da violência ocorre devido à conflitos por posse de terra exacerbados pela falha do governo em demarcar as terras indígenas, resultando em conflitos entre agricultores de larga escala e povos indígenas. Há 96 territórios indígenas no Brasil, mas apenas quarto foram demarcados e aprovados até o momento. Outros 68 foram classificados com status de “sem providência” de acordo com o CIMI.
Um grande número de pessoas indígenas também tomaram suas próprias vidas, com 87 casos de suicídio de pessoas indígenas registrados em 2015. Novamente, o Mato Grosso do Sul lidera a lista com 45 casos.
Dados mostram que a taxa de mortalidade infantil é quase duas vezes mais alta dentre grupos indígenas do Brasil (26.35 mortes para cada mil nascimentos) se comparada com a média nacional (13.82 para cada mil nascimentos).
Em agosto de 2015, cerca de cem indígenas da tribo Guarani-Kaiowá invadiram nove fazendas no sudeste do Mato Grosso do Sul como parte de um plano para reconquistar a terra de seus ancestrais, conhecida como Ñhanderu Marangatu — uma reivindicação oficialmente reconhecida pelo governo brasileiro na década anterior, mas que inclui território ocupado por fazendeiros de larga-escala descendentes de europeus da região, que clamam deter os títulos legais da área.
Após dias de acusações mútuas e tensão, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu razão aos agricultores e suspendeu a aprovação da reivindicação antes feita pelos indígenas. Mas os grupos indígenas se mantiveram nas terras. Em 29 de agosto, as tensões aumentaram quando um grupo de 40 fazendeiros do município de Antônio João retomaram as fazendas. Ao fim do dia, Simeon Vilhalva, um dos líderes dos Guarani Kaiowá, estava morto, baleado no rosto. Os índios alegaram que os fazendeiros cometeram o crime, mas os fazendeiros disseram estar desarmados.
A morte de Simeon Vilhalva é apenas um dos 137 assassinatos de indígenas que aconteceram no Brasil em 2015. O Mato Grosso do Sul registrou o maior número de homicídios no país: 25 no ano. Estes números foram divulgados em setembro no compreensível Relatório de Violência Contra Povos Indígenas no Brasil, de 172 páginas, preparado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI). O relatório reúne dados provenientes do CIMI, da Polícia Federal, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério Público Federal (MPF) e do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei).
De acordo com Roberto Liebgott do CIMI, que ajudou a compilar o relatório, o alto número de conflitos no Mato Grosso do Sul, assim como em outras partes do país, tem aumentado com a desaceleração do governo na conclusão do processo de demarcação de territórios indígenas. Há 96 terras indígenas, mas somente quarto foram demarcadas e aprovadas até o momento. Outras 68 estão classificadas com o status de “sem providência”, de acordo com o CIMI.
“Não tem ocorrido um processo efetivo e significativo na demarcação de terras [principalmente] devido às alianças políticas do governo, que acabam favorecendo grandes agricultores ao invés da proteção ambiental – então conflitos continuaram acontecendo em 2015”, explicou Liebgott.
Ele adicionou que, “o atraso no estabelecimento e demarcação tem se tornado quase intrínseco no país. Por isso ocorrem as invasões, conflitos e todo tipo de danos contra propriedade privada e as comunidades indígenas não desistem, aprofundando as ações violentas, destrutivas e ilegais”.
Fazendeiros também têm criticado o governo pelo atraso na demarcação das terras indígenas e se veem como vítimas não apenas da demora, mas dos grupos indígenas. Milton dos Santos, um advogado representando os agricultores do Mato Grosso do Sul, disse que os povos indígenas consideram que “todas as terras da área pertencem a eles e estão promovendo invasões. Donos de terra estão sendo obrigados a fugir para evitar serem mortos”. Ele acusou povos indígenas de promover saqueamentos, roubos e assassinatos de gado nas fazendas.
“O maior responsável pela existência do conflito é o estado. Não-índios [tem estado] em posse dessas terras por 50 anos, 60 anos, alguns até 100 anos, de maneira legal. Estes [fazendeiros] não são posseiros, eles são donos”, afirmou dos Santos. “Os terrenos [em posse] são legais, concedidos pelo Estado. Nós nos encontramos em um dilema: de um lado os [agricultores] donos que compraram suas propriedades em boa fé e agora tem que deixar a terra sem compensação. E [no outro lado] indígenas que afirmam que a área é terra indígena”.
Tensão, que às vezes se torna violência, se tornou parte regular da vida na região. O Ministério Público Federal (MPF) diz que os agricultores formaram milícias para proteger fazendas e plantações de soja, além de outras propriedades agrícolas.
O grupo étnico que mais sofreu devido aos conflitos é o grupo Guarani Kaiowá que, de acordo com o MPF, perdeu 300 membros para os conflitos violentos nos últimos 15 anos, perda que foi descrita pelo órgão público como “genocídio”. Em 2015, oito conflitos violentos envolveram os Guarani Kaiowá.
Pouco mudou desde então: em junho deste ano, dezenas de Guarani Kaiowá, em uma tentativa de reivindicar suas terras, tentaram tomar a fazenda Yvu e foram rapidamente confrontados por 100 agricultores enfurecidos. Essa luta por posse de terra na cidade de Caarapó, em Mato Grosso do Sul, resultou na morte de Clodiodi de Souza, de 26 anos. Outras seis pessoas foram feridas no tiroteio, incluindo um menino indígena de 12 anos e um homem de 62, que levou um tiro no peito.
“Eu não sei como eles não acabaram conosco. Havia balas em todo o lugar. Os [fazendeiros] estavam fortemente armados,” disse um homem indígena ferido, testemunhando do seu leito no hospital. Durante a batalha, os Guarani Kaiowá sequestraram policiais e queimaram seus carros.
O relatório mais recente do CIMI identificou uma variedade de outros crimes violentos cometidos contra povos indígenas: tentativa de assassinato, lesão corporal, ameaça, assédio sexual, racismo e abuso de poder. Também foi registrado um número perturbadoramente alto de indígenas que tomaram a própria vida, com 87 casos registrados de suicídio em 2015 no Brasil. Mais uma vez, o Mato Grosso do Sul lidera a lista com 45 casos, sendo 37 por cento cometidos por adolescentes entre 15 e 19 anos de idade. Nos últimos 15 anos, somente no estado do Mato Grosso do Sul, ocorreram 752 suicídios de pessoas indígenas.
O CIMI também documentou uma alta incidência da mortalidade infantil. Apenas em 2015, foram 599 casos de morte infantil indígena, 46 desses casos no Mato Grosso do Sul. A maior parte das doenças que vitimaram essas crianças, como diarreia e pneumonia, são facilmente tratadas, mas tal tratamento muitas vezes falta para os indígenas.
Dados provenientes do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) mostram que a taxa de mortalidade infantil é quase duas vezes mais alta dentre grupos indígenas (26,35 mortes para cada mil nascimentos) se comparada com a média nacional (13,82 para cada mil nascimentos), de acordo com dados de 2013 do IBGE.
O Instituto Socioambiental (ISA) acredita que a situação que já é séria pode se deteriorar, não apenas para o grupo étnico Guarani Kaiowá, mas para todos os grupos indígenas, agora que a Presidente Dilma Rousseff foi afastada do cargo e substituída pelo Presidente Michel Temer.
Em maio deste ano, Temer escolheu Blairo Maggi como o Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil. O polêmico empresário de agronegócios e produtor de soja (uma vez proclamado “Rei da Soja” do Brasil) foi premiado com o Prêmio Motosserra de Ouro em 2005, dado pela ONG Greenpeace por sua contribuição no desmatamento do Brasil.
Maggi recentemente adotou as metas de conservação florestal do país, apesar de sua família continuar tendo um grande papel no desenvolvimento de soja no Brasil. Ele propôs, além de outras mudanças, o fim da exigência de licenciamento ambiental para grandes projetos infra estruturais, incluindo a construção de novas barragens, canais fluviais internacionais, estradas, ferrovias e portos, que podem beneficiar imensamente a indústria de soja e ao mesmo tempo usurpar das terras indígenas. A construção de projetos infra estruturais de larga escala é uma frequente causa de conflitos indígenas.
Quando abordados pelo Mongabay, o Ministério da Justiça e Cidadania (MJC) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) divulgaram uma declaração conjunta, dizendo que ambas agências: “reconhecem o relatório [do CIMI] e estão trabalhando na análise dos dados… recolhidos a partir das ações do Departamento de Polícia Federal e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESA), para fazer uma declaração completa”. As agências concordaram que as pesquisas, dados e análises apresentados no relatório do CIMI provavelmente tornarão “possível o estabelecimento de novos procedimentos que garantirão efetivamente os direitos fundamentais de povos Indígenas do Brasil”.