Notícias ambientais

Povoamentos pré-colombianos da Amazónia alimentavam-se principalmente de peixes – mais sustentável?

  • Um estudo sobre o povoamente Hatahara, localizado na Amazónia Central, constatou que, por volta de 750-1230 AD, 76 por cento dos animais que as pessoas comeram eram peixes, e apenas 4 por cento eram mamíferos – muito diferente dos grupos pré-históricos americanos / europeus que comiam mais carne do que peixe.

  • Trinta e sete taxa de peixes foram identificados em amostras de Hatahara, indicando que as pessoas daquela época exploravam um espectro muito mais diversificado de espécies de alimentos do que hoje, talvez tornando a sua pesca e hábitos alimentares mais sustentáveis.

  • Um mistério: apenas um género de tartaruga de rio (Podocnemis) dominava a dieta réptil, embora exista uma grande diversidade de taxa de tartaruga na região.

Excavations at the Hatahara prehistoric site revealed a large diversity of animal bones. The vast majority were fish, followed by reptiles, particularly river turtles. Photo courtesy of Val Moraes
Escavações no sítio pré-histórico do Hatahara revelaram uma grande diversidade de ossos de animais. A grande maioria eram peixes, seguidos de répteis, principalmente tartarugas do rio. Fotografica cedida por Val Moraes

Descobrir a história da ocupação humana na Amazónia é um desafio. O clima tropical húmido e a paisagem florestal dinâmica, onde os materiais orgânicos se deterioram rapidamente, pode ser um inimigo de vestígios arqueológicos. Mas os investigadores têm persistido e ao longo das últimas duas décadas reuniram-se evidências que podem destruir a teoria comummente considerada de que a antiga Amazónia foi pouco povoada, e em grande parte “intocada”..

A arqueologia moderna parece pintar um retrato de uma paisagem muito mais densamente povoada e altamente manipulada, ocupada por uma variedade de comunidades pré-colombianas.

Um estudo recente revelou as primeiras evidencias “zooarqueológicas” – ossos de animais que indicam hábitos alimentares – para uma destas comunidades da Amazónia Central, localizada numa encosta acima da confluência dos rios Amazonas e Negro, entre 750 e 1230 dC.

Excavations at an earth mound at Hatahara, a Central Amazonian settlement on a bluff near the confluence of the Amazon and Negro rivers. Photo courtesy of Val Moraes
Escavações num monte de terra no Hatahara, um povoamento na Amazónia Central numa ribanceira perto da confluência dos rios Amazonas e Negro. Fotografia cedida por Val Moraes

Hatahara remonta ainda mais ao passado, mas durante este período de tempo o povoamento expandiu-se até cobrir cerca de 20 hectares (49,4 acres), e os seus residentes produziram cerâmica, cultivaram culturas, e modificaram a cobertura vegetal de forma tão extensa que este estudo sugere uma “transformação intensa da paisagem relacionada com o crescimento da população”, como afirmam os investigadores.

Mas o que é que eles comiam? Depois de peneirar 300 litros (79,3 galões) de sedimentos escavados, desde 4,5 a 9 pés debaixo de um monte artificial, numa parte funerária do povoamento, os investigadores descobriram uma resposta surpreendente: peixes.

“Quando eu comecei este estudo em Hatahara, eu esperava encontrar [evidência do consumo de] mamíferos atualmente caçados na Amazónia, tais como macacos, queixadas, manchado paca, etc.”, afirmou a Mongabay Gabriela Prestes-Carneiro, que conduziu o estudo, explicando que os mamíferos eram normalmente também uma parte importante das dietas de subsistência dos povos americanos e europeus pré-históricos. “[Para] minha surpresa, mamíferos correspondiam apenas a 4 por cento dos restos mortais, enquanto peixes e répteis correspondiam aos restantes 96 por cento.”

Mas não foi apenas a quantidade de peixes – 76 por cento dos restos mortais – que foi uma revelação; 37 taxa de peixes foram identificados nas amostras, indicando que as pessoas daquela época foram “explorar um espectro muito mais diversificada [de espécies] do que fazemos agora”, disse Prestes-Carneiro, do Museu de História Natural de Paris. As espécies mais comuns encontradas foi pirarucu; outros incluídos bagre, tambaqui, piranha e enguias do pântano.

Pescar tantas espécies regularmente exigiria um conhecimento claro e profundo do longo alcance do habitat dos peixes, comportamento, predação e migração específica para cada espécie. Hoje, por exemplo, pirarucu são capturados principalmente quando eles estão restritos a lagos durante a estação seca, quando sobem à superfície para respirar ar. Isto levou Prestes-Carneiro a suspeitar que o “povo de Hatahara sabia mais sobre os peixes que nós, como cientistas, sabemos agora.”

The Hatahara study sieved 300 liters of Amazon sediment, and recovered the remains of 37 different fish taxa. This photo was taken at Monte Castelo, a different Amazon site. Photo courtesy of Eduardo Góes Neves
Para o estudo de Hatahara foram peneirados 300 litros de sedimentos da Amazónia, e recuperado os restos mortais de 37 taxa de peixes diferentes. Esta fotografia foi tirada no Monte Castelo, um outro local da Amazónia. Fotografia cedida por Eduardo Góes Neves

Podocnemis, um género de tartaruga de rio, dominou as amostras de répteis encontrados; animais deste género podem pesar até 90 kg (198,4 libras). Um pequeno mistério: apesar da diversidade de taxa de tartarugas na região, as outras tartarugas não parecem ter sido caçadas. Além do mais, os restos de todos os indivíduos variaram entre 30-70 centímetros (11.8-27.6 polegadas), o que sugere que não só a população de Hatahara preferia este grande género sobre os outros, mas que os juvenis e muito grandes indivíduos foram preferencialmente evitados. Evidencias encontradas num povoamento localizado a 15 km (9,3 milhas) de Hatahara indica que as tartarugas podem ter sido mantidas em currais.

O contraste entre os padrões atuais de pesca na Amazónia, que tendem a favorecer menos espécies, e os de centenas de anos atrás, que tendiam a ser mais diversificados, é esclarecedor, diz Prestes-Carneiro. Uma das motivações para a realização do estudo é o atual debate sobre o uso sustentável dos recursos no passado, em comparação com o presente.

A forma como pescava o povo de Hatahara era sustentável? “Provavelmente sim”, disse Prestes-Carneiro. “Os pescadores de Hatahara foram capazes de adaptar as estratégias de pesca para diferentes [locais] e restrições climáticas. Além disso, não se pode subestimar a ingestão de proteínas de plantas na [dieta] tais como grãos que foram exploradas pelos habitantes de Hatahara”.

Alguns peixes de Hatahara, como pirarucu e bagres, ainda são favorecidos pelas comunidades ribeirinhas atuais. No entanto, há uma diferença potencialmente importante entre então e agora: os ossos de pirarucu recuperados pelo estudo sugerem que os peixes apanhados pelo povo de Hatahara pesavam entre 5-100 quilogramas (11-220 libras). Tais indivíduos grandes são raros hoje em dia; a espécie de pirarucu está listada como “Dados Insuficientes” pela IUCN, e Prestes-Carneiro acha que a espécie pode mesmo estar em risco de extinção global. A diminuição em tamanho e abundância da espécie indica que “em algum momento estes peixes começaram a ser sobrepescados”, disse ela. “Seria interessante investigar quando e como é que tal ocorreu”.

Study leader Gabriela Prestes-Carneiro surrounded by the clutter of her fieldwork at the Laboratory of Zooarchaeology of the Natural History Museum, Paris. Prestes-Carneiro hopes that studying past settlements, and what appear to be their sustainable fishing practices, could be illuminating for present-day sustainable resource use in the Amazon. Photo courtesy of Gabriela Prestes-Carneiro
A líder do estudo, Gabriela Prestes-Carneiro, cercada pela confusão do seu trabalho de campo no Laboratório de Zooarqueologia do Museu de História Natural, Paris. Prestes-Carneiro espera que estudar povoamentos do passado, e o que parecem ser as suas práticas de pesca sustentáveis, poderia ser esclarecedor para o atual uso sustentável dos recursos na Amazónia. Fotografia cedida por Gabriela Prestes-Carneiro

A preferência alimentar por peixes em vez de mamíferos pode ser interpretada de várias maneiras: tinham os mamíferos sido sobrecaçados nesta parte da Amazónia em 750 AD AD-1230? Ou havia uma razão cultural para evitar espécies de mamíferos? “Nós ainda não sabemos”, admitiu Prestes-Carneiro. Mas parece certo que a proteína era abundante para o povo de Hatahara. “Nós temos que [abandonar] a ideia de que as pessoas lutavam contra a fome na Amazónia. Eles provavelmente tinham, na sua maioria, a opção de selecionar o que queriam comer”.

Compreender a dimensão da pesca através das comunidades amazónicas antigas, e seu potencial para a manutenção de povoamentos a longo prazo, vai exigir muito mais investigação, Prestes-Carneiro disse, advertindo contra a extrapolação do seu novo estudo. “Seria muito importante expandir os estudos Zooarqueológicos a diferentes ambientes, tais como povoamentos do interior, das áreas de interfluviais e das zonas húmidas, a fim de construir uma compreensão regional e de longo prazo dos recursos animais e da sua relação com os povoamentos humanos.”

Prestes-Carneiro também pensa que a combinação de investigação arqueológica com estudos contemporâneos pode ser proveitosa: “Eu acho que, como os arqueólogos, devemos trabalhar mais na comparação da evidência arqueológica com o conhecimento tradicional / indígena a fim de compreender ambientes como a gestão humana e a sua forma ao longo do tempo” disse ela.

 

Citação:

Prestes-Carneiro, G., Béarez, P., Bailon, S., Py-Daniel A.R., and Neves E.G. (2015) Subsistence fishery at Hatahara (750–1230 CE), a pre-Columbian central Amazonian village. Journal of Archaeological Science: Reports. In press: doi:10.1016/j.jasrep.2015.10.033

Exit mobile version