O conflito entre mineradores e indígenas no Brasil é comum e 134 índios foram mortos em 2015 em disputas relacionadas à mineração. A contaminação por mercúrio dos rios da Amazônia é uma ameaça menos visível, porém não menos grave para a vida dos índios brasileiros.
Um estudo recente analisou a contaminação por mercúrio nas tribos Yanomami e Ye’kuana no norte de Roraima – parte da Amazônia e estado menos populoso do Brasil. Os pesquisadores descobriram níveis nocivos de mercúrio naquelas que vivem mais próximas aos locais de mineração ilegal de ouro.
Mais de 92% dos índios Yanomami examinados em Aracaçá (a comunidade mais próxima desses locais) apresentaram taxas elevadas de mercúrio, enquanto na região Papiú (a mais distante das zonas de mineração ilegal) apenas 6% estavam contaminados. Os pesquisadores concluíram que a variação nas taxas se deve ao nível de exposição que os vários grupos indígenas tiveram à mineração ilegal.
A Amazônia brasileira apresenta uma longa história de conflito entre mineradores ilegais e povos indígenas que muitas vezes resultou na violência extrema contra as tribos remotas. Em 2015, houve um aumento dramático nos ataques desse tipo, com 134 indígenas mortos, de acordo com o CIMI, agência que coleta dados sobre grupos indígenas brasileiros há cinquenta anos.
Contudo, a mineração ilegal de ouro exerce um outro impacto menos visível, porém não menos perigoso, sobre os povos indígenas: a intoxicação por mercúrio – resultado do uso da substância tóxica no processamento do metal precioso. Após ser liberado no ambiente, o mercúrio é transportado pela cadeia alimentar.
Um estudo recente realizado pela Fundação Oswaldo Cruz em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) e a Fundação Getúlio Vargas analisou a contaminação por mercúrio nos Yanomamis do norte de Roraima. Os pesquisadores descobriram que as tribos Yanomami e Ye’kuana foram severamente afetadas; um grande percentual de pessoas que vivem perto dos locais de mineração ilegal apresentam níveis elevados de mercúrio. Essa contaminação pode causar problemas motores neurológicos, perda de visão e outros problemas graves de saúde, além de dano fetal permanente.
Os pesquisadores analisaram amostras de cabelo fornecidas voluntariamente por 239 índios que vivem na região de Papiú e nas comunidades de Waikás e Aracaçá, duas áreas onde mineradores ilegais são sabidamente ativos. Entre os examinados, os mais vulneráveis foram as crianças, as mulheres em idade fértil e as pessoas que tiveram contato direto com as operações ilegais de mineração de ouro.
Yanomami de Aracaçá, a comunidade mais próxima dos locais de mineração ilegal, apresentou as taxas mais alarmantes: das 13 pessoas examinadas, 92% apresentaram níveis elevados de mercúrio. Na comunidade Ye’kuana de Waikás, os cientistas descobriram que de 47 amostras colhidas, 27% apresentaram o mesmo quadro. A região Papiú, onde não há muitos mineradores de ouro, teve as menores taxas: dos 179 indígenas analisados, apenas 6% estavam contaminados.
“Concluímos que a diferença (em taxas) é causada pelo nível de exposição e pela interação com as regiões de mineração”, informa Claudia Vega, pesquisadora do ISA. As tribos indígenas “ingerem mercúrio, na maioria dos casos, ao comerem peixe contaminado, e a substância passa para o corpo. A contaminação afeta todo o sistema nervoso – especialmente o [sistema nervoso] central.”
O mercúrio, metal altamente tóxico, é amplamente utilizado na exploração ilegal do ouro. O metal em forma líquida é misturado com cascalho, terra e sedimentos retirados do fundo dos rios em morros ciliares íngremes, onde, então, prende-se ao ouro formando uma liga que facilita a identificação e separação dos resíduos. Depois disso, essa liga é aquecida para que o mercúrio evapore, restando somente as pepitas de ouro. O mercúrio vaporizado condensa-se novamente em sua forma sólida, caindo na terra e passando para os córregos.
Infelizmente, para o ambiente e para as tribos indígenas, o mercúrio, em seguida, entra na cadeia alimentar ao ser transportado das minas para peixes e animais que deles se alimentam, incluindo os seres humanos – com um impacto notável nas tribos indígenas, para as quais os peixes são de suma importância.
A pesquisa sobre a contaminação por mercúrio na Amazônia iniciou-se em novembro de 2014 após uma série de conversas entre os líderes indígenas e o coordenador do ISA, Marcos Wesley de Oliveira, a respeito da presença de mineradores de ouro em terras indígenas.
“A presença de mineradores perto das comunidades levantou questões sobre a saúde dos povos indígenas. Coletamos fios de cabelo e peixes para que a análise pudesse ser concluída. Os resultados foram apresentados aos indígenas e enviados aos órgãos governamentais pertinentes”, disse Oliveira em uma entrevista ao G1. A pesquisa feita nas comunidades foi solicitada por e teve o apoio da Associação Hutukara Yanomami e da Associação do Povo Yanomami no Brasil (APyB). Todas as amostras de cabelo testadas foram devolvidas em respeito às pessoas envolvidas na pesquisa.
Reinaldo Rocha Ye’kuana, líder indígena, também fez uma declaração ao G1: “Estávamos preocupados com o resultado da pesquisa. A contaminação afeta plantas e animais, além de poder afetar também nossas futuras gerações”. Ye’kuana ainda anunciou planos para uma campanha de conscientização sobre o mercúrio nas comunidades.
Em março de 2016, um grupo de líderes Yanomami e Ye’kuana apresentou os resultados da pesquisa para a Funai, o Ibama, além do Ministério Público do Brasil e o Relator Especial sobre os direitos indígenas da ONU.
A invasão nas terras Yanomami por mineradores de ouro é um problema sério e antigo, que piorou recentemente. Estima-se que 5.000 mineradores ilegais trabalhem atualmente em território Yanomami. Os Yanomami e Ye’kuana pedem a remoção imediata dos mineradores de suas terras, além de cuidados de emergência e de longo prazo para pessoas intoxicadas por mercúrio.
De acordo com estudos divulgados pelo Banco Mundial, estima-se que 200 toneladas de mercúrio são liberadas anualmente no meio ambiente devido à mineração de ouro na América Latina, causando não só danos à saúde humana, mas a contaminação de terras e águas e a intoxicação de plantas e animais.
No início de 2016, uma criança indígena morreu na Amazônia peruana após apresentar sintomas associados a intoxicação por mercúrio. Mineradores ilegais estão causando um grande impacto sobre as populações humanas e os ecossistemas da região. Um estudo recente revelou que cerca de 80% da tribo Nahua, do Peru, sofre com intoxicação por mercúrio atualmente.
Certamente, a contaminação por mercúrio não é o único problema ambiental associado à mineração. A recente tragédia causada pela Mineradora Samarco , em Minas Gerais, resultou no maior desastre ambiental que o Brasil já viu — 50 milhões de toneladas de minério de ferro e resíduos tóxicos derramados no Rio Doce, que resultaram na morte de 19 pessoas e na contaminação do rio por seus 853 quilômetros, afetando mais de 1 milhão de pessoas.
As minas de diamantes são o problema na Reserva Indígena Roosevelt ¬— Serra Morena e Parque Aripuanã e Aripuanã — localizada entre os estados brasileiros de Rondônia e Mato Grosso. Mineradores ilegais começaram a ser atraídos ao local entre 1999 e 2000. A região agora é conhecida por estar entre os cinco maiores depósitos de diamantes do mundo.
De acordo com Reginaldo Trindade, promotor local, conflitos entre as tribos e os mineradores de diamantes, nos últimos anos, levaram à violência, à corrupção e a um verdadeiro “genocídio cultural e social. É uma comunidade indígena à beira da extinção, se não fisicamente, pelo menos étnica e culturalmente”.