Por serem, frequentemente, pequenos e por voarem à noite, as mais de 160 espécies de morcegos encontradas na Amazônia podem ser difíceis de identificar em campo por pesquisadores e entusiastas amadores.
Para facilitar a identificação, foi publicado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, um Guia de Campo dos Morcegos da Amazônia gratuito, acessível, interativo, baixável, digital e desenvolvido para o uso em tablets ou smartphones.
O dinâmico formato digital permite que o guia seja constantemente atualizado conforme novos dados de pesquisa sejam disponibilizados, o que faz com que o formato seja particularmente adequado a regiões menos exploradas do Planeta em que o volume de descoberta de novas espécies é alto.
Após o Guia de Campo dos Morcegos da Amazônia, devem ser desenvolvidos os guias digitais de Madagascar e do leste da África.
Mais de 160 espécies de morcegos podem ser encontradas voando a noite pela Amazônia, e a variedade entre eles é impressionante. Do maior (o carnívoro morcego-espectral, Vampyrum spectrum, com uma envergadura de mais de meio metro), até pequenos insetívoros (pesando apenas poucos mililitros), os morcegos ocupam uma miríade de nichos ecológicos na floresta tropical.
Contudo, seus hábitos noturnos fazem deles animais difíceis de serem estudados, e, com até 100 espécies habitando algumas localidades, identificá-los em campo torna-se um grande desafio. Atualmente, uma equipe internacional de pesquisadores de morcegos espera facilitar a distinção dessas muitas espécies com a publicação do novo e acessível Guia de Campo dos Morcegos da Amazônia.
O guia gratuito, publicado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, está disponível para baixar em um formato interativo e digital. Desenvolvido para ser usado em tablets ou smartphones, links conectam o conteúdo entre sessões diferentes do guia e com os recursos online da Lista Vermelha do INPA para cada espécie.
O guia é ricamente ilustrado e é, também, o primeiro a incluir padrões de espectograma de ecolocalização para a maioria das espécies. Muitas espécies de morcegos caçam ou buscam alimentos nas copas das árvores, o que dificulta a captura. Por essa razão, o monitoramento acústico é frequentemente utilizado em estudos de biodiversidade.
“Antes de qualquer coisa, esperamos que este guia auxilie no trabalho de estudantes, profissionais e formuladores de políticas e que traga visibilidade a morcegos que sofrem com uma publicidade tão negativa,” afirma Ricardo Rocha, um dos autores do guia e estudante de doutorado pela Universidade de Lisboa, Portugal. “Os morcegos sofrem com uma reputação negativa,” continua ele, “[…] apesar de serem um dos nossos grandes aliados na luta contra a disseminação de doenças e segurança alimentar. Morcegos comem mosquitos, que são os principais vetores de disseminação de diversas doenças importantes, e [também comem] pragas agrícolas em plantações importantes como as do arroz e do milho.”
Embora as pessoas possam se beneficiar diretamente dos serviços prestados pelos morcegos, sua importância para o ecossistema se extende muito além do controle de doenças e pestes. O autor afirma na introdução do guia que, ao agir como predador, presa, dispersor de sementes e polinizador, “[morcegos] são fundamentais as intrincadas redes ecológicas da Amazônia e, por meio de incontáveis ligações com outros animais e grupos de plantas, ajudam a apoiar e sustentar o bioma em toda a sua complexidade e grandiosidade”.
O dinâmico formato digital permite que o guia seja “[…] constantemente atualizado conforme novos dados de pesquisa sejam disponibilizados,” afirma Adrià López-Baucells, o autor principal. “Entendemos que esse pode ser o futuro dos guias de campo para as regiões mais inexploradas do mundo, […] o volume de descobertas é tão alto que guias estáticos se tornam obsoletos facilmente”.
Para López-Baucells, que também é estudante de doutorado pela Universidade de Lisboa, morcegos tem sido uma fonte de fascinação por toda a vida. Ele descreve os quase três anos de trabalho de campo investidos na pesquisa do guia como uma “[…] experiência inesquecível.”
Estabelecida em um acampamento do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais, a equipe capturou os morcegos em redes — grandes redes verticais feitas de um tecido muito fino que são difíceis de ver e ecolocalizar — antes de, cuidadosamente, extrair os animais para medi-los e fotografá-los para o guia.
Gravadores foram dispostos para coletar dados de ecolocalização. A equipe posicionou suas redes, inclusive, superficialmente dentro da água para alcançar espécies que caçam sobre lagos, e, no processo, passaram perto de anacondas, antas e jacarés. López-Baucells menciona um “ataque malsucedido de uma onça” como um dos momentos memoráveis.
Ser a primeira equipe a capturar um morcego Lasiurus egregius na América do Sul foi para eles, definitivamente, o ponto alto. Anteriormente, em todo o planeta, a espécie foi capturada somente doze vezes e é tão superficialmente conhecida que o INPA a classifica como espécie com dados insuficientes. As descobertas da equipe contribuem com um valioso dado para o mapa de distribuição de morcegos, um dos muitos e novos registros de distribuição que eles coletaram na Amazônia Central.
Embora sejam extremamente diversificados, todos os morcegos da Amazônia usam ecolocalização para se locomover pela floresta e podem ser encontrados tanto no topo das árvores como no solo da floresta. Com frequências que alcançam até 100.000 hertz — dez vezes mais elevada que a da fala humana — o morcego Proboscis (Rhynchonycteris naso) tem uma das mais elevadas frequências de ecolocalização dos morcegos da Amazônia.
Muitas espécies dentre a família mais diversificada, a Phyllostomidae, desenvolveram uma elaborada estrutura de pele em volta das narinas que, acredita-se, pode ser capaz de concentrar e amplificar seus sinais de ecolocalização, dando-lhes maior precisão de naveção.
Insetos dominam a dieta dos morcegos da Amazônia, mas répteis, anfíbios, pássaros e mamíferos — incluindo outros morcegos — também fazem parte de suas dietas. Os morcegos Trachops cirrhosus distinguem espécies comestíveis de sapo apenas pelo coachar; a equipe capturou três T. cirrhosus ainda com sapos em suas bocas.
Enquanto muitas espécies empoleiram-se em árvores ocas ou cavernas, várias outras refugiam-se em folhas de palmas. O Rhinophylla pumilio é um morcego que “arma tendas” para se abrigar. Ele morde a folha e a dobra formando um abrigo apropriado onde pequenos grupos empoleiram-se. Outras espécies, como a do morcego Thyroptera tricolor, desenvolveram ventosas em suas asas para segurar-se dentro das folhas enroladas de plantas jovens.
Ao esclarecer a vida noturna da floresta tropical, e ao “[…] facilitar o trabalho de pesquisadores de morcegos, esperamos que o guia contribua com a preservação a longo prazo de nossa amada Amazônia e sua rica biodiversidade,” afirma Rocha.
Pesquisadores e admiradores de morcegos em outras partes do mundo não se sentirão excluídos da era digital por muito tempo. A equipe afirma que guias similares dos morcegos de Madagascar e do Leste da África já estão em produção.
Citação:
Field Guide to Amazonian Bats – López-Baucells, A., Rocha, R., Bobrowiec, P.E.D., Bernard, E., Palmeirim, J.M. & Meyer, C.F.J. (2016) National Institute of Amazonian Research, Manaus, Brazil.