As espécies de peixes da bacia da Amazónia que vivem em lagos, florestas ripárias e sistemas fluviais precisam de um alto grau de conectividade entre os ecossistemas para serem geneticamente diversificadas e saudáveis, mas esta conectividade está ameaçada por barragens propostas e o aumento da seca devido às mudanças climáticas – que ameaça alterar o ciclo das chuvas.
Um novo estudo descobriu que a compreensão da dinâmica das metapopulações da Amazónia -subgrupos separados de outros subgrupos em lagos e sistemas fluviais, que se misturam periodicamente durante a estaçāp das chuvas ou durante as migrações – é fundamental para a conservação.
A menos que o governo federal e as comunidades do Brasil assumam a conservação das espécies de água doce a sério – protegendo a interligacao entre os sistemas lago, várzea e rios – a pesca comercial, e até mesmo a diversidade da floresta (devido à dispersão de sementes pelos peixes) pode estar seriamente em risco.
Imagine um peixe isolado num lago da amazónia – parte do vasto ecossistema de água doce da bacia da amazónia, uma rede de rios, lagos e várzeas em constante mudança, que se estende até 1 milhão de quilómetros quadrados (386,102 milhas quadradas).
Agora imagine esse peixe isolado com a subida do nível da água durante a estação chuvosa, e com as várzeas a desaparecer abaixo dos 15 metros (49 pés) de água. O peixe – uma vez restringido pela margem do lago – nada livremente na floresta inundada e mistura-se com outros da sua espécie a partir de outro lugar.
Durante milhares de anos, populações isoladas de peixes em toda a Amazónia têm jogado o jogo das cadeiras musicais: misturando-se com o encontro entre canais aquáticos inundados, migrando distâncias curtas e longas entre lagos e ao longo de canais de rios, e depois com o baixar do nível das águas, formando novas populações de lago e rio.
Esta conectividade – com a mistura genética que proporciona – é vital para produzir populações saudáveis de peixes, mas é extremamente vulnerável às mudanças no “ciclo de inundação” anual que inunda as florestas.
Um novo estudo adverte que os esforços de conservação precisam ser urgentemente intensificados caso a biodiversidade de peixes na Amazónia – a mais alta em qualquer lugar do mundo, com mais de 2.000 espécies – queira ser salvaguardada face às muitas barragens da região (tanto operacionais como planeadas), juntamente com o aumento da seca resultado das mudanças climáticas.
Peixes respondem de forma diferente aos fatores de stress
O estudo, liderado por Lawrence Hurd, professor na Universidade de Washington e na Universidade de Lee, focou-se em estudar como a estrutura populacional de diferentes espécies influencia as suas respostas às mudanças de condições – incluindo as quebras de conectividade trazidas pelas novas barragens e as alterações climáticas. A conservação dos peixes pode ser mais eficaz, argumentam os investigadores, se forem tidas em conta as diferentes respostas das espécies a estes fatores de stress.
Os investigadores analisaram de perto as metapopulações: subgrupos dinâmicos e interligados, ou subpopulações, dentro de cada espécie individual. Estes subgrupos têm uma distribuição desigual – com cada uma das subpopulações separada das outras subpopulações durante a maior parte do seu tempo de vida – vivendo dentro de lagos da Amazónia e vários afluentes, por exemplo. Contudo, o isolamento das metapopulações não é permanente: os indivíduos podem passar de uma população para outra, quando as enchentes na Amazónia elevam o nível das águas ou via migração. Esta dispersão e entrelaçamento dos subgrupos pode ajudar a manter a diversidade genética e manter a abundância das populações locais, que é a chave para a saúde de uma espécie em geral.
A equipe analisou a ecologia e história de vida de diferentes espécies de peixes da amazónia, e concluiu que, embora algumas espécies existam como metapopulações, outras não. Contudo, algumas espécies estão a evoluir no sentido de se tornarem metapopulações devido a impactos humanos, com implicações importantes sobre decisões relativas às melhores estratégias de conservação para protegê-las.
“Se uma espécie já está estruturada como uma metapopulação, em seguida, ela evoluiu para acomodar esse estilo de vida de acordo com a forma como o habitat é construído”, disse Hurd a Mongabay. “Se a dinâmica de metapopulações for interrompida [com uma barragem, ou mudança climática ou por outras causas], pode causar extirpação dessa espécie.”
“Se uma espécie não funcionar como uma metapopulação, não é provável que se adapte a ser forçada a um habitat alterado para agir como uma metapopulação”, continuou ele. “É uma questão de como a seleção natural ao longo do tempo moldou a forma como a população se mantém, versus uma resposta a uma mudança que acontece mais rápido do que uma espécie se pode adaptar.”
A manutenção do “regime aquático” existente é, portanto, uma estratégia-chave de conservação, disse Hurd, porque de momento “não sabemos se estas espécies são suficientemente flexíveis para se adaptarem à mudança… Precisamos compreender a biologia e hidrologia deste sistema muito melhor, se quisermos preservar a biodiversidade aquática e espécies de peixes comercialmente importantes.”
O caso do peixe-gato da Amazónia
É fácil fazer falsas suposições sobre metapopulações, os seus movimentos, a sua capacidade de cruzar, e a sua capacidade de adaptação às reduções de conectividade.
Para algumas espécies da amazónia, migrações de várzea e de rio significa que os peixes de diferentes áreas contactam entre si regularmente, resultando numa grande população e reprodução entre as populações. Mas noutros casos, como para a espécie de bagre da Amazónia Brachyplatystoma rousseauxii, tal não é o caso.
Como faz uma migração mais longa do que qualquer peixe de água doce conhecido, poderia pensar-se que os indivíduos de um subgrupo se iriam cruzar com outros subgrupos ao longo do caminho. Mas não.
“Estes peixes reproduzem-se nas águas dos Andes e pré-andinas, e as larvas derivam rio abaixo através de cinco países (cerca de 5.500 km (3.417 milhas) até ao estuário do Amazonas”, afirmam os investigadores no seu estudo.
A fidelidade dos indivíduos desta espécie para com os seus locais de reprodução originais significa que existe muito pouca mistura entre subgrupos, apesar das grandes distâncias que estes peixes percorrem juntamente com outros peixes de nascentes diferentes. Regressar a ‘casa’ para eles “significa que cada afluente pode produzir uma população genética local distinta, a soma das quais poderia constituir uma metapopulação migratória de enorme alcance geográfico”, escreve a equipa.
O perigo de barragens e das alterações climáticas
As barragens são uma barreira óbvia à migração aquática, e a crescente indústria hidroelétrica em toda a Amazónia tem vindo a interferir nos movimentos dos animais ao longo de numerosos rios, bem como a afetar a dinâmica dos ciclos de inundação.
“As maiores ameaças ao sistema aquático, na minha opinião, são a construção de barragens a curto prazo, e o aquecimento global a longo prazo”, disse Hurd a Mongabay. “No entanto, outros fatores, como a desflorestação, a pesca excessiva, a poluição e a introdução de espécies exóticas invasoras também contribuem para a deterioração da parte aquática deste ecossistema.”
“A verdade é que a construção das barragens tem que ser interrompida ou senão vamos perder um número substancial de espécies de peixes”, disse Hurd.
Os impactos das alterações climáticas já se fazem sentir na região. “Temos assistido a secas severas nos últimos anos que estão fortemente relacionadas com o aquecimento global e, portanto, parecem ser um problema de longo alcance”, disse Hurd. “Se a previsibilidade do ‘pulso de inundação’ [anual da Amazónia] for reduzida por, digamos, aumentar a seca, tal poderia isolar os lagos durante tempo suficiente para causar uma interrupção no ciclo de vida de muitas espécies de peixes, e criar intensas pressões de competição e predação como resultado da evaporação de parte do lago”.
Importância de proteger sistemas de água doce interligados
Garantir que a conectividade é mantida é crucial para o sucesso da conservação. Mas reconhecer o valor de proteger vários lagos, várzeas e sistemas fluviais também é vital, explicou Hurd. “Se considerarmos que uma população existe em mais de um habitat ao longo do tempo por causa de padrões de migração sazonal, ou que a colonização dos lagos pode permitir que as populações de baixa densidade com má potencial reprodutivo beneficiem de um influxo de migrantes de populações saudáveis – juntamente com a mistura genética que pode melhorar o condicionamento físico – então é claro que esforços de conservação realistas devem ter mais do que um único lago ou tipo de lago em conta”.
“A biodiversidade da região de várzea reside tanto nas diferenças na composição de espécies entre os lagos como o número de espécies dentro de um único lago. Assim, quanto mais lagos forem protegidos contra a exploração excessiva, maior a biodiversidade que se pode proteger.”
Enquanto os cientistas começam a compreender que a conservação dos lagos interligado, rios e ecossistemas de várzeas é vital para preservar as populações de peixes da amazónia, estabelecendo sistemas aquáticos protegidos tem, até agora, sido mais fácil dizer do que fazer. “Há muito poucas áreas protegidas [na Amazónia], e mesmo aquelas que foram estabelecidas raramente são patrulhados ou aplicadas”, relatou Hurd.
A sua equipa sugere que uma abordagem potencialmente proveitosa para a conservação de água doce é a gestão baseada na comunidade, com o acompanhamento permanente para determinar os níveis de exploração sustentável de peixe. Os investigadores citam alguns sucessos na adoção desta estratégia, mas também reconhecem que há limitações e obstáculos a serem superados, incluindo a facilitação pelo governo brasileiro.
“A menos que as comunidades ribeirinhas locais sejam convencidas de que a regulamentação pode garantir capturas sustentáveis para eles no futuro, e trabalhar para impor limites, o estabelecimento de áreas de preservação pode ser inútil”, disse Hurd a Mongabay.
De acordo com o estudo, uma forma de aproveitar melhor a participação da comunidade, e aumentar a proteção local e sua aplicação, é enfatizar o valor comercial e nutricional das espécies de peixes da Amazónia com as comunidades locais e o governo.
Os decisores e as pessoas que vivem junto do rio precisam ser educados sobre os serviços ecológicos prestados pelos peixes. Por exemplo, alguns peixes desempenham um papel menos conhecido, mas importante, no ecossistema da amazónia como dispersores de sementes– ajudando na formação e manutenção da biodiversidade da floresta. Quanto maior o peixe, maior é a semente que pode dispersar, o que significa que a pesca excessiva dos stocks de peixe para consumo humano – que favorece sempre apanhar o maior peixe – pode ter repercussões sobre a própria floresta. Ironicamente, as bem-intencionadas leis de pesca que legalmente protegem peixes mais pequenos, podem ser prejudiciais para a dispersão de sementes.
A incapacidade de proteger os sistemas aquáticos a nível federal continua a ser um problema sério. “Um dos maiores obstáculos para a conservação é o governo brasileiro, que não tem sido, para dizer o mínimo, amigo da biodiversidade ou da conservação ambiental”, concluiu Hurd.
Leandro Castello, do Virginia Polytechnic Institute e State University, concorda que é necessária uma perspetiva mais ampla para conservar a conectividade dos ecossistemas de água doce da Amazónia. “A conservação dos recursos biológicos na Amazónia não será bem-sucedida até que parem de tratar as questões de conservação a pequenas escalas geográficas, e começarem a considerar o sistema floresta-rio Amazonas como hidrologicamente ligado, e portanto como uma única entidade”, Castello disse Mongabay.
“Nós, infelizmente, temos a tendência de pensar numa área protegida aqui, e outra ali, como soluções para estes problemas. Chegou a hora de ampliar este pensamento e abranger toda a bacia. Podemos continuar a pensar e agir como temos vindo a fazer, mas fazemo-lo sob o risco do desaparecimento da Amazónia”, alertou.
Citação:
L.E. Hurd, Sousa, R.G.C., Siqueira-Souza, F.K., Cooper, G.J., Kahn, J.R., Freitas, C.E.C. (2016) Amazon floodplain fish communities: Habitat connectivity and conservation in a rapidly deteriorating environment. Biological Conservation 195: 118-127.