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Índios Arara finalmente obtêm direito à terras

  • Antes da década de 1970, o grupo de índios Arara levavam uma vida nômade na floresta tropical amazônica ao longo do rio Iriri, e tinham pouco contato com o mundo industrializado moderno.

  • O governo militar brasileiro impulsionou uma rodovia no centro do território dos Arara e chamou os colonizadores da região nordeste do Brasil que violentamente se instalaram nas terras ocupadas por estes índios.

  • A tribo Arara foi dizimada pela rodovia e pela invasão, e impactada novamente com a construção da mega usina de Belo Monte.

  • Nesta primavera, o Brasil homologou a Terra Indígena Cachoeira Seca, cobrindo 7.337 quilômetros quadrados, como um paraíso seguro para os remanescentes da tribo Arara reconstruírem suas vidas e cultura. Mas as madeireiras ilegais ainda ameaçam a existência deles, e resta saber se o novo governo de Michel Temer protegerá ativamente o território.

The Arara Indians were nearly eliminated in the 1970s, but they managed to hang on in the hopes of securing a territory for their remaining people. Photo © John Miles/Survival International (http://www.survivalinternational.org)
Os índios Arara foram quase que eliminados na década de 1970, mas conseguiram resistir na esperança de garantir um território para os remanescentes. Foto: © John Miles / Survival International (http://www.survivalinternational.org)

Em decreto publicado em abril deste ano, o governo da presidente Dilma Rousseff concedeu uma grande área de terras aos índios Arara restantes, cuja sobrevivência cultural e física foi posta em risco na década de 1970, quando o governo militar que na época governava o Brasil construiu uma rodovia atravessando o território deles.

A nova reserva, chamada de Terra Indígena Cachoeira Seca, abrangendo 733.688 hectares (7.337 quilômetros quadrados), é localizada junto ao rio Iriri, um afluente do Xingu, no estado do Pará, na Amazônia brasileira.

Isto poderia ser um final feliz atrasado à trágica história dos índios Arara. Jamais considerado um grupo grande, os Arara tradicionalmente vagavam por uma área vasta da floresta. Constantemente em trânsito, eles ocupavam áreas com agriculturas itinerantes no período “úmido” e caçavam na período “seco”, vivendo em cabanas temporárias que construíam na floresta. Eram nômades, dispersos, e viviam em grupos tão pequenos, que a palavra “povoado” não fazia parte do vocabulário.

A partir de meados de 1800 ocorreram registros regulares de contatos pacíficos entre os Arara e as pequenas comunidades pesqueiras que surgiram ao longo dos rios Xingu e Iriri, não muito distante da então pequena cidade de Altamira.

Estrada para o inferno

Nos anos 1970, a vida deles virou do avesso com a construção da Rodovia Transamazônica, atravessando a bacia amazônica de leste ao oeste. O governo militar construiu a rodovia basicamente pelo mesmo motivo que as estradas interestaduais americanas foram construídas — por medo da invasão estrangeira, e para que as tropas pudessem se movimentar rapidamente para confrontar e atacar em qualquer parte do país.

Outro fator foi a falta de confiança por parte do governo nos índios, considerados não “completamente brasileiros”, e o desejo de ver a região ocupada pelos brasileiros pobres da região nordeste do país.

Chamada pelo governo de “Rodovia da Integração Nacional”, os Arara a apelidaram de “Rodovia da Desintegração”.

The Arara were a peaceful nomadic people who wandered so freely they did not have a word in their language for "village." Photo © John Miles / Survival International (http://www.survivalinternational.org)
Os Arara eram um povo nômade e pacífico que vagava tão livremente que não tinham a palavra “povoado” na sua língua. Foto: © John Miles / Survival International (http://www.survivalinternational.org)

Antes do surgimento da rodovia, grupos isolados dos Arara se juntavam regularmente no período de seca em uma localização específica da floresta. Estes encontros ofereciam uma oportunidade importante para a interação social e para a afirmação da identidade indígena. Infelizmente, a localização destes encontros era muito próxima de onde seria um trecho da rodovia Transamazônica unindo Altamira a Itaituba.

O encontro anual dos Arara foi totalmente interrompido pela chegada de milhares de famílias brasileiras com intenção de encontrar prosperidade no coração da amazônia. Os migrantes basicamente vieram do nordeste do Brasil, empobrecidos pela seca, e onde a terra é escassa devido à forte presença das plantações de cana-de-açúcar. As famílias receberam lotes de terra do governo como parte dos projetos de assentamento criados ao longo das estradas secundárias da rodovia Transamazônica.

O slogan federal para esta ambiciosa política de reassentamento na Amazônia era “homens sem terras para terras sem homens” — uma fase de efeito que soou para muitos brasileiros, mesmo 40 anos atrás, deliberadamente racista porque ela negava a existência do povo indígenas que viveu naquela região por séculos, e despropositadamente sexista por ignorar as esposas e filhas das famílias colonizadoras.

Morte por várias separações

Os Arara que viviam ao norte da rodovia foram separados daqueles que viviam ao sul, e as formas tradicionais de interação social indígenas foram rapidamente destruídas. Após uma série de violentos confrontos com colonizadores e madeireiras, muitos deles fugiram para o interior da floresta. Desnorteados e sofrendo de subnutrição, muitos deles não resistiram às doenças.

The Arara farmed in the Amazon's wet season and hunted in the dry season. Photo © John Miles / Survival International (http://www.survivalinternational.org)
Os Arara plantavam na período úmido e caçavam no período de seca. Foto: © John Miles / Survival International (http://www.survivalinternational.org)

Preocupados com as reportagens destes eventos, a Funai, orgão indigenista do governo, enviou agentes para fazer contato pacífico com os índios e para tentar e limitar o estrago.

Mas os índios, incapazes de distinguir entre os brancos que queriam ajudá-los e aqueles que queriam expulsá-los violentamente de suas terras, foram hostis. Vagarosamente, por mais de uma década, foi feito algum progresso e Sydney Possuelo, um dos mais experientes sertanistas (pessoas que percorriam o sertão para protegerem os indígenas) brasileiros, finalmente fez contato com o último grupo restante.

Entretanto, assim que o contato foi estabelecido, os fundos se esgotaram e pouco foi feito para impedir que os intrusos, particularmente as madeireiras em busca de mogno, invadissem as terras indígenas e ignorassem a sua cultura.

Em 1987, após ver índios bêbados pedindo comida ao longo da Transamazônica, Possuelo ficou furiososo e foi à Brasília exigir uma profunda mudança na política indígena. A partir daquele momento, ele insistiu, a Funai não deveria fazer acordos pacíficos isolados com os índios, mas tomar medidas eficazes para barrar a entrada de intrusos nas terra indígenas. Assim, a Funai estabeleceu a Coordenação Geral de Índios Isolados, que existe até hoje. Sydney Possuelo foi o primeiro coordenador.

Mas para os Arara, a nova política chegou muito tarde. O estrago cultural ocorrido anteriormente estava agora prestes a se agravar com os novos projetos infraestruturais defendidos pelo governo autoritário e os interesses corporativos, que iriam transformar o papel dos Arara na Amazônia. O mais prejudicial deles foi a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, um mega projeto cujo impacto nas culturas indígenas foi descrito pela Procuradoria Federal como uma “ação genocida”.

Contra todas as probabilidades, alguns índios Arara sobreviveram, e hoje lutam para reconstruir a sua cultura.

The Arara have been given a homeland by the Brazilian government, at last. Photo © John Miles / Survival International (http://www.survivalinternational.org)
Os Arara finalmente recebem terras do governo brasileiro,. Foto: © John Miles / Survival International (http://www.survivalinternational.org)

Em 2015, os índios Arara e Juruna finalmente receberam uma reserva — o Território Indígena da Volta Grande do Xingu. Cobrindo apenas 25.498 hectares (254,8 quilômetros quadrados), o território é relativamente pequeno e abriga apenas 236 índios Arara.

Mas uma das condicionantes (condições para a autorização da usina hidrelétrica de Belo Monte) era a de que os índios recebessem um território bem maior do que aquele às margens do rio Iriri. Foi esta condicionante que levou à homologação da Terra Indígena Cachoeira Seca, em Abril de 2016.

Um renascer difícil

Tão grande foi a escala de devastação sofrida pelos Arara ao longo de décadas que a reconstrução será difícil agora.

Um indicador do sofrimento horrífico do grupo pode ser extraído do fato que, em 1998, todos os 56 Arara que viviam na área que hoje se tornou a Terra Indígena Cachoeira Seca eram descendentes de apenas uma única mulher. Desde então, o grupo cresceu um pouco, tendo atualmente 105 integrantes. Mesmo assim, é evidente para os observadores que os índios necessitam urgentemente de proteção e apoio para reconstruírem a sua sociedade.

Uma destas primeiras medidas que eles estão reivindicando é a expulsão dos colonizadores ilegais que vivem na reserva deles.

De acordo com cálculos do governo, existem 1.086 lotes ocupados por não indígenas, 72 por cento dos quais pertencentes à famílias campesinas, sendo que a maioria delas não sabia que estavam se estabelecendo em terras reivindicadas pelos índios.

Quando o Mongabay conversou com alguns destes colonizadores no pequeno porto de Maribel, no rio Iriri, agora parte da reserva, todos eles expressaram desejo de sair se o governo lhes oferecessem um lote de terras equivalente e pagassem compensações pelas suas culturas e construções.

Um problema mais difícil será lidar com a exploração madeireira ilegal.

Numa viagem pela rodovia que atravessa a reserva Cachoeira Seca — uma rodovia que deveria ter sido fechada em cumprimento às condicionantes da Belo Monte — o motorista revelou que nas frequentes viagens pela área, quase sempre ele vê caminhões trazendo troncos de madeira de lei ilegalmente extraídos da reserva.

Imagens de satélite, analisadas pelo ISA (Instituto Socioambiental), uma ONG brasileira de grande porte, mostraram que em 2015 as madeireiras abriram ilegalmente 333 quilômetros de estradas irregulares na reserva. Quando o Mongabay visitou o povoado Arara, os índios estavam claramente perturbados e amedrontados com a proximidade das madeireiras, agora funcionando a apenas 19 km de onde residem.

Though granted a reserve, the Arara are still at risk from illegal logging and the violence that can come with such activities. Whether the new Temer interim government will actively secure the borders of the preserve is still unknown. Photo © John Miles / Survival International (http://www.survivalinternational.org)
Mesmo tendo obtido direito à reserva, os Arara ainda estão ameaçados pelos abates ilegais de árvores e pela violência proveniente desta atividade. Ainda não se sabe se o governo interino de Temer fará a segurança ativa das fronteiras da reserva. Foto: © John Miles / Survival International (http://www.survivalinternational.org)

O passo inicial para a obtenção do território foi extremamente importante, mesmo que falte muito para o processo terminar. Apesar de sinais de descontentamento com o governo interino de Temer, sugerindo que haja oposição aos direitos indígenas, parece improvável que a administração ouse cancelar a medida, por conta da reação adversa que seria criada na comunidade indígena.

O que as organizações indígenas esperam é a inércia — com o governo não fazendo nada para garantir que o processo de criação da reserva seja completado e que uma ação eficaz seja tomada no local para garantir que as fronteiras sejam respeitadas.

Mesmo assim — enquanto o governo federal não conseguir cumprir as suas promessas e impedir a exploração madeireira ilegal — a criação da reserva marcará o início de uma reconstrução lenta e difícil das vidas fragmentadas e o renascimento da cultura Arara.

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