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Alguns grupos indígenas duvidam do REDD+, programa do Acordo climático de Paris 2015

  • REDD+ é um programa da ONU, que faz parte do Acordo climático de Paris, que permite aos países industrializados financiar a proteção das florestas dos países tropicais em desenvolvimento como estratégia de mitigação das emissões de gases de efeito estufa.

  • Alguns grupos indígenas se opuseram à inclusão do REDD+ no Acordo de Paris, alegando que poderia resultar em governos e empresas anulando suas reivindicações de terras tradicionais. Alguns acham que as medidas cautelares do REDD+ contra tais apropriações de terra são fracas e que os grupos indígenas serão excluídos do planejamento do projeto REDD+ pelos governos nacionais.

  • Os uapixanas passaram anos peticionando para que o governo da Guiana reconheça suas reivindicações de terras tradicionais, e agora temem que um projeto da REDD+ conhecido como Low Carbon Development Strategy (LCDS) poderia privá-los do controle de suas terras. Um recente avanço anunciando diálogos formais entre o governo e os uapixanas, referente às terras, poderia ser um bom presságio para REDD+ na Guiana e no mundo.

  • Em 12 de dezembro de 2015, representantes de 196 países aprovaram o Acordo de Paris para enfrentar os desafios da mudança climática. Os defensores elogiaram o acordo como um caminho de longa duração para reduzir o aquecimento global e para o futuro das ações climáticas multilaterais.

2)Indigenous leaders present research on land rights at a Green Zone press conference at Paris Climate Summit last December. Photo by Mitch Paquette
Líderes indígenas apresentam pesquisa sobre direto à terra numa conferência de imprensa Green Zone na Cúpula do Clima de Paris em dezembro passado. Foto de Mitch Paquette

REDD+ é uma característica importante do acordo final. O programa de “Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação florestal” foi inicialmente proposto em 2015 como parte do conjunto de ferramentas da ONU para reduzir o aquecimento global. Sua importância se justifica porque o desmatamento e a degradação florestal são responsáveis pela emissão de cerca de 10% dos gases de efeito estufa.

O programa agrega um valor financeiro ao carbono armazenado nas florestas. Ele fornece um mecanismo de mercado para que os países ricos e desenvolvidos com altas emissões de carbono ofereçam um incentivo econômico aos países em desenvolvimento com florestas tropicais para que eles não derrubem as árvores. Dessa forma, as florestas podem agir como reservatórios de carbono para desacelerar mudanças climáticas. A ONU atualmente apoia 64 países parceiros na capacitação para estabelecer iniciativas REDD+ nacionais.

REDD+, controvérsia entre os grupos indígenas

Apesar do entusiasmo inicial, o apoio ao REDD+ falhou de alguma forma nos últimos anos conforme surgiram questões sobre a viabilidade em longo prazo, particularmente sobre os financiamentos vigentes durante a implantação inicial. Muitos defensores temiam que o REDD+ não podia continuar se não fizesse parte do acordo climático final da COP21. A reafirmação da iniciativa em Paris foi um alívio para os maiores incentivadores do programa, inclusive para Coalition for Rainforest Nations.

A inclusão do REDD+ no Acordo de Paris “é um sinal de que para os países, tanto de florestas tropicais que poderiam implantar o REDD quanto os doadores, esta é uma prioridade que está avançando no quadro climático pós-2020, e (que) temos que tomar medidas (para proteger as florestas tropicais) o mais cedo possível”, disse Chris Meyer, Gerente Sênior de Environmental Defense Fund (EDF).

Porém a notícia não foi bem recebida por todo mundo. Ao longo das palestras de Paris, os oponentes do REDD+ vocalizaram críticas do mecanismo. A desaprovação mais séria veio de grupos indígenas de Indigenous Environmental Network (IEN), uma organização de base.

1)Tom Goldtooth, executive director of the Indigenous Environmental Network, speaking against REDD+ alongside other indigenous leaders at COP21. Photo by Roopali Phadke
Tom Goldtooth, diretor executivo de Indigenous Environmental Network, falando contra REDD+ junto com outros líderes indígenas na COP21. Foto de Roopali Phadke

“Um dos problemas que viemos para condenar,” disse na COP21, Tom Goldtooth, diretor executivo do IEN, “é a questão do REDD como parte de um sistema de mercado que vai acabar sendo um crime contra a humanidade e a Terra.” IEN e alguns outros grupos indígenas afirmam que REDD+ permite aos países ricos escapar da responsabilidade de cortar emissões de carbono em detrimento dos direitos indígenas e práticas tradicionais de uso de terra.

Enquanto alguns grupos indígenas apoiam o REDD+, outros reclamam que eles não tiveram voz suficiente nas negociações e implantação do mesmo, embora eles foram convidados a participar do processo do REDD em reuniões passadas da COP. O principal ponto de discórdia é que os programas do REDD serão liderados por governos nacionais, e alguns grupos indígenas olham isso com desconfiança.

Em um área da COP21 aberta ao público, líderes indígenas da África, América Latina e Ásia apresentaram pesquisas do Woods Hole Research Center mostrando que mais de 20% do carbono armazenado nas florestas tropicais está dentro de territórios indígenas. Esta pesquisa foi destinada a demonstrar a importância do povo indígena como protetor de reservas de carbono acima do solo e do imperativo para que eles possam ter diretos sobre essas terras. Os grupos indígenas muitas vezes não possuem títulos de propriedade. Governos e corporações tem usando essa brecha legal para apropriar-se de terras tradicionais. A preocupação do povo indígena é que sem proteções legais bem definidas, REDD+ e outras iniciativas similares, poderiam ser oportunidades para à apropriação de seus territórios.

Defensores do REDD+ alegam que o programa contém algumas defesas que poderiam ajudar o povo indígena a obter títulos de propriedade de terra de forma permanente. E que, em principio, garantiria que iniciativas do REDD+ aprimorem as demandas das comunidades indígenas permitindo-lhes finalmente conseguir o reconhecimento de direito e posse de terras tradicionais.

Porém, essas proteções são amplas na natureza. Meyer acha que acabam quando se trata de problemas ambientais e sociais, “mas, precisam implantar-se de forma robusta em cada contexto (nacional).” Em geral ele disse: “Acho que a maioria dos países estão tentando serem mais inclusivos, que é uma das proteções, e incluir processos consultivos para os povos indígenas.”

3)Nicholas Fredericks makes a presentation highlighting Wapichan community-led forest management at COP21. The Wapichan live in the Amazon rainforest of Guyana. Photo by Mitch Paquette.
Nicholas Fredericks se prepara para fazer uma apresentação destacando o gerenciamento florestal da comunidade uapixana na COP21. Os uapixanas moram na Floresta Amazônica da Guiana. Foto de Mitch Paquette.

Alguns grupos indígenas continuam céticos. Vários representantes argumentaram na COP21 que os grupos indígenas que se envolvem em projetos REDD+, sem primeiro estabelecer proteção legal sobre as terras, correm o grande risco de perder uso e/o posse e controle delas. Isso poderia ser desastroso para o modo de vida tradicional dos povos da floresta.

Agora que REDD+ é firmemente consagrado como parte do plano de mitigação das mudanças climáticas do Acordo de Paris e com o fluxo de financiamento, as comunidades indígenas enfrentam um dilema. Será que arriscam a possível exploração aceitando financiamentos através do REDD+ com a esperança de melhorar as comunidades? E igualmente importante, terão escolha?

Um modelo indígena para florestas sustentáveis

Um grupo que teve que enfrentar imediatamente a decisão respeito à participação no REDD+ são os uapixanas da Guiana. Em 2015 os uapixanas e South Central Peoples Development Association (SCPDA) receberam o Prêmio equatorial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) pelos esforços da comunidade para conseguir títulos legais de terras ancestrais e administrar de forma sustentável recursos da floresta.

Nicholas Fredericks, líder da comunidade uapixana, ou Toshao, e coordenador do programa SCPDA, participou da COP21 para demonstrar as conquistas da comunidade. “Estamos aqui”, ele disse, “para obter o reconhecimento sobre nossas terras, para mostrar que nosso uso e práticas tradicionais são uma forma de manter a biodiversidade, mantendo as florestas, o que pode contribuir para (reduzir) a mudança climática global.”

Os uapixanas têm trabalhado desde 2002 para promover o diálogo com o governo da Guiana sobre direitos à terra. Foi então quando eles começaram a elaborar uma proposta de base para documentar a ocupação tradicional e uso de terra. Usando tecnologia avançada de GPS e Smartphone, o grupo criou um mapa detalhado de seu território que abrange 17 comunidades uapixanas. Estes primeiros esforços foram em grande parte financiados pela União Europeia e ONG internacionais de conservação como Size of Wales.

4)Wapichan community members working on a digital map of their traditional lands. Photo by Tom Griffiths, FPP.
Membros da comunidade uapixana trabalhando num mapa digital de suas terras tradicionais. Foto de Tom Griffiths, FPP.

Para completar o projeto de mapeamento do território, os uapixanas realizaram mais de 80 reuniões comunitárias entre 2008 e 2011 onde documentaram conhecimento e regras tradicionais de uso e administração de recursos e serão incluídos na proposta final para o governo da Guiana. Através deste processo, eles estabeleceram acordos coletivos para uso sustentável de terra e sistemas para administrar áreas de recursos comuns e florestas conservadas.

Depois de mais de uma década de planejamento e pesquisa, os uapixanas criaram um mecanismo de mútuo acordo de como eles vão continuar praticando os modos de vida tradicionais enquanto trabalham para o desenvolvimento autodeterminado administrando recursos naturais sustentávelmente. Com esta proposta os uapixanas esperavam demonstrar ao governo a profunda ligação com as terras reivindicadas, bem como a capacidade de manter e protegê-las.

Os uapixanas apresentaram a proposta em 2012 e, embora o governo a reconheceu como um plano sólido, os esforços federais para incorporá-la na lei e na política nacional foram bem poucos. “Ainda estamos na luta para implantar o plano mas, estamos trabalhando para isso mesmo. Estas coisas levam tempo,” disse Fredericks, “Mas, quantas mais ferramentas temos, mais seremos capazes de negociar com o governo.”

A perseverança uapixana por fim trouxe resultados o mês passado quando o presidente guianês, David A. Granger, aceitou negociar formalmente as terras. As negociações, que estão programadas para começar mais tarde este ano, tal vez resolvam a reivindicação dos uapixanas sobre o território ancestral, “um problema pendente há 50 anos, desde a independência (da Guiana) da Grã Bretanha em 1966”, disse Tom Griffiths do Forest Peoples Programme. Autoridades do governo da Guiana não responderam a solicitação de entrevista para esta reportagem.

Enquanto aguardam a resolução das reivindicações de terra, os uapixanas continuam a explorar conhecimento tradicional e moderno para desenvolver novas maneiras de proteger o território contra ameaças emergentes como mineração, exploração madeireira ilegal e agronegócio. Desde a apresentação da proposta, a comunidade incluiu um drone ao já eficiente sistema de monitoramento local. O drone é capaz de capturar imagens detalhadas revelando perda de floresta e atividades ilegais. O grupo espera compartilhar esta tecnologia e suas estratégias de posse e proteção de terra com outras comunidades indígenas da Guiana para que possam desenvolver sistemas similares.

5)Community members build a drone for use in mapping and monitoring Wapichan lands. Photo by Tom Griffith, FPP.
Membros da comunidade construiram um drone para usar no mapeamento e monitoramento das terras uapixanas. Foto de Tom Griffiths, FPP.

“Piloto” do REDD+ na Amazônia

Até agora, os uapixanas dependiam fortemente de fontes externas e instáveis de financiamento para os esforços comunitários de proteção de terra, e iriam se beneficiar muito de contribuições de outras fontes.

O governo está pressionando o grupo indígena para optar por uma iniciativa national guianesa NÃO-REDD+ conhecida como Low Carbon Development Strategy (LCDS). Desenvolvido em 2009, LCDS é um dos primeiros programas REDD+ do seu tipo, financiado em grande parte através de uma parceria entre a Guiana e a Noruega. Tem sido chamado de “piloto” para a implantação do REDD+ e poderia estabelecer precedente de como serão mobilizados os programas REDD+ em outras nações em desenvolvimento.

Mas o povo uapixana e outras comunidades da floresta estão reticentes quanto à tomar parte no programa LCDS da Guiana.

“Apesar de terem desenvolvido um mecanismo de como as comunidades podem optar por esses programas”, Fredericks disse, “foi desenvolvido desde um nível mais nacional e não foi feito consultando adequadamente a gente. Por isso vemos como um grande risco optar por este mecanismo.” Ele e o grupo uapixana ainda não têm claro como irá beneficiá-los se participam do LCDS, que tipo de compensação irão receber e se têm a oportunidade de sair do programa no futuro.

Enquanto eles admitem que poderiam ganhar vantagem do financiamento LCDS, estão preocupados com o nível de incerteza quando se trata de ligar-se ao governo nacional que ainda não lhes concedeu direitos claros à terra e que também rejeitou a contribuição da comunidade na criação do programa LCDS.Uma grande preocupação é que o governo federal controlará por completo o LCDS, privando os uapixanas de autonomia sobre as terras que lutaram tanto para proteger.

De acordo com Fredericks, oficiais guianeses estão prontos para revisar o LCDS este ano ou ano que vem, e espera que reconheçam os direitos da comunidade de uso e posse de terra e respeitar a voz de seu povo. Se for assim, o LCDS poderia ajudar os uapixanas a serem melhor financiados e equipados para defender suas florestas e modo de vida contra as ameaças do desenvolvimento emergente e manter a futura integridade do ecossistema que eles reivindicam.

Se os próximos diálogos governamentais e o mecanismo REDD+ não oferecem um caminho para a soberania territorial dos uapixanas, poderia anular o esforço suado para proteger as terras tradicionais e poderia pôr em risco os diretos à terra de todas as comunidades indígenas da Guiana.

De um ponto de vista mais geral, Guiana espera ser uma das primeiras nações desde o Acordo de Paris à implantar o REDD+ em grande escala. A falha do governo de incluir proeminentemente os uapixanas no LCDS poderia prejudicar esse objetivo. Por outro lado, se o governo reconhece as reivindicações territoriais dos uapixanas e permite a participação total do grupo no LCDS, Guiana poderia desempenhar um papel de liderança em demonstrar a eficácia das defesas do REDD+ para os direitos indígenas. Seja qual for o resultado, o que aconteça na Guiana poderia influenciar o sucesso ou fracasso do REDD+ e sua capacidade de proteger não só as florestas tropicas do mundo mas também as comunidades indígenas melhor posicionadas para preservá-las.

The Guyana rainforest: valuable to the Wapichan traditional lifestyle, to Amazon biodiversity, and as a repository for carbon as a hedge against escalating climate change. Photo: Wikimedia Commons. Permission granted to copy, distribute and/or modify this document under the terms of the GNU Free Documentation License, Version 1.2 or later.
Floresta Amazônica da Guiana: valiosa para o estilo de vida tradicional dos uapixanas, para a biodiversidade da Amazônia, como repositório de carbono e uma defesa contra a escalada das mudanças climáticas. Foto: Wikimedia Commons. Autorização concedida para copiar, distribuir e/ou modificar este documento sob os termos da GNU Free Documentation License, Versão 1. 2 ou posterior.
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