É difícil dizer o quão caro seria o projeto do caminho de ferro, já que muitos detalhes do projeto de 10 mil milhões de dólares americanos não ainda são claros.
Há uma grande necessidade de melhores transportes na América do Sul, pelo que, por toda a Amazónia, a população pressiona os governos locais para a construção de estradas.
Se o estudo de viabilidade determinar que o caminho de ferro é demasiado complicado ou caro, poderá juntar-se a projetos similares que foram lançados com alarido, e, mais tarde, silenciosamente apresentados sem data definida.
Pedro López Macusi recorda o dia em 2013, em que um barco carregado de funcionários do governo ancorou na sua aldeia, no Rio Urituyacu, uma remota via fluvial no Nordeste da Amazónia peruana, e lhe disseram como o comboio seria maravilhoso.
Um caminho de ferro iria atravessar as terras da Comunidade e continuar até à costa, abrindo um novo mundo para esse povo da tribo Urarina que vive no agrupamento de cabanas de palha construídas sobre estacas, de forma a que as mesmas fiquem acima das inundações sazonais, neste mundo sem estradas, repleto de florestas e rios.
Os visitantes prometeram que haveria eletricidade e transporte para levar os produtos até aos mercados. Haveria um hospital e uma escola nova, feita de tijolos, não de madeira. Construiriam uma ponte por cima da comunidade, para que o comboio atravessasse o rio. Iriam abrir um caminho com 100 metros de largura, atravessando a floresta. Iriam contratar trabalhadores locais. Haveria emprego para o presidente da comunidade López Macusi e para os seus vizinhos.
“Sabe o que é um caminho de ferro, um comboio?” perguntou o Reverendo Miguel Ángel Cadenas, um padre espanhol agostiniano que está de visita à Comunidade.
“Não, padre,” responde López, calmamente.
O caminho de ferro mais próximo fica a milhares de quilómetros de distância, no alto dos Andes. Para as famílias de San Luis, que estão a quatro dias de barco de distância da cidade mais próxima, é como ser / viver noutro planeta.
O sonho de uma ferrovia a atravessar a Amazónia — que remonta pelo menos há um século — nunca se materializou, mas recusa-se a morrer. Reaviva-se periodicamente, o mais recente no ano passado, quando o Primeiro Ministro Chinês Li Keqiang visitou o Brasil, Peru, Colômbia e Chile, e anunciou que o seu país ia financiar uma linha ferroviária, fazendo a ligação entre as Costas do Atlântico e do Pacífico.Porém, é um mistério saber se conseguirá chegar à primeira paragem.
“Há razões para acreditar que pelo menos a China e o Brasil poderão querer repensar o assunto, tendo em conta o abrandamento económico em ambos os países,” disse Paulina Garzón, diretora da Iniciativa de Investimentos Sustentáveis da China e América Latina, à Mongabay num email. “O tipo de questões que as pessoas estão a levantar são: será que a China tem fundos para financiar este projeto monumental? E, se tem, terá o Brasil fundos para devolver o dinheiro?”
A ideia de um caminho de ferro que atravesse a Amazónia remonta ao início do século XX, à tentativa desastrosa de construir o caminho de ferro Madeira-Mamoré no Brasil, perto da fronteira com a Bolívia, para transportar carregamentos de plástico pelo redor das cascatas, para a parte navegável do Rio Madeira.
Milhares de trabalhadores morreram, naquele que a geógrafa Susanna Hecht, da Universidade da Califórnia-Los Angeles, descreve no seu livro, Scramble for the Amazon, como uma “trincheira letal que rivalizava com o Canal do Panamá como uma armadilha mortal.”
Um projeto de construção do século XXI pode não ser tão arriscado, mas mesmo assim é provável que tenha um custo elevado.
“Se conseguimos pôr um homem na lua, conseguimos construir um caminho de ferro que atravesse a Amazónia, mas é provável que seja (bastante) mais caro do que as pessoas pensam,” afirma Stephan Schwartzman, diretor sénior para a política de florestas tropicais no Environmental Defense Fund em Washington, D.C.
Até mesmo a rota é uma interrogação. Os planos do caminho de ferro emitidos pela Iniciativa para a Integração de Infraestruturas Regionais na América do Sul (IIRSA) mostravam que percorreria desde o Brasil, atravessando a Argentina até à costa do Chile, ou cruzando a Bolívia até à costa Sul Peruana.
A rota descrita por López Macusi, que passaria por San Luis, é uma das várias divulgadas pelo governo regional de Loreto, a região amazónica maior e mais densamente arborizada do Peru.
Uma rota proposta pela China iria excluir Loreto. Começaria em Campinorte, no estado brasileiro de Goiás, onde iria ligar-se a uma linha ferroviária existente até à Costa do Atlântico. A partir daí, dirigir-se-ia para oeste atravessando os estados de Mato Grosso, Rondônia e Acre, para cruzar a fronteira para o Peru.
Alguns mapas mostram a rota a cortar pelo sul do Peru, cruzando a Cordilheira dos Andes, e terminando no porto de Matarani do Pacífico, na costa sul. Oficiais peruanos, no entanto, anunciaram que teria início no Porto de Bayóvar do Pacífico – o local de uma grande mina de fosfato parcialmente controlada pela companhia mineira brasileira, Vale – e depois cruzaria os Andes num nível inferior, seguindo a rota de uma autoestrada já existente ao longo do vale sul de Huallaga até Pucallpa, e atravessando a fronteira da cidade brasileira de Cruzeiro do Sul, em Acre.
Depois da visita do Primeiro Ministro chinês, a Bolívia protestou que a rota eliminaria esse país sem litoral, ao contrário do previsto num esquema anterior, que ligaria o mesmo a um porto do Pacífico no Peru. Procurou apoio alemão para uma linha ferroviária que atravessaria a Bolívia.
Os oficiais do governo em Ucayali estão entusiamados com a rota que atravessará sua região.
O caminho de ferro “lançaria a economia da região”, sustenta Luis Briceño, diretor-geral do governo regional de Ucayali, que prevê que Pucallpa, uma cidade com mais de 300 000 pessoas, se torne num centro de desenvolvimento amazónico.
Os empresários da região iriam embalar e enviar produtos de madeira, cacau e o enorme peixe conhecido no Peru como paiche (Arapaima gigas), bem como outros produtos colhidos da biodiversidade da floresta amazónica, diz Briceño.
O governo regional de Ucayali já está em conversações com oficiais de outras regiões ao longo da rota, acerca da conjugação de esforços para tirar o máximo proveito do caminho de ferro. Uma das empresas de engenharia chinesas sobrevoou a fronteira entre o Peru e o Brasil, para observar o terreno, diz Briceño.
Alguns ambientalistas e líderes indígenas estão preocupados com a hipótese de o caminho de ferro poder abrir toda a fronteira da região, escassamente povoada e altamente florestada, rica em biodiversidade, a madeireiros, colonos e especuladores de terras.
A menos que o acesso seja controlado e os direitos da terra sejam claros, “é provável que haja mais desflorestação e conflitos por terras,” prevê Schwartzman.
Esta fronteira é também lar de povos indígenas isolados, grupos que evitam o contacto com o mundo exterior. A maioria são descendentes de pessoas que se refugiaram nas profundezas da floresta para escapar ao abuso dos madeireiros e seringalistas, há um século atrás. Devido ao seu longo isolamento, estes grupos têm pouca resistência a doenças comuns como a gripe. Os líderes indígenas temem que qualquer projeto que seja capaz de trazer forasteiros para mais perto destes grupos possa ter consequências desastrosas.
Será crucial apostar em salvaguardas ambientais, diz Briceño, sobretudo ao redor do recém estabelecido Parque Nacional da Sierra del Divisor. Ainda assim, continua, um caminho de ferro será menos destrutivo do que outro projeto de infraestruturas, uma estrada desde Pucallpa no Peru, até à cidade brasileira de Cruzeiro do Sul, que esteve sob discussão há alguns anos atrás.
Isso depende de como é calculado, de acordo com Manuel Glave, diretor do GRADE, um grupo de pesquisa de ciências sociais sediado em Lima. Um estudo by puramente económico realizado por investigadores do GRADE, centrado apenas numa ligação entre essas duas cidades, mostrou vantagens em criar uma estrada em vez de uma linha ferroviária. O caminho de ferro seria melhor classificado, uma vez considerados os seus impactos sociais e ambientais.
“No entanto, em nenhum dos casos o projeto foi rentável”, diz Glave.
Para Garzón, isto levanta uma questão.
O caminho de ferro é realmente necessário?”, pergunta. “A resposta mais provável é não.”
Há uma grande necessidade de melhores transportes na América do Sul, pelo que, por toda a Amazónia, a população está a pressionar os governos locais para construir estradas, mas Garzón aponta para a existência de outros planos para a ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
Um projeto para dragar partes dos rios Ucayali, Huallaga e Marañon – nascentes Amazónicas – para os tornar navegáveis a montante, e fazer a ligação dos mesmos a autoestradas que levam até à Costa do Pacífico, é provável que seja uma aposta na primeira metade deste ano. No sul do Peru, as ligações da autoestrada Interoceânica começam em dois portos, sobem os Andes, passam pelas cidades de Puno e Cusco, e depois descem dos cumes de montanha de tundra através de uma floresta nublada, para a planície Amazónica, fundindo-se antes atravessar o interior do Brasil.
Para que um caminho de ferro entre Pucallpa e Cruzeiro do Sul seja lucrativo, diz Glave, teriam de drenar cerca de 70 % do trânsito da rota do sul.
A pavimentação da autoestrada Interoceânica revolucionou a viagem entre a cidade Amazónica de Puerto Maldonado e Cusco. A viagem, que costumava demorar semanas na estação chuvosa, nas malas dos camiões que se afundavam na lama pegajosa amazónica, pode agora ser feita em 10 horas.
Um pouco mais à frente, a autoestrada Interoceânica tinha o objetivo de estimular o comércio entre o Peru e o Brasil. Há uma década, os defensores da pavimentação – completada em 2010 – imaginaram longas filas de camiões a atravessar a ponte na fronteira, carregados com batatas peruanas, a caminho das mesas brasileiras, e soja brasileira destinada à China.
Esse comércio nunca se materializou. A única indústria que beneficia com a autoestrada pavimentada é a mineração de ouro não regulamentada, que está em expansão na região de Madre de Dios, de acordo com Rafael Rojas da Universidade da Florida, que está a trabalhar com investigadores peruanos num estudo sobre o impacto económico da estrada.
Um memorando de entendimento assinado por oficiais do governo da China, do Brasil e do Peru em maio de 2015 apela à China para a conclusão de estudos de engenharia e viabilidade do caminho de ferro entre continentes, em Pucallpa, até maio. Os estudos de impacto ambiental foram deixados para o Brasil e para o Peru.
Se o estudo de viabilidade determinar que o caminho de ferro é demasiado complicado ou caro, poderá juntar-se a projetos similares que foram lançados com alarido, e, mais tarde, silenciosamente apresentados sem data definida.
No entanto, não significa que tal não irá acontecer. A China está à procura no exterior de projetos que possam absorver o seu excedente de aço e mão de obra, aponta Margaret Myers, diretora do Programa da China e da América Latina, no Inter-American Dialogue, em Washington D.C.
Porém, alguns observadores afirmam que o Brasil pode não ver com bons olhos uma invasão de trabalhadores estrangeiros durante uma crise enconómica. Enquanto isso, as maiores empresas de construção do Brasil estão mergulhadas num escândalo de corrupção, que manchou o governo da presidente Dilma Rosseuf e fez questionar se esta irá terminar o seu mandato.
Agora que o entusiasmo inicial passou e a memória da visita de Li Keqiang está a desvanecer no horizonte a população do Peru fala sobre o caminho de ferro entre continentes de forma mais cautelosa. Sem o financiamento chinês, aponta Briceño, é improvável que o projeto saia da mesa de desenho.
Se esse for o caso, na pequena aldeia indígena de San Luis, Pedro López Macusi pode ter uma grande espera à sua frente antes de ver um comboio.
Revisão: Fernando Ferreira Alves, Diretor de curso Línguas Aplicadas, Universidade do Minho.