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Será que estas tecnologias poderão reduzir os ataques e o abate de tubarões?

  • Este ano o Havai, a Carolina do Norte e a Nova Gales do Sul, na Austrália, assistiram a um número recorde de ataques de tubarões, levando assim algumas comunidades a pedir a intervenção dos governos para estes os matarem.

  • Estudos recentes conduziram a uma investigação às mais recentes tecnologias dissuasoras de tubarões e concluíram que o abate não é a resposta.

  • Entre os novos dissuasores de tubarões em estudo, existem métodos que exploram os sistemas sensoriais elétricos, magnéticos, visuais, olfativos e auditivos dos animais.

O mar não é o nosso habitat natural, mas aprendemos a gostar dele, procurando prazer nas suas ondas e nas suas águas refrescantes. Ao passarem tempo neste meio ambiente, os humanos entram inevitavelmente em contacto com os seus maiores predadores, para cuja presença não estão devidamente equipados de forma a pressentir antecipadamente e, como consequência, evitar esses ataques. Este ano, um número recorde de ataques de tubarões ocorreu em locais tais como o Havai, a Carolina do Norte e a Nova Gales do Sul, na Austrália, levando assim algumas comunidades a protestar com os seus governos para matarem os tubarões. As autoridades de Queensland mataram aproximadamente 700 tubarões no ano passado, arrastando também neste processo golfinhos, dugongos e tartarugas marinhas, segundo a agência de notícias ABC Austrália. O estado da Austrália Ocidental liderou uma controversa política de abate aos tubarões. Embora os ataques de tubarões sejam notoriamente raros – estima-se que a probabilidade de um americano comum ser morto por um tubarão seja de 1 em cada 3.7 milhões, por exemplo – a atenção dos mídia dada a cada acidente espoleta um medo aterrador.

Para tirar as suas próprias conclusões, os governos locais situados em Nova Gales do Sul e na África do Sul realizaram recentemente cimeiras para investigar as mais recentes tecnologias dissuasoras de tubarões, e concluíram que o abate não é a resposta. Cientistas, defensores dos animais e as próprias vítimas de ataques de tubarões, manifestaram-se, condenando esta abordagem letal.

“Custa-me ouvir pessoas que amam o oceano, sobretudo surfistas, a defender o abate de tubarões porque eles representam perigo para os humanos”, contou Nathan Hart, um investigador de tubarões e neurobiologia na Universidade de Macquarie, na Austrália, à Mongabay. “Como nação, temos de reavaliar a nossa abordagem à segurança na água, quer em termos de uso de equipamento de segurança durante atividades como o surf, quer na aceitação do nível risco que enfrentamos ao praticar estas atividades.”

A sign warns swimmers about the presence of sharks at a beach in Salt Rock, South Africa. Photo by ChrisDHDR/Wikimedia Commons.
Um sinal que alerta os nadadores para a presença de tubarões numa praia em Salt Rock, África do Sul. Foto: ChrisDHDR/Wikimedia Commons.

Apesar dos apelos realizados, especialmente para o abate de tubarões, um novo estudo, realizado entre habitantes da Austrália Ocidental, descobriu que, apesar das pessoas admitirem terem medo de tubarões, grande parte delas não apoia o seu abate. Retirar os tubarões pode afetar as espécies que já estejam ameaçadas de extinção, perturbar ecossistemas, e até mesmo, de acordo com um estudo, acelerar as mudanças climáticas, pois liberta as presas no leito do oceano e perturba a sedimentação, libertando carbono para a atmosfera.

Retirar as pessoas dos oceanos é igualmente financeira e socialmente inviável. As altas temperaturas, em conjunto com o aumento da população humana, levaram a uma maior proximidade com o mar, contribuindo para o grande número de ataques de tubarões este ano.

Além dos controversos iscos letais, os atuais métodos de prevenção de ataques incluem patrulhas de helicópteros e redes de tubarões que formam perímetros em torno das áreas próprias para nadar. As patrulhas são, no entanto, dispendiosas e as redes agarram e matam não só tubarões, mas também a restante vida marinha. As novas tecnologias discutidas nas recentes cimeiras são concebidas para contornar estes problemas e permitir uma entrada mais segura dos humanos no oceano.

Explorando os sentidos dos tubarões

Muitas das novas tecnologias procuram explorar e entender o grande número de sistemas sensorias que os tubarões possuem. Para começar, possuem um complexo sistema de eletrorecetores que lhes permite detetar campos elétricos, tais como os gerados pelas presas em movimento. Os milhares de poros nos seus focinhos e cabeça contêm pequenos bulbos semelhantes a gelatina, chamados Ampolas de Lorenzini, os quais transportam sinais elétricos aos nervos adjacentes.

Este sentido elétrico tem sido explorado desde a década de 1960, começando com uma barreira elétrica que produziu resultados inconclusivos. Há vinte anos atrás uma companhia chamada POD Holdings Ltd., na África do Sul, inventou o primeiro dissuasor capaz de ser utilizado como peça de vestuário. O SharkPOD, como é chamado, emite ondas elétricas que pretendem causar espasmos musculares altamente desconfortáveis para os tubarões mais próximos. Os testes iniciais pareciam positivos, mas o SharkPOD era grande, pesado e demasiado caro. A empresa australiana Shark Shield Pty. Ltd. melhorou o dispositivo e lançou um escudo de tubarões mais prático em 2002. O produto atual consiste em três dispositivos, não só passíveis de serem usados como vestuário, mas que também são desmontáveis, com antenas de dois metros de comprimento com elétrodos que atingem os tubarões a nadar nas proximidades.

A tiger shark in the Bahamas, one of the three species responsible for most unprovoked attacks on humans. Photo by Albert kok/Wikimedia commons.
Um tubarão-tigre nas Bahamas, uma das principais espécies responsável pela maioria dos ataques acidentais a humanos. Foto: Albert kok/Wikimedia commons.

Dados preliminares mostram que o escudo consegue repelir tubarões-tigre (Galeocerdo cuvier) e brancos (Carcharodon carcharias). Testes realizados a um modelo utilizado no tornozelo foram inconclusivos mas, na nova pesquisa financiada pelo governo, publicada em dezembro, o escudo de tubarões, supostamente, superou (em 90% dos ensaios) outro dispositivo usado como tornozeleira eletrónica disponível comercialmente.

Os tubarões são conhecidos por nadarem pelos oceanos, detetando os campos magnéticos da Terra e, por isso, muitos dissuasores de tubarões têm precisamente tentado explorar esse sentido magnético. Partículas carregadas que atravessem os campos magnéticos criam um campo elétrico à volta do tubarão, o qual é detetado pela Ampola de Lorenzini.

Estudos mostram que os ímanes conseguem evitar que os tubarões passem pelas aberturas, embora os tubarões se tenham habituado, de alguma maneira, a eles. Os investigadores sugeriram, assim, outras modificações, incluindo a movimentação de ímanes através da água, para criar flutuações no campo magnético que conseguissem eliminar a habituação.

The Sharksafe Barrier resembles a forest of kelp, which sharks avoid even when pursuing prey. The barrier's flexible columns contain magnets, which also appear to deter sharks. Photo by Sara Andreotti/ Shark Diving Unlimited.
A barreira protetora de tubarões assemelha-se a uma floresta de algas, a qual os tubarões conseguem evitar até mesmo quando perseguem presas. As colunas flexíveis da barreira contêm ímanes, os quais também parecem dissuadir os tubarões. Foto: Sara Andreotti//Shark Diving Unlimited.

Investigadores da Universidade de Stellenbosch na África do Sul, da Universidade de Massachusetts Dartmouth, e da companhia sul-africana Shark Diving Unlimited, usaram ímanes para criar a barreira dissuadora de tubarões, que é uma alternativa amiga do ambiente às redes de tubarões. A barreira funciona como uma cerca flutuante, ancorada ao chão do mar e estendendo-se até à superfície. Constituída por uma série de colunas móveis e flexíveis, contêm ímanes que dissuadem os tubarões e as raias, mas não os restantes peixes. Provavelmente devido ao constante movimento dos ímanes em conjunto com a água corrente, uma avaliação científica inicial não verificou presença de habituação nos grandes tubarões. O mesmo aconteceu com os tubarões-touro (Carcharhius leucas), avaliados noutro estudo, e que passaram pelas barreiras uma única vez. No entanto, a barreira dissuasora de tubarões usada nestes três ensaios era suficientemente ampla para afastar os tubarões de áreas específicas, sendo que os tubarões conseguiam facilmente nadar à volta dela, tornando-se assim necessário a realização de mais testes.

Apesar da adição dos ímanes, o primeiro elemento de dissuasão da barreira foi, inicialmente, a sua aparência visual. As colunas assemelham-se a algas kelp (algas marinha altamente nutritivas), as quais os grandes tubarões brancos têm relutância em atravessar, mesmo quando andam à caça de focas. Os investigadores observaram uma eficiência crescente nas barreiras, quando nestas são usadas múltiplas cordas para criar algo que se pareça com uma “floresta” de kelp.

Explorar o sentido visual dos tubarões é uma área ativa de investigação quando se fala de dissuasores capazes de serem utilizados como peças de vestuário. Recentemente, Phil Richardson, um investigador e gestor de projetos, juntamente com a associação sul-africana Human Wildlife Solutions, tem testado a eficácia da roupa de mergulho e das pranchas de surf em forma de orca.

“O meu primeiro pensamento foi que os tubarões tinham medo de duas coisas – tubarões maiores e orcas”, as quais já foram observadas a perseguir tubarões, contou Richardson à Mongabay.

“Foquei-me no padrão do umbigo (da orca), o qual não só é distintivo mas, acredito, tem sido ‘copiado’ ou imitado pelo golfinho-de-heaviside, adiantou. ” Se a imitação resulta para os golfinhos, então também deve resultar para os humanos.”

Decoys used to test a design for shark-deterring wetsuits and surfboards patterned to resemble the belly of an orca, like the decoy on the right. Sharks are thought to avoid orcas, which can kill and eat them. Photo by Phil Richardson.
Os engodos usados para testar um desenho para os fatos de mergulho e pranchas de surfe dissuasoras de tubarões assemelham-se ao umbigo de uma orca, tal como se vê no engodo à direita. Os tubarões são conhecidos por evitar orcas, as quais os podem matar e comer. Foto: Phil Ricardson.

Richard contou que baseou a sua ideia em “estímulos sinal”, o termo científico para padrões que enviam uma mensagem tão forte aos seus destinatários, que conseguem provocar um determinado comportamento, mesmo que apenas parte do animal portador do padrão se encontre visível. Ele não acredita que a habituação seja um problema pois, embora os tubarões ataquem orcas bebés e compreendam que as pessoas em em cima de pranchas em forma de orca não são realmente orcas, pessoas e tubarões não se encontram assim tantas vezes.

Embora Richardson esteja a aperfeiçoar os seus fatos de mergulho e pranchas de surfe em forma de orcas, o seu teste inicial mostrou que os tubarões desistiram mais frequentemente dos seus ataques perante os engodos que tinham padrões de umbigo de orca em preto simples, ou em axadrezado preto e branco.

Em 2011, investigadores descobriram que os olhos dos tubarões possuem apenas um tipo de célula cone para a visão a cores, sugerindo que eles são daltónicos. A sua sensibilidade visual depende então de outros campos, como a sua perceção da luminosidade. É esta característica que a empresa australiana Shark Attack Mitigation Systems tem aproveitado para desenvolver fatos de mergulho “enigmáticos” que, em teoria, permitem ao nadador misturar-se com o oceano que o rodeia. Usando software especializado, os investigadores da empresa modelaram campos de luz debaixo de água para determinar a capacidade dos tubarões em diferenciar objetos adjacentes, detetar os vários comprimentos de onda de luz e ainda proceder à sua recolha e captação.

Isto permitiu-lhes fazer uma previsão dos espetros de reflexão que devem parecer menos reconhecíveis aos tubarões, quando comparados com os espetros dos fatos de mergulho tradicionais, e desenvolver diferentes modelos para os nadadores à superfície, bem como em várias e diversas profundidades. A empresa licenciou a sua tecnologia a companhias de fatos de mergulho que a incorporaram no seu design. Os fatos assemelham-se à camuflagem do exército, em tons de azul, mas os compradores usam-nos por sua própria conta e risco já que os testes no terreno ainda estão a decorrer.

Os investigadores também exploram o incrível sentido olfativo dos tubarões, o qual contribui para a sua notável habilidade para detetar presas, mesmo a grandes distâncias. Os esforços de investigação passados, que fizeram uso do poder dos químicos, focavam-se em irritar as narinas dos tubarões, muito embora novos investigadores estejam a tentar identificar semioquímicos – químicos biologicamente importantes que contam algo sobre o meio ambiente dos tubarões. Relatos de pescadores sugerem que os tubarões evitam áreas que tenham tubarões mortos, o que levou os investigadores a colocar em hipótese o facto de essa carne libertar semioquímicos que eles detetam e evitam.

Após anos de investigação, os investigadores extraíram o denominado “necromona”, composto proveniente da carne podre de tubarão, e armazenaram-no em latas de aerossol, as quais estão agora disponíveis comercialmente. Um estudo mostrou que os tubarões de cabeça achatada (Carcharhinus perezii) e os tubarões de focinho negro (Carcharhinus acronotus) pararam de comer isco logo após as necromonas terem sido libertadas nas suas proximidades. Os investigadores relataram que os tubarões de ambas as espécies tiveram “uma reação de pânico flagrante” e deixaram as áreas de teste. Além disso, os tubarões não mostraram ter habituação à necromona após terem sido repetidos testes nas mesmas áreas, sugerindo que esta poderia resultar como defesa pessoal para os mergulhadores e para os nadadores.

Numa revisão das tecnologias dissuasoras de tubarões lançadas este ano, Hart e o seu colega Shaun Collin, um biólogo sensorial do Instituto dos Oceanos da Universidade da Austrália Ocidental, nota que podem existir outros semioquímicos significativos para os tubarões, os quais podem ser explorados. Talvez as pessoas possam implantar os compostos que os tubarões detetam nas presas ou as feromonas que os atraem para os afastar das áreas de natação.

A lemon shark in the Bahamas. The species occasionally attacks humans. Photo by Albert kok/Wikimedia commons.
Um tubarão-limão nas Bahamas. A espécie ataca ocasionalmente os humanos. FotoAlbert kok/Wikimedia commons.

Na área do desenvolvimento tecnológico, explorar a audição dos tubarões é a estratégia menos proveitosa. O SharkStopper, que se autoproclama como o “primeiro e único repelente de tubarão”, é outro aparelho usado no corpo. Nos anos de 1970, cientistas mostraram que o tubarão-limão (Negaprion brevirostris) e o tubarão-seda (Carcharhinus falciformis) fugiram de um grito de uma orca que fora previamente gravado. Os investigadores indicaram as frequências sonoras às quais os tubarões são mais sensíveis para deixar os inventores aperfeiçoar o grito e, assim, desenvolver o SharkStopper. O site do produto reivindica a execução de alguns ensaios no terreno bem sucedidos, embora o SharkStopper ainda não tenha sido avaliado individualmente. Na revisão, Hart e Collin apontaram que, no estudo realizado por volta da década de 1970, os tubarões habituaram-se aos barulhos gravados das orcas e sugeriram que qualquer dissuasor de áudio fosse apenas utilizado por curtos períodos de tempo.

Esforço de pesquisa mundial

Hart é apenas uma parte do esforço de pesquisa mundial para desenvolver novas tecnologias que salvaguardem os nadadores, e esteve envolvido em produtos como os fatos de mergulho de camuflagem, entre outros. “Estamos a tentar encontrar maneiras de manipular o comportamento natural dos tubarões, em vez de só contarmos com os estímulos desagradáveis quando eles se aproximam muito”, descreveu à Mongabay. “De facto, a combinação destas abordagens é talvez a estratégia de mitigação de ataques de tubarões mais eficaz.”

Acrescentou ainda que aumentar o receio em relação às pesquisas sobre a biologia básica dos tubarões “é uma grande limitação no desenvolvimento de novas tecnologias”.

A great white shark, one of the three species responsible for most unprovoked attacks on humans. Photo by Rhett Butler.
O grande tubarão branco, uma das três espécies responsável pelo maior número de ataques aos humanos. Foto: Rhett Butler.

A Nova Gales do Sul e a Austrália registaram, este ano, 14 devastadores ataques de tubarões não provocados, em relação aos três de 2014. Apenas uma pessoa morreu, mas este ano não se define por picos e a temporada dos tubarões ainda não acabou. No mês passado, o governo de Nova Gales do Sul anunciou um investimento de 16 milhões de dólares australianos (11 500 000 milhões USD) em testes de dissuasores de tubarões.

Seis praias no estado irão testar novas redes de barreira ecológicas feitas a partir de pneus reciclados. Os drones que suportam câmaras irão trabalhar em paralelo com dispendiosos helicópteros de vigilância para monitorizar a marinha. O governo irá também implantar bóias inteligentes em cinco praias – aparelhos que usam sonar para detetar e distinguir objetos com a forma de tubarão que se movam na água. Para além disso, vinte estações de escuta da quarta geração que flutuam no mar irão captar sinais emitidos a partir de etiquetas acústicas ligadas aos tubarões. Tanto as bóias inteligentes como as estações de escuta enviarão atualizações em tempo real via satélite quando detetarem tubarões, alertando os nadadores-salvadores. O objetivo é que os dados estejam publicamente disponíveis através de uma aplicação financiada pelo governo chamada SharkSmart, que permite aos utilizadores tomarem decisões informadas sobre onde e quando devem entrar no oceano.

As novas tecnologias baseadas na exploração dos sentidos dos tubarões ainda não fazem parte da lista, provavelmente porque muitas ainda estão em fase inicial de desenvolvimento. Porém, o ambicioso programa de testes do governo de Nova Gales do Sul, bem como o investimento considerável de que dispõe, indicam que, no futuro, a ciência rigorosa tomará o lugar do abate de tubarões, estabelecendo um exemplo para as áreas afetadas pelos seus ataques por todo o mundo.

 

Citações



Revisão: Fernando Ferreira Alves, Diretor de curso Línguas Aplicadas, Universidade do Minho.

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