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Populações indígenas brasileiras em perigo devido aos assassinatos e aos projetos de utilização dos seus recursos naturais: Relatora da ONU

  • A relatora especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas Victoria Tauli-Corpuz, visitou o Brasil em março.

  • Numa declaração de fim de missão, lançada a 17 de março, ela concluiu que as populações indígenas no Brasil se encontram em perigo devido a um aumento alarmante da violência e desenvolvimento de projetos de utilização de recursos naturais suscetíveis de ameaçar a sua existência.

  • Por exemplo, em 2014, o Conselho Indigenista Missionário, vinculado à Igreja Católica (CIMI) documentou os assassinatos de 138 líderes indígenas no Brasil, em comparação com 92 em 2007, afirmou Tauli-Corpuz. Homens armados dispararam sobre uma aldeia indígena, poucas horas após a partida de Tauli-Corpuz.

As populações indígenas no Brasil estão em perigo devido a um aumento alarmante da violência, bem como do desenvolvimento de projetos de utilização de recursos naturais suscetíveis de ameaçar a sua existência.

Foi precisamente isto que a Relatora Especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas Victoria Tauli-Corpuz, constatou na sua visita ao Brasil no mês passado. Durante os seus 11 dias no país, Tauli-Corpuz abordou um vasto leque de problemas enfrentados pelos povos indígenas, mas na sua declaração de fim de missão, focou-se particularmente na demarcação territorial, nos mega-projetos e nos ataques perpetrados.

“O Brasil tem um número considerável de princípios constitucionais relativos aos direitos dos povos indígenas e, no passado, foi um líder mundial na área de demarcação territorial dos povos indígenas”, afirmou Tauli-Corpuz na sua declaração, disponibilizada a 17 de março, o seu último dia no país.

No entanto, não tem havido alterações positivas relativamente às questões de maior preocupação, nem aproveitamento das recomendações chave dadas pelo seu antecessor, James Anaya, após a sua visita ao Brasil em 2008, refere Tauli-Corpuz. Disse também que os processos de demarcação territorial estagnaram, os despejos são contínuos, há falta de apoio comunitário, e os assassinatos e ameaças são ilibados.

Referiu ainda que “os perigos enfrentados pelos povos indígenas são os mais graves que se registaram desde a adoção da Constituição em 1988”.

O Conselho Missionário Indigenista, vinculado à Igreja Católica (CIMI) tem documentado os assassinatos e ataques contra os povos indígenas no país. O Conselho é um órgão vinculado à Conferência Nacional de Bispos do Brasil, criado em 1972, um ano após o termo da Teologia da Libertação – um movimento teológico Católico Latino-americano nascido no Brasil, que apoia a libertação da injustiça e da opressão – ter sido criado.

Em 2014, o CIMI documentou os assassinatos de 138 líderes indígenas no Brasil, em comparação com 92 em 2007, segundo Tauli-Corpuz. O maior número de mortes ocorre no estado de Mato Grosso do Sul, um dos três Estados onde a relatora da ONU realizou visitas. Ela visitou as comunidades indígenas de Guarani-Kaiowá que reivindicam os seus territórios em Mato Grosso do Sul, localizados na região sudoeste do país, na fronteira com o Paraguai. Algumas comunidades, como a Kurusu Ambá, encontram-se em processo de demarcação de terras há quase uma década.

Indigenous Guarani-Kaiowa communities in the state of Mato Grosso do Sul in southwestern Brazil face evictions, attacks, and killings. Photo by Percurso da Cultura.
As comunidades indígenas de Guarani-Kaiowa no estado de Mato Grosso do Sul no sudoeste do Brasil, enfrentam ações de despejo, ataques e assassinatos. Fotografía: Percurso da Cultura.

“Os ataques e assassinatos constituem, frequentemente, represálias em contextos onde os povos indígenas reocupam os seus terrenos, após longos períodos de espera pela conclusão dos processos de demarcação,” adiantou Tauli-Corpuz no seu depoimento.

“Acho bastante alarmante que uma série de ataques, envolvendo tiroteios e ferindo povos indígenas das comunidades de Kurusu Ambá, Dourados e Taquara em Mato Grosso do Sul, tenham ocorrido após as minhas visitas a essas áreas”, disse.

De acordo com o CIMI, homens armados a cavalo e em camiões dispararam contra os Guarani Kaiowá de Kurusu Ambá, poucas horas após a visita de Tauli-Corpuz a 10 de março. Não foi a primeira vez que homens armados dispararam contra a respetiva comunidade. Nem foi a primeira vez este ano. No dia 31 de janeiro, homens armados dispararam sobre os acampamentos que acolhem os Kurusu Ambá, tendo destruído um deles por completo, relatou o CIMI. De acordo com o grupo, desde 2007 quatro líderes indígenas foram mortos em Kurusu Ambá.

Ita Poty, outro território reinvidicado pelos Guarani-Kaiowá em Mato Grosso do Sul, foi atacado no dia 12 de março, também durante a estadia de Tauli-Corpuz no país. Homens armados dispararam contra famílias locais e feriram gravemente um homem chamado Isael Reginaldo, que foi levado para o hospital com vários ferimentos de bala. Os latifundiários que ocupam os territórios de Guarani-Kaiowá são os responsáveis pelos ataques, de acordo com relatórios das ONG e dos mídia.

Os assassinatos que ocorrem por todo o país estão frequentemente ligados à disputa de terrenos, mas os indígenas também são vítimas de crimes de ódio nas áreas urbanas. A 30 de dezembro de 2015, uma criança indígena Kaingang, Vítor Pinto, de dois anos, foi esfaqueada enquanto era amamentada nos braços da sua mãe, na estação de autocarros em Imbituba, uma cidade costeira no sul do Brasil. A criança morreu logo de seguida. Segundo Tauli-Corpuz, os povos indígenas correm o risco de sofrer muito mais do que ataques armados e assassinatos.

“Mesmo em contextos em que a violência física não foi relatada pelos povos indígenas, estes enfrentam grandes ameaças à sua existência. Isto surge a partir de ações e omissões do Estado e dos atores privados no âmbito do desenvolvimento de projetos impostos sobre os povos indígenas, sem qualquer consulta ou tentativa de obter o seu prévio e informado consentimento,”disse ela.

Victoria Tauli-Corpuz, UN Special Rapporteur on the rights of indigenous peoples, conducted an 11-day official visit to Brazil in March 2016. Photo by UN Geneva.
Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, realizou uma visita oficial de 11 dias ao Brasil em março de 2016. Fotografía: UN Genebra.

Na sua declaração de fim de missão, a relatora especial da ONU destaca as várias barragens hidroelétricas e os projetos mineiros sobre os quais as comunidades indígenas, juntamente com os seus líderes, manifestaram preocupação durante a sua visita, incluindo a barragem de Tapajós no estado do Pará, no norte do Brasil; a mina de Germano, das companhias de mineração Vale e BHP Billington, situada em Minas Gerais desencadeou um desastre ambiental com pelo menos 17 mortes, devido à ruptura de uma barragem de resíduos em novembro de 2015; assim como outras hidroelétricas e projetos de mineração de ouro e bauxite.

As preocupações no que diz respeito aos projetos de recursos naturais incluíram a falta de uma consultação prévia, demarcação territorial e manobras judiciais para evitar as restrições legais relativas aos projetos de desenvolvimento dos povos indígenas.

No caso da barragem hidroelétrica de Belo Monte, cuja construção num afluente do Rio Amazonas foi bastante contestada, as preocupações são as previamente referidas, para além de outras. Nem o governo nem os gestores do projeto implementaram as condições necessárias e as respetivas medidas de mitigação, tais como o estabelecimento de unidades de monitorização para proteger as terras indígenas, uma compensação pelos meios de subsistência perdidos e o reforço da presença local da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), de acordo com a declaração de Tauli-Corpuz.

“As consequências desta passividade têm vindo a ameaçar a sobrevivência dos povos indígenas, ” referiu.

"Respect Our Rights," reads a banner at an indigenous protest against the fiercely contested Belo Monte hydro-electric dam under construction in northern Brazil. Photo by Ocupacao Munduruku.
“”Respeite Nosso Direito”, lê-se numa faixa durante um intenso protesto indígena contra a barragem hidroelétrica de Belo Monte que está em construção no norte do Brasil. Fotografía: Ocupação Munduruku.

Encontram-se muitos fatores em jogo no que diz respeito a Belo Monte, fatores estes que acabam por ter reflexo a nível nacional. Se juntarmos os escândalos de corrupção, os atentados ao Congresso para enfraquecer as proteções legais dos direitos indígenas e do ambiente, e uma pitada de crise política, o resultado é tudo menos bom.

“Afigura-se, portanto, uma tempestade no horizonte, na qual a convergência entre estes e outros fatores levará à prossecução de interesses económicos de uma forma que subordinará ainda mais os direitos dos povos indígenas. O risco dos efeitos etnocidas nesses contextos não pode ser negligenciado nem subestimado,” disse Tauli-Corpuz.

A relatora da ONU fez várias recomendações preliminares no final da sua visita. “Deve-se multiplicar os esforços para superar o atual impasse relativo à demarcação territorial, dado que essas soluções são possíveis, desde que haja a vontade política necessária”, mencionou. Chamou igualmente a atenção do governo brasileiro para tomar medidas imediatas no sentido de proteger os líderes indígenas, e concluir as investigações sobre todos os assassinatos que ocorrem nas populações indígenas.

Em setembro, Tauli-Corpuz apresentará um relatório final sobre o resultado das suas pesquisas e respetivas recomendações ao Conselho de Direitos Humanos das Nações
Unidas.




Revisão: Fernando Ferreira Alves, Diretor de curso Línguas Aplicadas, Universidade do Minho.

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