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Ecossistemas fluviais amazónicos em degradação, negligenciados nos esforços de preservação






A bacia do Amazonas, com as sub-bacias do rio, incluindo a Araguaia-Tocantins. Os números indicam os Llanos de Moxos (1), os pântanos de palmeiras dos rios Maranon e Ucayali (2), as savanas de bananais (3), as campinas da Amazónia (4), as savanas de Roraima (5), e os Campos Marajoaras (6). Cortesia de Castello et al (2013).



Um estudo publicado na semana passada por uma equipa internacional de cientistas avisa que o maior sistema fluvial do mundo está em rápida degradação e em perigo devido a barragens, prospeção, pesca excessiva e desflorestação.



Na revista Conservation Letters, investigadores liderados por Leandro Castello, investigador do Woods Hole Research Center, catalogam a longa lista de ameaças que o rio Amazonas e os seus afluentes enfrentam. Eles destacam que as áreas protegidas terrestres existentes podem não ser suficientes para proteger os ecossistemas fluviais afetados pelas atividades a montante e a jusante, que incluem extração de petróleo, prospeção de ouro, sobreexploração de plantas e animais, desmatamento e conversão de florestas, bem como a construção de barragens.



“As políticas de gestão existentes — incluindo a legislação nacional de recursos hídricos, os esquemas comunitários de gestão de recursos naturais e a rede de áreas protegidas que representam atualmente o paradigma de conservação do Amazonas — não conseguem controlar adequadamente a maioria dos impactos. Tais estratégias de gestão destinadas à preservação dos ecossistemas terrestres, têm deficiências na sua conceção e aplicação, ou não têm em consideração a ligação hidrológica dos ecossistemas de água doce,” escrevem os autores. “Há uma necessidade urgente de mudar o paradigma de conservação do Amazonas, alargando o seu foco atual centrado na floresta de forma a englobar os ecossistemas de água doce, elementos essenciais da bacia.”



Ameaças




Rede de áreas protegidas e principais causas de degradação das zonas húmidas (para as quais há dados ao nível da bacia). Cortesia de Castello et al (2013).




Os autores afirmam que uma onda de construção de barragens na bacia do Amazonas é uma das ameaças mais prementes aos ecossistemas da região do rio, acabando por interferir com o ciclo hidrológico da bacia e os fluxos de nutrientes. As grandes barragens restringem ainda mais ou bloqueiam o acesso aos locais de reprodução e alimentação de espécies migratórias de peixes. Enquanto as áreas inundadas de água podem gerar um elevado número de emissões de gases de efeito de estufa e alterar drasticamente os habitats.



“Há um total de 154 barragens hidroelétricas em funcionamento, 21 em construção e planos para construir mais 277 barragens no futuro. Há igualmente milhares de pequenas barragens em riachos para fornecer água para gado,” disse a coautora Marcia Macedo do Woods Hole Research Center numa declaração. “Estes projetos de infraestruturas, juntamente com alterações à pluviosidade regional induzidas pela desflorestação, podem alterar fundamentalmente a hidrologia dos sistemas de água doce do Amazonas.”



Os ecosistemas fluviais do Amazonas estão também a sofrer de pesca excessiva, algo que afeta a cadeia alimentar, assim como as populações humanas altamente dependentes do peixe como fonte de proteína. O estudo, que denota que “o atual consumo de peixe per capita atual do Amazonas Brasileiro ronda 94 kg/ano entre as populações ribeirinhas, quase seis vezes a média mundial”, relata que o comprimento médio do corpo das espécies capturadas mais frequentemente diminuiu mais de 60 porcento no século passado. Há várias espécies no limiar da extinção para fins comerciais em algumas áreas.



Enquanto isso, a desflorestação está a agravar os impactos adversos nos rios amazónicos. Estima-se que 56 porcento das planícies aluviais ao longo do curso principal do baixo Amazonas foram desmatadas entre 1970 e 2008, impulsionando a erosão do solo, que altera a qualidade e transparência da água e desencadeia sedimentação. A desflorestação também pode aumentar a variabilidade dos níveis de água entre as estações secas e chuvosas, afetando as populações de plantas e fauna selvagem.



Por fim, a poluição de parcelas agrícolas (fertilizantes químicos, pesticidas e herbicidas), extração de petróleo e gás natural (resíduos de perfuração e petróleo bruto) e prospeção (mercúrio e metais pesados) estão a afetar os ecossistemas de água doce na Amazónia. O escoamento proveniente das plantações industriais de soja e explorações de gado é particularmente acentuado no sul da Amazónia.



Soluções


The major Amazon river basins
Grandes bacias fluviais da Amazónia. Cortesia de Castello et al (2013).




Relativamente a estes problemas, os investigadores recomendam expandir os métodos de preservação tradicionais focados no território aos ecossistemas aquáticos. Sugeriram utilizar as atuais áreas protegidas como ponto de partida para a transição, desenvolvendo uma “abordagem de preservação baseada nas bacias dos rios que proteja tanto o ecossistema aquático como o terrestre”. O esforço deve ter um alcance internacional, dado que muitas das bacias atravessam as fronteiras nacionais.



“Há problemas ambientais em toda a parte, mas o caso dos ecossistemas de água doce do Amazonas é diferente, por ninguém falar dele. O problema foi ocultado,” disse Castello. “Foram dados grandes passos para a preservação do Amazonas relativamente à desflorestação por esta ter sido estudada e monitorizada ano após ano. Agora precisamos de fazer o mesmo a estes ecossistemas aquáticos.”



Castello, L., McGrath, D.G., Hess, L.L., Coe, M.T., Lefebvre, P.A., Petry, P., Macedo, M.N., Reno, V., Arantes, C.C. 2012. The vulnerability of Amazon freshwater ecosystems. Conservation Letters DOI: 10.1111/conl.12008







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Revisão: Fernando Ferreira Alves, Diretor de curso Línguas Aplicadas, Universidade do Minho.

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