As novas barragens irão reduzir a capacidade de os peixes se movimentarem, golfinhos de água doce e outras espécies, livremente ao longo dos fluxos a montante e a jusante do Amazonas, danificando ainda os ecossistemas e as economias fluviais.
As novas barragens irão reduzir a capacidade de os peixes se movimentarem, golfinhos de água doce e outras espécies, livremente ao longo dos fluxos a montante e a jusante do Amazonas, danificando ainda os ecossistemas e as economias fluviais.
As soluções incluem o aumento da pesquisa ecológica de base, melhoramento do sistema de transposição para peixes, uma abordagem multinacional à conceção do projeto, envolvendo investidores de barragens e uma mudança para fontes de energia alternativas como a solar, eólica e os biocombustíveis.
As barragens e as reservas afetam os peixes e restante fauna fluvial ao criar barreiras ao movimento, em ambas as direções do rio (a montante e a jusante). Muitos peixes migram ao longo de milhares de quilómetros no Amazonas, como parte do seu ciclo de vida, um percurso que envolve complexos padrões de movimento através das correntes fluviais e das planícies aluviais.
Muitas vezes, os peixes migradores movem-se a montante dos fluxos de água preta e água clara, na bacia do rio Amazonas, para desovar em extensões de água branca situadas nas nascentes Andinas. No Brasil, a lista dos peixes que fazem este percurso inclui a maioria, senão toda, das espécies de valor comercial, em termos de nutrição e económico, como o tambaqui (Colossoma macropomum) e o peixe-gato gigante (Brachyplatatystoma sp).
Os peixes que não podem migrar poderão vir a ser extintos, provocando um efeito previsível na biodiversidade – bem como na viabilidade económica – da maior bacia hidrográfica do mundo, expõe Elizabeth Anderson, diretora dos programas de pesquisa internacional da School of Environment, na Universidade Internacional da Florida. «Trata-se de algo importante a nível global do ponto de vista da preservação.»
A localização faz toda a diferença. As barragens construídas na zona inferior de um sistema fluvial geralmente precisam de grandes reservatórios para criar uma fonte de pressão de água dependente, durante o ano inteiro, de forma a acionar as turbinas elétricas. As barragens elevadas situadas na parte da nascente de um sistema fluvial têm a vantagem de usufruir de declives mais acentuados, sendo que alguns projetos funcionam com quaisquer reservatórios, afirma Dr. Clinton Jenkins, um ecologista e professor convidado no Instituto de Pesquisas Ecológicas, no Brasil. «Os verdadeiros impactos da biodiversidade, o verdadeiro caráter endémico das espécies, encontram-se nas partes mais altas da Amazónia, nos Andes. Existem imensas barragens lá; é um dos centros mundiais em extinção,» explica ele.
Atualmente existem 412 barragens hidroelétricas principais a funcionar, em construção ou planeadas para a bacia do Amazonas ou nas suas nascentes, informou, em abril, o The Guardian in April. Esses planos acabarão por trazer o “fim dos rios livres”, contribuindo, provavelmente, para o “colapso do ecossistema”. Das 412 barragens, 256 encontram-se no Brasil, 77 no Peru, 55 no Equador, 14 na Bolívia, seis na Venezuela, duas no Guiana e uma na Colômbia, na Guiana Francesa e no Suriname, refere o antropólogo Paul Little, autor de um recente estudo intitulado Mega-Development Projects in Amazonia. Little afirma que 151 das barragens envolvem cinco dos seis principais afluentes andinos que desaguam no canal principal do Amazonas.
Como é que os projetos hidroelétricos afetam os rios
Geralmente as barragens obstruem os movimentos a montante das espécies aquáticas, enquanto os reservatórios abrandam os movimentos a jusante. Um reservatório é uma barreira ecológica que substitui um fluxo rápido do rio por um habitat de água parada que mais se parece com um lago.
Grandes reservatórios já foram construídos ou estão nas suas fases de planeamento em muitas bacias hidrográficas no Amazonas, incluindo os rios do Paranã, São Francisco e Tocantins. Estudos mostram que os ovos e as larvas não circulam pelos reservatórios como fazem naturalmente pelos rios e que os peixes adultos evitam as partes internas dos reservatórios. Descobriu-se que a barragem de Coaracy Nunes, em Amapá, Brasil, tem um impacto significativo na abundância de peixes, biomassa e riqueza de espécies a montante, com menos migrantes de longa distância a montante, tendo sido encontrados pequenos peixes no próprio reservatório.
A jusante, as barragens podem afetar o local de desova ao alterar os padrões de descarga, a temperatura e a qualidade da água. A inibição do fluxo a jusante significa menos comida para os peixes e mais ovos e alevinos que morrem – por vezes ao passarem pelas turbinas hidráulicas ou pelos vertedouros. O efeito é mais forte quando as barragens estão localizadas no leito principal em oposição aos afluentes.
Uma vez que a diversidade de peixes é tão vasta na Amazónia – novas espécies são encontradas em quase todas as jornadas de recolha de amostras –, o impacto que as barragens e os reservatórios irão ter em espécies específicas ainda é, em grande parte, desconhecido. Todavia, as espécies já foram registadas como extintas a nível local, tanto nas barragens do Amazonas a montante como nas situadas a jusante, incluindo a picuda (Sphyraenidae) e o patalo (Ichthyoelephas longirostris) acima da barragem da Betania, na Colômbia.
O peixe-gato gigante (Brachyplatystoma sp.), que cresce até três metros de comprimento, na bacia hidrográfica do rio Madeira, um afluente do Amazonas, é uma espécie que desperta especial preocupação. Todos os anos o peixe sobe o sistema fluvial a partir dos estuários perto da foz do Amazonas para desovar na nascente andina, no Peru e na Bolívia, um percurso perto de 3,000 milhas (aproximadamente 4827 km).
As larvas e os alevinos descem antes de fazerem o percurso como adultos, dois anos depois. Um estudo recente sugere que a construção de duas grandes barragens no rio Madeira poderá perturbar este ciclo da vida migratória, o qual, juntamente com o aumento das pressões piscatórias na Bolívia e no Peru, acabará por devastar esta espécie economicamente importante.
Os peixes não são a única vida aquática do Amazonas que será afetada. As barragens poderão degradar o habitat e os recursos alimentares dos golfinhos cor-de-rosa de água doce (Inía geoffrensis), bem como a ameaçada lontra gigante de rio (Pteroneura brasiliensis). As lontras são bastante sensíveis à atividade humana e poderiam ser afetadas pelas barragens e as restantes infraestruturas e pelos distúrbios que as pessoas trazem consigo. Os golfinhos de rio são especialistas em caçar entre os troncos das árvores quando, todos os anos, as planícies fluviais das florestas tropicais se enchem de água; estas inundações provavelmente não iriam voltarão a acontecer ou serão muito mais reduzidas, caso as barragens sejam construídas.
Quando um reservatório se enche, cria inúmeras “pontes terrestres entre ilhas”, isoladas da costa circundante, exceto por uma faixa estreita. Quaisquer vertebrados encalhados nestes dedos de terra não serão bem sucedidos, segundo um estudo publicado este ano. Uma pesquisa realizada em 37 pontes terrestres entre ilhas criadas pela barragem hidroelétrica de Balbina, no rio Uatumã, no Brasil, mostrou que mais de dois terços dos vertebrados de médio a grande porte foram extintos a nível local, perfazendo um total de 35 espécies de mamíferos, peixes e tartarugas.
As barragens também podem ter impactos de longo-alcance em criaturas muito pequenas, frequentemente com consequências negativas bastante imprevisíveis. As águas calmas ou estagnadas, que se acumulam na parte de trás das barragens, são solos férteis para doenças tropicais transmitidas por mosquitos e outros insetos e caracóis. Até os micro-organismos podem ser afetados: um estudo nos três grandes reservatórios no rio Ebro, em Espanha, descobriu um impacto significativo no bacterioplâncton de rio aquando duma comparação efetuada entre a montante e a jusante. Tais efeitos microscópicos podem aumentar a cadeia alimentar de formas inesperadas.
Soluções para as barragens hidroelétricas
Um número de soluções técnicas tem sido levado adiante para minimizar os efeitos das barragens nas populações piscícolas. O sistema de transposição para peixes, incluindo escadas, elevadores, eclusas e passagens naturalizadas, permite que eles passem sozinhos pelas barragens – teoricamente. Mas mesmo os sistemas topo de gama têm provado ser parcialmente eficazes, ou quase nada.
Na Amazónia, a alta diversidade ecológica e comportamental das espécies, torna as soluções mecânicas ainda mais difíceis de implementar, diz John Waldman, Professor de Biologia no Queens College, em Nova Iorque. «Não só as escadas para peixes não são sequer eficazes para as espécies para as quais foram criadas, como não sabemos sequer o modo como todas estas espécies desconhecidas irão reagir», diz o professor. «É pedir demasiado a uma criatura de barbatanas para usar um elevador ou subir uma escada.»
Há pouca pesquisa sobre a eficácia das passagens para peixes na América do Sul, contudo, um estudo realizado na barragem do Peixe Angical, na parte superior do rio Tocantins, não se mostrou promissor. Os movimentos piscícolas estavam restritos em ambas as direções, mas especialmente a jusante; apenas 31 das 119 espécies registadas a nível local utilizaram as escadas e, dessas mesmas, apenas 4% iam a jusante.
A única solução a longo-prazo para o dilema da passagem para peixes poderá envolver colocar de lado um certo número de rios livres, ou pelo menos uma grande parte, permitindo que os peixes possam desovar e crescer como alevinos. De acordo com uma estimativa, se se desistir de menos de 10% do potencial hidroelétrico de algumas pequenas bacias, no leste do Brasil, poder-se-á preservar quase todas as espécies de peixes lá existentes.
Num sentido mais amplo, a melhor maneira de equilibrar a preservação ambiental e a produção de energia é olhar para a Amazónia como um todo, afirma Jeff Opperman, cientista chefe de água doce na The Nature Conservancy Great Rivers Partnership. «A planificação detalhada e a identificação dos cenários de desenvolvimento equilibrado, que conservam grandes partes da bacia [do Amazonas] e que são críticas para a sua função, ao mesmo tempo, permitem razoáveis números de desenvolvimento hidroelétrico, são de importância fundamental.» A coordenação e a cooperação entre os países, incluindo avaliações do impacto ambiental transfronteiriço, poderão ajudar a manter a ligação dos rios livres desde os Andes até às planícies do Amazonas.
Fazer pressão sobre os principais investidores para implementar soluções poderia ser outro ponto de vantagem, diz Jenkins, que sugere direcionar a atenção para os Development Bank da China e do Brasil, os quais estão a conceder grandes empréstimos para os projetos de barragens na Amazónia. «Por vezes, é difícil encontrar quem está a financiar alguma coisa,» diz ele. «Mas quem possui dinheiro é quem dita as regras.»
As iniciativas da barragem amazónica, agora em curso, também carecem claramente de pesquisa científica de base necessária para avaliar as potenciais mudanças ecológicas, afirma Brent Millikan, o diretor do Programa da Amazónia, na International Rivers. Também não ajuda que os estudos de impacto ambiental sejam frequentemente apressados e realizados pelos grupos que mais interesse têm em ver as barragens construídas. «Eles tendem a varrer os problemas para debaixo do tapete,» concluiu.
No Brasil, «na maior parte das vezes, parece que a História se repete de novo, simplesmente a uma grande escala», diz Millikan, referindo-se aos antigos projetos de construção de barragens mal orientados. Muitas das barragens promovidas e construídas durante a ditadura militar no Brasil, em 1980, tiveram grandes impactos ecológicos negativos.
Uma solução alternativa seria abandonar, em conjunto, a construção de barragens como uma cura universal para as futuras necessidades energéticas da América do Sul. Graves secas prolongadas, como a que ocorre no sul do Brasil, têm mostrado aos consumidores médios o quão vulneráveis são as instalações hidroelétricas à mudança do nível e do fluxo da água. Prevê-se que a mudança climática agrave essas preocupações sobre a água. O Brasil tem bastante potencial para a energia solar, eólica e da biomassa, muito embora estas ainda estejam a começar de ser exploradas.
Millikan está cautelosamente otimista sobre o futuro da Amazónia. O aumento da atenção da comunicação social tornou um público mais vasto consciente das inerentes contradições na energia hidráulica nos trópicos e sobre as opções alternativas de energias não poluentes.
«Os movimentos sociais estão bastante ativos em chamar a atenção para o facto de que grandes barragens não fazem sentido económica, ambiente e socialmente,» sustenta. «As pessoas irão perceber que há melhores formas de fornecer eletricidade que não destroem a Amazónia.»
Este artigo faz parte de uma série de duas partes. Leia aqui a primeira parte.
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Revisão: Fernando Ferreira Alves, Diretor de curso Línguas Aplicadas, Universidade do Minho.