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Gerenciamento de estoque de peixes (e pescadores) no Rio Canaticu do Brasil

  • Nos últimos dez anos, porém, os estoques de peixes e crustáceos caíram drasticamente no Rio Canaticu;

  • Dados sobre a ictiofauna do Canaticu ajudou a construir um acordo de pesca, que regulamentaria o uso dos recursos do Rio;

  • Embora eles não possuam respaldo científico, moradores do Rio Canaticu dizem que, algumas espécies estão aparecendo em tamanhos maiores, desde que o projeto começou.

Ribeirinhos setting out to fish along the Canaticu River. Photo courtesy of Naiana Thiely.
Ribeirinhos se preparando para a pesca no Rio Canaticu. Foto cedida por Naiana Thiely.

Por décadas, o Rio Canaticu na ilha de Marajó – a maior ilha fluvial do mundo, localizada no delta do Rio Amazonas – forneceu a principal fonte de subsistência para a polução local. Nos últimos dez anos, porém, os peixes e os estoques de crustáceos têm caído drasticamente no Rio Canaticu, e espécies de peixes importantes, como o aracu (Leporinus friderici), a dourada (Spondyliosoma cantharus), o filhote (Brachyplathystomafilamentosum), o piracucu (Arapaima gigas) e a pescada (Cynoscion microlepidotus) tornaram-se escassos.

Não há dados que comprovam, mas a realidade anedótica dos habitantes do rio demonstra a real situação. “No passado, nós comíamos peixe quase todos os dias. Agora temos que comprar frango para consumir proteína animal”, diz Márcio dos Santos, que aprendeu como pescar quando tinha dezesseis anos, com seus pais. Trazido de outras partes do Brasil, o frango congelado é vendido em um supermercado em Curralinho, município onde o rio flui, no estado do Pará.

A bacia do Rio Canaticu possui uma área de cerca de 12.000 hectares. Historicamente, a pesca local tem sido essencial para a subsistência, com exceção do camarão canela (Macrobrachium amazonicum) vendido pelos chamados Ribeirinhos, pessoas do rio, comerciantes atacadistas. Eles, por sua vez, revendem o produto pra outros estados. Com o tempo, a população desse tipo de camarão tem decaído e o seu tamanho tem diminuído para algo menor do que uma unha de dedo humano (em homens adultos pode chegar até três polegadas de comprimento).

“Muitas pessoas se mudaram da cidade e interior para o Rio Canaticu na última década”, diz Manoel Potiguar, gerente de projeto do Peabiru Institute, uma organização sem fins lucrativos focada no desenvolvimento de comunidades centrais amazônicas dos estados do Pará, Amapá e Maranhão. Curralinho possui 30.000 habitantes e cerca de 25 por cento dos moradores moram nas margens do rio.

“Nós começamos a assistir o rio, porque estávamos preocupados com a redução de estoque de peixe. Isso foi quando descobrimos que, o problema estava sendo causado por nós mesmos. A única coisa que nós estávamos preocupados era com a pesca em grandes quantidades”, admite Assunção Novaes, presidente da colônia de pescadores de Curralinho. Em 2012, ele e outros ribeirinhos procuraram o Instituto Peabiru, que tinha conduzido uma pesquisa socioeconômica da população de Marajó alguns anos antes. “Nossa intenção era confirmar que a escassez de peixe era devido ao excesso de pesca e, com isso, tentar achar soluções”, diz Novaes.

A organização, também, contratou o Centro de Genômica e Biologia de Sistemas da Universidade de Pará (UFPA) para estudar o ictiofauna do Rio Canaticu. Os dados ajudariam a construir um futuro acordo de pesca para regulamentar o uso dos recursos do rio.

“A preparação do acordo de pesca seria mediada pela organização não governamental, mas os pescadores se responsabilizariam pela definição das regras, de acordo com sua longa coexistência com o rio”, disse Potiguar.

Mapping the Canaticu River. Photo courtesy of Instituto Peabiru.
Mapeando o Rio Canaticu. Foto cortesia do Instituto Peabiru.

Entre 2013 e 2015, representantes de 29 comunidades de rios se reuniram no total de 23 vezes para discutir os problemas do Rio Canaticu. Durante esse mesmo período, um time de biólogos da UFPA saiu para expedições ao longo do rio – que se refere ao alto, médio e baixo Canaticu. “A ideia era obter conhecimento cientifico das espécies na região”, diz a coordenadora do projeto, Patrícia Schneider.

No começo, com a aproximação do time, os ribeirinhos corriam e se desapareceriam na floresta. “Despois de algum tempo, nós entendemos o motivo: eles pensaram que nós queríamos vaciná-los. Desde então, começamos a vestir camisetas com o logotipo do projeto”, diz Patrícia Schneider.

Diferente do clássico estudo do ictiofauna – que consiste em levar todos os peixes para o laboratório para análises – o time da UFPA optou por seguir os pescadores no rio e os moradores locais, anotando características das espécies, tal como peso e tamanho. “Foi a melhor decisão tomada, dada a escassez de peixes e camarões”, diz Schneider. “Extraímos, apenas, um pedaço pequeno de pele de cada amostra para identificação futura, incluindo detalhes genéticos”.

Durante 10 dias, a cada mês, os cinco biólogos se dividiram em pequenos grupos para cobrir as três áreas do rio, e normalmente contratavam pessoas a mais que conheciam a região para conduzi-los em redor em pequenos barcos.

“É preciso oito horas de viagem apenas para chegar ao topo do Canaticu, uma das áreas mais importantes de reprodução de peixes e onde há uma reserva extrativista (RESEX Terra Grande Pracuúba)”, diz Schneider. O local é usado como um berçário para algumas espécies de peixes, de onde eles saem para correr ao longo do curso do rio. Por ser uma área de desova, há uma grande preocupação para sua preservação.

Os pesquisadores também realizaram entrevistas, examinaram o equipamento de pesca, e falaram cobre a proteção do meio-ambiente. Esse projeto iria passar a recolher dados de dois anos durante a estação das cheias (de dezembro a maio) e a estação seca (de junho a setembro).

A traditional fisherman heads out at dawn. Photo courtesy of Naiana Thiely.
Um pescador tradicional dirige-se ao amanhecer. Foto cedida por Naiana Thiely.

 

Muitos pescadores contaram aos biólogos que não somente a quantidade te peixe diminui, mas também o tamanho das espécies tinha encolhido. Os ribeirinhos pensaram que outro tipo de camarão – outro além do camarão-canela – tinha surgido no rio, uma vez que o tamanho era muito menor. Mais tarde, a equipe descobriu que as espécies estavam, na verdade, sendo pescadas em uma idade jovem, antes mesmo de atingir a maturidade sexual, impedindo o crescimento e sua reprodução. “Nós encontramos setenta tipos de espécies e, quinze deles, os mais favorecidos (por possuir mais carne), estavam em um estado de sobrepesca”, diz Schneider.

De acordo com Santos, moradores sabem que não podem pescar durante o período de defeso, de janeiro a abril. Mas, eles fazem isso mesmo assim, pois é mais fácil pega-los quando eles nadam rio acima para desovar.

Desde os anos de 1980, os métodos tradicionais de pesca – feitos com armadinhas e ganchos, entre outros – começaram a serem substituídos por equipamentos de alcance maior no Rio Canaticu. As redes de emalhar feitas de nylon com até 330 pés de comprimento (ou, às vezes, mais longas), são algumas das novas formas utilizadas para capturar todos os tipos de espécies de todos os tamanhos. A pesca excessiva tinha reduzido os estoques e os pescadores diminuíram a quantidade de tempo entre os nós para capturar os peixes que foram deixados. “Muitos ainda cobrem as margens do rio com redes bem antes da desova”, diz Potiguar.

Igualmente insustentável é o uso do popular “timbó” (Ateleia glazioviana), uma planta tóxica que, a partir do qual, os ribeirinhos extraem um líquido que é jogado no rio. O veneno se espalha na água e intoxica e mata os peixes, que se tornam mais fáceis de apanhar. “Essa substância contamina o meio ambiente, não mencionando a saúde das pessoas (que consomem os peixes)”, diz Schneider.

Nos próximos meses, os resultados recolhidos pela equipe de biólogos, durante seus dois anos de pesquisa, serão publicados no Journal of Applied Ichthyology.

Além de ajudar a investigação de pesquisa, as reuniões dos ribeirinhos, também, têm ajudado a aumentar a consciência ambiental. “Tem havido muito debate e, ao final de cada reunião, os representantes trazem as informações para suas respectivas comunidades, e, em seguida, discutem as propostas entre si”, diz Potiguar.

Foi através deste processo que as regras de pesca foram criadas. O documento tem 16 regras: o uso de redes de emalhar e outros instrumentos de pesca só são permitidos de acordo com os limites estabelecidos pela comunidade do rio e indicados por sinais de alerta; a pesca, o abate, o transporte e a venda de jacarés e tartarugas estão proibidos por período indeterminado; é proibido o uso de artes de pesca, tais como explosivos, lança mergulho e redes de arrasto; o uso de linha e varetas só é permito nos topos do rio e nas áreas de viveiros.

Desde que, o arquipélago do Marajó é considerado uma área ambientalmente protegida pela Constituição do Estado do Pará, o acordo Canaticu deve ser aprovado por decreto do Instituto Florestal do Desenvolvimento e Biodiversidade (Ideflor-bio), órgão que administra as unidades de conservação estaduais. O acordo de pesca foi arquivado pelo Ideflor-bio em março de 2015.

Uma grande parte da comunidade ribeira acredita que, a conformidade com os regulamentos das pescas irá melhorar a sua situação no longo prazo. “Já existem acordos de pesca bem sucedidos na Amazônia, e o nosso foi feito com base em nossas condições locais”, diz Novaes. A supervisão será conduzida pelas autoridades ambientais competentes, mas os ribeirinhos ajudarão a monitorar a pesca no rio. “Todos terão que seguir as regras, e aqueles que as desafiarem, estarão sujeitos a penalidades previstas em lei: multas, suspensão de pesca, confiscação de equipamentos e, até mesmo, prisão”.

Nem todos, no entanto, concordam com as regras. De acordo com o presidente da associação de pescadores, cerca de 30 por cento da população ribeira é contra elas. Santos, do Instituto Peabiru, estima que 30 a 40 por cento dos ribeirinhos ainda continuam a pescar durante o período de desova (“eles são, geralmente, mais velhos e aposentados”, explica ele). De acordo com Potiguar, o desacordo representa uma minoria, “mas nosso medo é que eles acabam por influenciar os outros”. Nascido em Ourém, Pará, formado em sociologia, Potiguar acredita que, essa postura tem a ver, em partes, com uma chamada “mentalidade trapaceira”: “Algumas pessoas pensam: ‘ eu vou apenas cumprir as regras, se meu vizinho fizer o mesmo’ ou ‘se o controle das pescas é bem executado’. É por isso que a educação ambiental é muito importante”.

Embora haja uma falta de respaldo científico, os moradores do Rio Canaticu dizem que, algumas espécies têm aparecido novamente em tamanhos maiores, desde o início do projeto, há mais de dois anos trás. “O primeiro foi o camarão canela. É mais rápido para seus cardumes se recuperam, pois passam por dois a três dias se reproduzindo, a cada duas semanas”, diz Novaes. A pescada, o aracu e o tucunaré também estão voltando, mesmo que mais lentamente, para as tabelas dos pescadores. “Agora, que os ribeirinhos estão vendo o rio mudar, o respeito (pelo nosso projeto) é ainda maior”, diz Santos.

A biologist with the Instituto Peabiru team examines the size of fish caught along the Canaticu River. Photo courtesy of Patricia Schneider.
Com a equipe do Instituto Peabiru, um biólogo examina do tamanho do peixe pescado no Rio Canaticu. Foto cedida por Patrícia Schneider.
The samples are taken to the genetics lab. Photo courtesy of Patricia Schneider.
As amostras são levadas para o laboratório de genética. Foto cedida por Patrícia Schneider.
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