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O Congresso Brasileiro avança para acabar com as salvaguardas ambientais do país

  • Uma Comissão do Senado brasileiro está rapidamente, e silenciosamente, a avançar com uma emenda constitucional (PEC 65) que acabaria com a necessidade de aprovações de avaliação ambiental para projetos de obras públicas no Brasil, que vāo desde barragens na Amazónia até estradas, canais, e infra-estrutura para exploraçāo de petróleo.

  • PEC 65 devastaria o meio-ambiente do Brasil e grupos indígenas, tirando proteções legais, agora garantidas, da construção de novos projectos de infra-estrutura, dizem os grupos ambientais, que foram surpreendidos e que se estão a mobilizar para parar a aprovaçāo desta emenda.

  • O senador Blairo Maggi, que propôs a alteração, é proprietário de empresas que produzem e exportam soja, e que desenvolvem a infra-estrutura do setor de soja (construção de terminais, estradas e vias hídricas).

  • Maggi provavelmente beneficiaria financeiramente da construção nāo só de um sistema de canais capazes de transportar produtos de soja do interior do Brasil, mas também das barragens propostas para a bacia do Tapajós – a primeira das quais, a barrage de São Luiz do Tapajós, que viu a sua licença ambiental cancelada pelo IBAMA, órgão licenciador do Brasil, em Abril.

Brazil's Belo Monte dam under construction. Dozens of new dams are proposed for the Amazon. If approved, the new constitutional amendment would fast track them and not allow for many currently existing environmental protections. Photo courtesy of Lalo de Almeida/Folhapress
Construçāo da barragem de Belo Monte no Brasil. Dezenas de novas barragens foram propostas para a Amazónia. A nova emenda constitucional, se aprovada, acelera tais projectos e não permite a revisão ambiental. Fotografia cedida por Lalo de Almeida / Folhapress

Uma comissão do Senado brasileiro – camuflada pela turbulência política em Brasília – aprovou discretamente uma emenda constitucional que destrói as salvaguardas ambientais exigidas atualmente para obras públicas.

Se for ratificada, a alteração poderia dar luz verde, e aprovação rápida, a grandes projectos de infra-estruturas em todo o país, incluindo o controverso projeto hidro-elétrico de São Luiz do Tapajós. Tal movimento poderia devastar a vida selvagem do país e o meio-ambiente, e causar danos significativos em grupos indígenas.

Organizações ambientalistas descobriram tardiamente, a 27 de Abril, que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aprovou uma emenda constitucional (PEC 65), que estabelece que, se um empreiteiro está a realizar uma obra pública, o projeto não pode ser suspenso nem cancelado, desde que o empreiteiro apresente um estudo de impacto ambiental básico.

Na prática, esta lei aboliria o actual processo extensor de licenciamento ambiental do Brasil, que avalia cuidadosamente a viabilidade ambiental de projetos de infraestrutura. Organizações ambientais, horrorizadas com o potencial impacto sobre as comunidades locais e a biodiversidade do país, estão a organizar uma tentativa de última hora de parar a aprovaçāo desta alteração na sua passagem pelo Congresso.

Indigenous Brazilian chiefs from the Kaiapos tribe livinf in the Xingu River basin Photo by Valter Campanato, courtesy of Agência Brasil
Chefes indígenas brasileiros da tribo Kaiapos, que vivem na bacia do rio Xingu, onde a barragem de Belo Monte foi construída. A alteração proposta retira aos grupos indígenas as proteções agora fornecidas pelo processo de licenciamento de projetos de infra-estrutura no Brasil. Fotografia de Valter Campanato, cedida gentilmente pela Agência Brasil

O político que lidera o esforço de aprovar a PEC 65 é o senador Blairo Maggi. O ex-governador do estado de Mato Grosso é dono do grupo Amaggi, uma grande empresa que produz, colhe e exporta soja. Outra das suas empresas desenvolve a infra-estrutura para o setor da soja, como seja a construção de terminais, estradas e vias hídricas.

Maggi está, portanto, em posição priveligiada de poder beneficiar financeiramente, e em grande quantidade, pela construção das barragens e canais propostos para a bacia Tapajós na Amazónia que facilitam o transporte da soja, do interior para um novo porto na costa brasileira, com a finalidade de exportar internacionalmente a soja, especialmente para a China, através do canal proposto para Nicarágua. Ironicamente, a alteração proposta por Maggi surgiu poucos dias depois do IBAMA, agência de licenciamento ambiental do Brasil, ter rejeitado a licença para a construção da barragem de São Luiz do Tapajós na bacia do Tapajós. Tal ação seria praticamente impossível se esta alteração for aprovada.

Os senadores brasileiros apresentaram o caso para a alteração num documento de três páginas, em que afirmam que “a proposta é uma inovação de ordem jurídica”, uma vez que não permite “a suspensão de uma obra pública ou o seu cancelamento após o apresentação de um estudo de impacto ambiental, salvo em casos excepcionais”. Argumentam ainda que a razão para a mudança é “garantir velocidade e contençāo de custos nas obras públicas”.

The anti-environmental constitutional amendment million people took to the streets on March 13, 2016 to protest the vast extent of corruption in Brazil’s government and its oil and construction industries. Photo by Rovena Rosa courtesy of Agência Brasil
A emenda constitucional anti-ambiental está a ‘passar’ pelo Congresso num momento em que as pessoas no Brasil estão distraídas com a agitação política. Aqui retratado: um milhão de pessoas vão às ruas a 13 de Março de 2016 para protestar contra a vasta extensão da corrupção no governo do Brasil e suas indústrias de petróleo e construção. Fotografia de Rovena Rosa, cedida gentilmente pela Agência Brasil

Actualmente, existem três fases na avaliação ambiental de um projeto público no Brasil. A primeira fase consiste na concessão de uma “licença provisória”, que é uma autorização para um estudo de impacto ambiental. Depois disso, se o projeto for considerado viável, é emitida uma “licença de instalação”. O trabalho é então monitorizado, podendo ser impostas condições adicionais. Só depois de uma terceira licença – a “licença de operação” – ser emitida é que o projeto pode entrar em operação. O mesmo procedimento é necessário para todas as obras públicas, seja uma estrada, uma barragem hidro-elétrica, ou uma plataforma de petróleo. Se a PEC 65 for aprovada, as três fases tornam-se redundantes.

A alteração proposta está a causar consternação entre os ambientalistas.

O Instituto Socioambiental (ISA), uma grande ONG brasileira, emitiu um comunicado no qual disse que “se a PEC 65 for aprovada, vai causar inúmeros impactos negativos”. O ISA previu que, sem medidas para prevenir e mitigar os impactos negativos das obras públicas, o Brasil teria de enfrentar muitos mais desastres socioambientais, como o de Mariana, no estado de Minas Gerais, onde a 5 de Novembro de 2015, uma barragem, contendo restos de minério de ferro, desabou, matando 19 pessoas, e causando danos ambientais generalizados, dispendiosos, e de longo prazo, no Rio Doce. Promotores brasileiros exigiram recentemente uma enorme compensaçāo financeira, na ordem dos R $ 155 mil milhões (US $ 43,7 biliões), ao grupo de mineração BHP Billiton e a sua parceira, Vale.

Sandra Cureau, alto-quadro do Ministério Público Federal, disse que estava “perplexa” com a emenda constitucional, que numa só penada “destrói a legislação ambiental do país”.

Como em muitos países, a aprovaçāo de uma emenda constitucional no Brasil é um procedimento complexo de vários passos, que normalmente demora bastante tempo, permitindo a sua supervisão e comentários por parte do público. Antes de se tornar lei, a PEC 65 deve ser aprovada pelo plenário do Senado. Em seguida, vai à Câmara dos Deputados, onde se for aprovada, retorna para o Senado, para ser novamente aprovada; e, finalmente, o Presidente tem a possibilidade de exercer o direito de veto.

Em condições normais, isto permitiria tempo suficiente para o debate. Na verdade, houve uma tentativa em 2012 para aprovar a mesma alteração, mas foi interrompida. No entanto, com o Congresso totalmente absorvido na tentativa atual de acusar a presidente Dilma Rousseff, pouca atenção está a ser canalizada para outros assuntos, incluindo alterações constitucionais. Ninguém sabe sequer quem será o presidente do país quando, ou se, a PEC 65 chegar à sua mesa para assinatura (aprovaçāo) ou veto.

O que está claro é que a pressa e o sigilo com que a emenda foi empurrada para a frente, pelo senador Blairo Maggi e seus aliados, não augura nada de bom no que toca a uma discussão pública vibrante de uma emenda constitucional que, se aprovada, teria grandes impactos ambientais e sociais desde o Atlântico, à Amazónia, até à Cordilheira dos Andes.

Important rain forest habitat along the Napo River and other major Amazon tributaries would be put at risk by the amendment. Photo by Jeremy Hance
Importante habitat florestal ao longo do rio Napo, e de outros grandes afluentes do Amazonas, seria colocado em risco pela emenda constitucional proposta. Fotografia de Jeremy Hance
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