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Alto funcionário do Vaticano afirma: ação nas mudanças climáticas é “imperativo moral”

  • O cardeal Peter Turkson assessorou a elaboração da encíclica do Papa sobre a mudança climática, Laudato Si, sobre o cuidado com nossa casa comum, e lidera o Pontifício Conselho Justiça e Paz. Em entrevista concedida ao Mongabay, ele destaca as estratégias da Igreja antes e depois das históricas discussões sobre o Acordo de Paris.

  • A Igreja Católica exerceu um papel inspirador na abertura das discussões, e não foi por mero acaso que o tom do linguajar utilizado no preâmbulo do Acordo de Paris foi aquele presente na encíclica do papa, diz Turkson.

  • O papa Francisco agora está promovendo a “colaboração entre as religiões” para proteger os pobres e os mais vulneráveis contra a mudança climática, para encorajar os líderes mundiais a manterem os níveis de carbono com os quais se comprometeram, e para educar os seguidores em relação à importância de enfrentar os desafios das mudanças climáticas juntos.

Cardinal Peter Turkson prior to the June 17, 2015 press conference at the Vatican, which introduced Pope Francis’ climate change encyclical, Laudato Si, On Care for Our Common Home. The document was timed to positively influence the outcome of December’s Paris climate talks. Photo courtesy of the Vatican.
Cardeal Peter Turkson antes da conferência de imprensa no Vaticano no dia 17 de junho, na qual foi apresentada a encíclica sobre a mudança climática, Laudato Si, sobre o cuidado com nossa casa comum, ao papa Francisco. O documento foi criado para influenciar de forma positiva os resultados das conversações sobre o clima no encontro de dezembro em Paris. Foto: cortesia do Vaticano.

Logo após a repentina renúncia do papa Benedito XVI em fevereiro de 2013, pessoas com acesso à informações privilegiadas no Vaticano começaram a fazer previsões. O próximo papa, muitos diziam, seria totalmente diferente. Ele viria de um continente onde o catolicismo estaria em franca expansão. Seria africano. Seria o arcebispo de Cape Coast, em Gana. Seria Peter Turkson.

A escolha, sabemos agora, foi dramática. Os cardeais da Capela Sistina deixaram a Europa de lado e, pela primeira vez, escolheram um latino-americano – papa Francisco, da Argentina. Por sua vez, Francisco designou Turkson responsável por uma das mais importantes prioridades do seu papado: a presidência do Pontifício Conselho Justiça e Paz.

Por 18 meses, Turkson conduziu o esboço da encíclica papal, um documento informativo da ordem superior que apresenta a posição do papa a respeito da mudança climática. Assim, Laudato Si, sobre o cuidado da nossa casa comum faz um apelo firme para que o planeta Terra seja salvo da ruína reduzindo-se o consumo incessante e insustentável de recursos naturais.

O documento de 180 páginas chegou em um momento crítico. Publicado em junho de 2015, ele teve como objetivo pressionar os líderes mundiais a tomarem providências sobre a mudança climática – o que foi feito em dezembro na CPO21, Conferência das Partes da ONU sobre as Mudanças Climáticas, em Paris.

Três dias após a COP21 ter produzido o histórico acordo de Paris, eu entrevistei com exclusividade Turkson, 67 anos, na ornamentada sala de recepção do Vaticano, do lado externo do seu escritório abarrotado com documentos. Ele foi franco, espontâneo, direto, e até mencionou abertamente, diversas vezes, o escândalo de pedofilia da Igreja. Turkson deixou claro que a Santa Sé – uma delegação de apenas quatro pessoas em Paris – marcou presença no acordo final sobre o clima. Assim como o papa Francisco.

Mongabay: Quando você lê o preambulo do acordo de Paris, metade dele parece ter sido extraído do Laudato Si com referências à pobreza, criação do trabalho decente e preocupação comum com a humanidade.

Turkson: Era isto o que a nossa delegação tinha em mente. A força verdadeira veio de lá. Ele marca o tom do documento inteiro. Nosso desejo era ver como poderíamos produzir um impacto. Tentamos ver se poderíamos engajar outras pessoas com a mesma forma de pensamento.

Se você encontrar alguma ressonância entre este [preâmbulo] e o papa Francisco, não é por acaso. Como você escutou no salão [em Paris] a Santa Sé não foi o único grupo que falou sobre o Laudato Si Muitos outros representantes fizeram referências ao documento. O Laudato Si não parecia algo estranho para Laurent Fabius [o presidente da COP21]. Ele também tinha conhecimento.

Cardinal Turkson in the Vatican reception room outside his office during his interview with Mongabay contributor Justin Catanoso, just days after the conclusion of the Paris Climate Summit. Photo by Justin Catanoso.
O cardeal Turkson no sala de recepção do Vaticano, do lado de fora do seu gabinete, durante a entrevista com Justin Catanoso, colaborador do Mongabay, dias após a conclusão da COP21.Foto:Justin Catanoso.

Mongabay: Antes da sua chegada a Paris, o Sr. conversou com o papa Francisco sobre o que ele gostaria que acontecesse?

Turkson: Não. Isto já havia sido feito previamente. Ele não estava indo a Paris. Mas sabia que o grupo iria.

Mongabay: De que forma ele instruiu o Sr. e a sua delegação sobre o que dizer?

Turkson: O imperativo moral é que estamos comprometidos em uma trajetória na qual não podemos nos dar ao luxo de retroceder, e necessitamos ter um compromisso com a ação. Portanto, o que ele [papa Francisco] queria dizer era claro. Ele não precisava estar lá para tornar aquelas questões convincentes. Ele confiava nos negociadores, acreditava que alguma coisa boa aconteceria para a humanidade.

Mongabay: É por isso que os observadores dizem que o Laudato Si foi publicado em junho – para que as pessoas pudessem ler e entender os princípios bem antes da conferência de dezembro, que o papa Francisco queria ter esta influência.

Turkson: Aquela que esteve presente ainda quando teve a ideia de escrever a encíclica. Desde a primeira missa do seu pontificado na Praça São Marcos [no dia 14 de março de 2013], coincidindo com a festa de São José, na homília, ele havia exaltado o povo para ser como São José, um protetor. Tornem-se protetores do meio ambiente.

Para que se possa quase dizer que não foi o papa que veio com esta ideia apenas no ano passado. Ele estava pensando nisto há um bom tempo. Desde que era bispo. Ele teve que lidar com algumas destas questões na Argentina.

Mongabay: Falando com seus colegas, e por ter estado lá pessoalmente, qual foi a sua reação com o acordo de Paris?

Turkson: Todos sabiam que haveria concessões, toma-lá-dá-cá. Como em todas as situações de concessão e negociação, provavelmente alguns sentiram que cederam muito. Logo após a assinatura do documento, o representante da Nicarágua disse que tinham acabado de adiar a questão; que na verdade não tinham se envolvido completamente. Se tivéssemos conversado com todos os participantes, alguns teriam dito que foi excelente, outros não. Isto já era esperado.

Mongabay:Para o Sr., qual foi a maior repercussão do acordo?

Turkson: Penso que ainda existam muitos do clima. E o que aconteceu em Paris teve a vantagem de enviar um sinal a muitas pessoas que ainda têm dúvidas com relação à mudança climática. Por que tantas pessoas estariam interessadas em desperdiçar tempo em Paris se isto não fosse um problema real? Isto deveria fazê-los refletir um pouco mais.

Também faz com que os estados mais vulneráveis tenham uma voz real. Compaixão não é a linguagem dos fóruns internacionais como a COP, mas no mínimo [os negociadores agora podem] falar sobre a solidariedade e a habilidade para lidar com outras pessoas, e contemplar os seus pontos de vista. Há algo muito nobre com relação a tudo que eles tentaram fazer em Paris.

Eu creio que o entendimento que [os negociadores] tentaram oferecer a cada outro: as pessoas tentaram compreender as situações alheias daqueles vindos de estados vulneráveis. Também abordaram a complexidade que eles enfrentam – das coisas que causam danos ao meio ambiente, como a extração e a perfuração, e a disponibilização de trabalhos que as pessoas precisam.

[O acordo de Paris] é uma chamada mútua pelo entendimento que não ocorre por acaso. Eles ainda tem que dar espaço para todas estas posições e opiniões diversas.

Cardinal Turkson during a presentation at COP21 in Paris. The Vatican delegation worked closely with climate negotiators, and the encyclical is said to have influenced the language in the final Paris Agreement preamble. Photo by Justin Catanoso.
O cardeal Turkson durante a apresentação da COP21 em Paris. A delegação do Vaticano trabalhou atentamente como os negociadores do clima, e a encíclica parece ter influenciado o tom do preâmbulo do acordo final. Foto:Justin Catanoso.

Mongabay: Há muitas referências aos pobres e vulneráveis no Acordo, assim como no Laudato Si.

Turkson: Sim. Existe um senso de que todos são merecedores de dignidade. Esta é a nova linguagem. Mas é a mesma preocupação com relação aos vulneráveis e com aqueles cuja dignidade está em risco. É a mesma preocupação. Acredito que fizeram espaço para este tipo de expressão no documento.

Mongabay: Os críticos dizem que o acordo é frágil, e porque foi amplamente voluntário, pode facilmente ser quebrado.

Turkson: Talvez, mas até a Carta das Nações Unidas apresenta fragilidade. No final das contas – e esta será uma importante contribuição do papa Francisco – há de se ter um apelo ao coração humano. Quando o coração não estiver envolvido nisto, teremos problemas.

Mongabay: Muito do acordo de Paris é monitoramento, medição e responsabilidade. O Sr. vê o papa Francisco fazendo o papel de alguém que vai pedir aos maiores países do mundo para que mantenham as promessas feitas?

Turkson: Ele nunca vai fazer o papel de policial! O papa Francisco, todavia, lembrará as pessoas sobre esta consciência e o sentido de comprometimento moral. Ele é basicamente um pastor. E o papel do pastor é o de elevar a visão das pessoas para um plano mais alto, do puramente mundano para o superior e o divino. Quando ele discursou no Congresso dos Estados Unidos [em setembro] …muitos acharam que não havia sentido para alguém como o papa estar lá. Mas lá estava ele, um pastor. E ele fala como tal.

É um papel insubstituível. Esta é uma característica dele – convidar os estados, ou diferentes ciências, para fazer espaço para a voz da religião, ou para a voz da fé, quando temos questões confrontando toda a humanidade.

Cardinal Turkson often now finds himself surrounded by world media and acting as a spokesperson for the pope’s encyclical on climate change. Photo courtesy of the Vatican
O cardeal Turkson anda cercado pela mídia mundial ultimamente, desempenhando o papel de porta-voz da encíclica do papa sobre a mudança do clima. Foto: cortesia do Vaticano

Mongabay: Isto tudo é novidade, o papa se tornar líder de um problema secular. Esta função se assemelha com o que?

Turkson: Na figura do papa Francisco, você enxerga consistência, a consistência de uma pessoa que está ensinando aos povos quem ele é. Ele não está desempenhando um papel temporário. Ele não está fingindo. Ele é assim. Se ele se sente seguro o bastante para tocar neste assunto – Laudato Si – é porque ele acredita que isto seja necessário para a humanidade. Está no seu coração. E vai permanecer com ele.

Mongabay: A preservação das florestas é um tópico significante do acordo de Paris[2].O Laudato Si[3]requereu muito esforço para descrever os serviços ecossistêmicos fornecidos pelas florestas mundiais.

Turkson: Se as pessoas sentem necessidade de ter o chão e as paredes de madeira, isto é um problema. Enquanto houver este tipo de consumo, elas [as florestas] não deixarão de ser devastadas. Mas quando isto mudar, elas permanecerão intocadas. A extração de madeira pode ser feita de forma sustentável. As indústrias deveriam gastar dinheiro no replantio de árvores. Os países frequentemente são pagos pelas companhias para fazer o replantio, mas isto acaba não ocorrendo.

Eu sou de Gana…E lá há muita extração de madeira. Muitas árvores são derrubadas. O governo recebe das madeireiras, mas nada é feito. Se eu estivesse encarregado, obrigaria as companhias a fazer o replantio. Como você sabe, os governos se encarregam por alguns anos, e depois disto, quem cumpre a política? A questão básica do Laudato Si é: Que tipo de mundo vamos deixar para as nossas crianças? Isto deve conduzir todas estas decisões. Mas este fato não está acontecendo.

Mongabay: Que o papel que o Vaticano desempenhará para encorajar que documentos como o [2]Laudato Si[3]e o acordo de Paris tornem-se parte dos ensinamentos das dioceses e paróquias da Igreja Católica no mundo?

Turkson: O Conselho Pontifício Justiça e Paz tem uma estrutura correspondente em cada diocese no âmbito da Conferência Episcopal. Em cada diocese, deve haver uma Comissão de Justiça e Paz. Ela é a base. É assim que chegamos lá. Começa aqui, segue para cada diocese e então, para o âmbito paroquial.

Mongabay: É como se fosse um exército, com 1,2 bilhão de membros, se organiza.

Turkson: Esta é a Igreja Católica. É uma organização grande onde sempre há uma hierarquia em ação. Mesmo quando não vemos o papa, sabemos que durante a missa o sacerdote sempre reza por ele. Trata-se de uma estrutura que tenta tornar uma realidade aquilo que é de conhecimento do seu cerne.

Cardinal Peter Turkson guided the drafting of Laudato Si, On Care for Our Common Home, and heads the Vatican’s Pontifical Office of Justice and Peace.. Photo courtesy of the Vatican.
O cardeal Peter Turkson assessorou a elaboração da encíclica do Papa, Laudato Si, sobre o cuidado com nossa casa comum, e lidera o Pontifício Conselho Justiça e Paz. Foto: cortesia do Vaticano.

Mongabay: Em decorrência do Laudato Si, e do papa Francisco, muitos consideram este movimento católico quando tratamos da proteção ambiental.

Turkson: Também tem sido chamado de fator papa Francisco.

Quando as pessoas olham para o papa Francisco, elas querem compará-lo com seus predecessores. Isto é útil algumas vezes, mas não muito. Francisco não pode ser comparado com Benedito, nem com João Paulo II. Ele se tornou papa aos 76 anos, João Paulo aos 58.Benedito se tornou papa após ter sido líder de uma congregação. Francisco teve um passado pastoral. Entretanto, ambos se tornaram chefes da mesma instituição.

Quando o papa Francisco assumiu o cargo, a igreja tinha sérios problemas. Não que todos eles foram todos resolvidos. A pedofilia [entre os padres] estava no ápice. Certo? Com muitas acusações e tudo mais. A igreja que o papa Francisco herdou tinha muitas feridas. Não que as feridas foram cicatrizadas. Mas o seu senso próprio de liderança, simplicidade, autenticidade e credibilidade ajudaram a deixar para trás todas estas coisas ruins.

A igreja ganhou, desta maneira, muita credibilidade. Assim sendo, se este é o momento para a Igreja Católica, isto é por causa da sua liderança.

Mongabay: Mongabay: Então quer dizer que ele tratou destes escândalos debilitantes primeiro para assim abrir caminho para o Laudato Si e com a mensagem “sobre o cuidado com nossa casa comum?”?

Turkson: Sim. Não quer dizer que Benedito não tenha feito nada. Mas o estilo de liderança de Francisco é diferente. Você [já não] abre o New York Times e lê todos os dias sobre pedofilia e todos estes escândalos .É como se fossem coisas do passado.

Mongabay: Quando eu pergunto sobre o momento católico, não é apenas sobre Francisco, é sobre os povos de todas as fés os quais o papa chamou para esta causa. É este o momento em que as pessoas de fé preenchem a falta de liderança que existe na proteção do ambiente?

Turkson: Francisco está promovendo a colaboração entre religiões justamente com esta finalidade. Isto [3]poderia ser [4]um momento católico. Há um traço evangelista liderado pelo próprio papa. Ele está fazendo este papel. É verdade, um momento católico ou cristão – para melhor ou para pior.

Justin Catanoso é diretor de jornalismo da Wake Forest University e fez a cobertura da COP21 em Paris para o Mongabay. O seu relatório sobre a mudança climática é apoiado pelo Centro para Energia, Meio Ambiente e Sustentabilidade da Wake Forest e pelo Centro Pulitzer para Reportagem de Crise, em Washington.

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