A propagação do mosquito não é apenas causada por condições meteorológicas e pela falta de consciência, mas sim por um sério problema ambiental no Brasil;
A urbanização no Brasil tem levado ao desmatamento de grandes áreas verdes, destruindo ecossistemas em que, os mosquitos e seus predadores usavam para se reproduzir.
Uma metade estimada da população mundial vive em áreas onde os mosquitos que podem espalhar a Zika são predominantes, e a OMS está preocupada que o número de casos poderia saltar para quatro milhões este ano, somente no Hemisfério Ocidental.
Há quase cinco meses, Liana Azeredo evita caminhar nas ruas de Rio de Janeiro durante o dia. Mesmo sob o intenso calor da cidade, ela prefere blusas compridas e calças. Dentro de sua bolsa, ela carrega repelente e pulseiras coloridas com citronela.
A mudança na vida de Liana é devido ao medo do Aedes aegypti, o mosquito que transmite doenças como a dengue, chikungunya e Zika. Embora todos os três são considerados doenças graves, o maior medo de Liana é ser contaminada pelo vírus Zika, que tem sido apontado como a causa da microcefalia em bebes ainda em gestação. Liana está grávida e, como tantas outras mulheres do Brasil, ela se sente muito vulnerável.
A ligação entre o vírus Zica e casos de microcefalia começou a ser investigada no estado de Pernambuco, no nordeste do Brasil, no segundo semestre de 2015, quando um surto de malformação de bebes começou a aparecer , juntamente com um salto nos casos de Zika. O estado, que geralmente relata cerca de 130 casos por ano, está investigando mais de 4.000 casos, atualmente.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou uma emergência global, desde que o vírus foi detectado em mais de 50 países, e desde que os primeiros casos brasileiros foram registrados no ano passado. Uma metade estimada da população mundial vive em áreas onde os mosquitos que espalham a Zika são predominantes, e a OSM está preocupada que o número de casos poderia saltar para quatro milhões este ano, somente no Hemisfério Ocidental.
No entanto, os especialistas consultados pela Mongabay salientaram que, apesar de fortes evidências, ainda não é possível determinar a relação entre a doença e a microcefalia, embora seja “muito provável”, como afirma a neurologista pediátrica e professora da Universidade Estadual do Rio, Heloisa Viscaino.
Novas evidências, suspeitas e até mesmo teorias da conspiração pelas causas da microcefalia, no entanto, continuam a surgir. Um estudo do grupo científico “Médicos nas cidades de colheita pulverizadas” afirmou que, uma das possíveis causas foi o uso de Piriproxifeno, usado para matar o mosquito Aedes desde 2014, em tanques de água potável em todo o Brasil.
Entretanto, alguns dados sugerem que outros fatores poderiam estar causando microcefalia no Brasil, uma vez que outros países vizinhos, como a Colômbia, têm registrado milhares de casos (incluindo mais de 3.000 mulheres grávidas) sem evidências de aumento de microcefalia.
Mesmo assim, Valcler Rangel, líder de pesquisa de mosquito da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), insiste que, embora o número de casos ainda não seja suficiente para determinar as causas, a ligação entre a Zika e a microcefalia é “muito provável”. Ele diz que, foram encontrados traços de Zika no líquido amniótico e na saliva de pessoas infectadas.
“A presença do vírus não indica que pode ser contagioso, mas é suspeito. Estamos começando a entender essa doença (o vírus) agora e, então, podemos fazer uma vacina eficiente”, ele conta.
Para Mario Moscatelli, biologista do Rio, a única certeza é que a proliferação do Aedes aegypti continuará durante o longo verão desse ano, e se uma clara ligação entre o Zica e a microcefalia for encontrada, o problema irá continuar por décadas, criando “gerações de microcefalia no Brasil”.
Segundo ele e outros especialistas, isso é porque a propagação do mosquito não é, apenas, causada por condições meteorológicas e pela falta de consciência, mas sim por um sério problema ambiental no Brasil.
“O mosquito já existe há mais de 120 milhões de anos e é parte de um equilíbrio natural do ecossistema. O que acontece nas grandes cidades é uma combinação de más condições de infraestrutura, juntamente com água não tratada, terrível saneamento, desmatamento e a falta de consciência da população”, ele afirma. “O fato de que os mosquitos podem, agora, se reproduzir em água suja, por exemplo, mostra claramente que a capacidade de adaptação é muito grande”, acrescenta.
Para André Luis Soares da Fonseca, especialista em doenças tropicais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, a principal causa da propagação dos mosquitos no Brasil é devida a um grande desiquilíbrio ambiental.
“Os maiores predadores dos mosquitos são as aranhas e lagartos. Mas eles não são mais tão comuns, já que o desmatamento e a poluição têm reduzido sua população”, ele explica.
André adverte que, dada a falta de predadores, os mosquitos foram para o topo da cadeia alimentar, criando um grande desiquilíbrio ambiental. Para ele, a saúde pública no Brasil carece a crítica fundada a esse assunto.
“Atualmente, o país gasta milhões em estratégias que não funcionam. Quanto maior o uso de pesticidas, maior é a situação de dengue, pois não só os mosquitos são eliminados, mas sim seus predadores”, critica.
De acordo com o biólogo Mario Moscatelli, o aumento da urbanização no Brasil levou ao desmatamento de grandes áreas verdes, destruindo ecossistemas em que, os mosquitos e seus predadores usavam para se reproduzir. Sem a proteção das áreas verdes, o sobreaquecimento dessas cidades, também, tem contribuído para a morte de muitos dos predadores dos mosquitos.
Para os dois especialistas, as ações tomadas, atualmente, contra os mosquitos, dado a propagação de Zika, não terá o efeito esperado, até que haja uma “revolução ambiental” no Brasil.
“Se continuarmos tratando as áreas verdes do jeito que os especialistas têm vindo a fazer e continuarmos a oferecer más soluções para os problemas de saneamento e má infraestrutura, teremos que enfrentar um novo problema todos os verões”, explica Moscatelli.
CORREÇÃO (18/02/2016 às 15h35min ET):
Em uma versão anterior desse artigo, afirmamos que “estudos de um grupo específico de médicos nas cidades de colheita pulverizadas aponta que, uma das possíveis causas poderia ser o uso do larvicida Piriproxifeno”. No entanto, essa teoria teria sido definitivamente desacreditada.