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Tráfico em São Paulo: Contrabando de Vida Selvagem do Brasil

  • O Brasil tem uma biodiversidade extraordinária, o que faz com que seja um lugar atractivo para os traficantes de animais selvagens, ganhando estes cerca de US $ 2 bilhões por ano, enquanto continuam a retirar dos ecossistemas aves tropicais, peixes, tartarugas, cobras e mamíferos em números insustentáveis.

  • Apesar do país ter leis rigorosas de protecção dos animais selvagens, estas são muito mal aplicadas, e um vazio legal, permite que 1.000 criadores licenciados de animais selvagens possam operar, o que resulta em captura ilegal de animais selvagens e que são depois vendidos “legalmente” por estes criadores de cativeiro.

  • “Para mudar uma corrente [de tráfico] desta magnitude, vai ser necessária uma muito melhor resposta global – e todo o apoio possível tem de ser fornecido aos países da linha de frente”, disse em Setembro, Helen Clark, administradora para a Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas.

Fairs and small markets scattered throughout the country are one of the main venues where animals are trafficked. Between 60% and 70% of the trafficked animals in Brazil are purchased by Brazilians. Photo by Juliana M Ferreira
Mais de 38 milhões de animais são retirados das selvas brasileiras todos os anos para o comércio ilegal de animais selvagens – 75 a 90% desses animais contrabandeados não sobrevivem à capaaaaa1tura e/ou ao transporte

Juliana Machado Ferreira desloca-se rapidamente através da extensão caótica de mesas e barracas em Vila Mara, um dos mercados de rua mais movimentados de São Paulo. Os vendedores mostram sapatos, roupas, pilhas de tomates maduros, mangas e outros produtos, utensílios domésticos feitos de plástico barato, e vários artigos diversos. Pelo menos isso é o que é óbvio imediatamente.

Machado Ferreira está a seguir um pequeno grupo de homens que se deslocam para o interior do mercado, cada um deles carrega um grande e volumoso tipo de tecido. De repente, os homens começam a correr, e ela corre atrás deles.

Ela derruba o mais próximo, embora ele seja um homem grande, e a mulher magra que é uma fracção do seu tamanho. Um conjunto de polícias à paisana algemam os homens, enquanto outro conjunto de polícias entra no centro do mercado. Lá, eles têm como objectivo prender outros homens. Alguns correm pelas ruas que irradiam para fora do mercado, lançando os seus produtos para caixotes de lixo ou para debaixo de veículos, mas os carros da polícia são já quase uma dúzia a bloquear as estradas, e não há para onde fugir. Eles são capturados e os polícias fazem buscas na área para recuperar o que eles deitaram fora.

O mercado de Vila Mara tem uma conhecida reputação de venda de uma vasta gama de bens roubados e contrabando, incluindo fauna silvestre capturada ilegalmente. Dicas de informadores revelaram-se eficazes: quando a polícia abriu os sacos e as caixas encontraram gaiolas, caixas de madeira e caixas de papelão cheias de cintilantes pássaros tropicais, iguanas verdes de aparência pré-histórica (Iguana iguana) e outros lagartos e tartarugas do rio Arrau (Podocnemis expansa) . Alguns são espécies à beira da extinção que mal sobrevivem nos seus actuais habitats brasileiros.

The endangered hyacinth macaw is highly coveted by collectors. Photo by Juliana M Ferreira
A ameaçada arara azul é altamente cobiçada por coleccionadores. Fotografia por Juliana M Ferreira

Machado Ferreira junta-se aos 20 e poucos polícias que varrem a área, e encontram animais amontoados em carros quentes e escondidos numa casa: os vendedores não trazem todos os seus produtos para o mercado. No final, a polícia confisca 185 animais. A maioria são aves, que são os animais mais negociados no Brasil. (Existem poucos dados sobre a criminalidade ambiental no país, mas um estudo publicado em 2012 descobriu que pássaros representaram 24 das 30 espécies mais frequentemente apreendidas pela Agência de Protecção Ambiental Brasileira, entre 2005 e 2009.)

38 milhões de vítimas por ano

Este contrabando coincide com os dados demográficos de vida selvagem que foi apreendida noutros raides semelhantes. A maioria dos animais apreendidos são jovens. Alguns estão mortos; outros ficam flácidos, feridos, doentes, ou perdem escamas e penas. Todos os sobreviventes estão desidratados. A maioria já mudou de mãos várias vezes desde que foi arrancado do seu habitat natural. O transporte é muitas vezes extenuante: os animais são colocados em sacos, que são atados à parte traseira de uma moto, arrumados em caixas de armazenamento nos autocarros, ou atirados no porta-bagagens de um carro, tudo sob um calor abrasador. Bicos das aves são frequentemente “colados” com fita cola para silenciar os animais; tartarugas recém-nascidas também têm muitas vezes as suas cabeças e pés “coladas” às suas carapaças e muitas vezes são empilhados dentro de tubos.

Machado Ferreira faz parte de uma equipa que analisa os animais e oferece tratamento médico. Como é domingo (a maioria dos raides aos mercados acontecem nos fins de semana), estes animais não terão cuidados veterinários até segunda-feira de manhã, quando centros de triagem abrirem. Nesse entretanto, os pássaros, tartarugas e outras criaturas serão transportados e armazenados numa esquadra da polícia, ou num armazém; eles são, por vezes, enviado às organizações de protecção animal. Sem cuidado sustentado e dieta adequada, muitos mais irão morrer, e menos ainda terão a hipótese de serem devolvidos aos seus países de origem.

Esta iniciativa, que teve lugar em 2009, foi uma das primeiras e maiores operações que Machado Ferreira participou até à data. Foi idealizada por agências governamentais que trabalham com a SOS Fauna, uma organização sem fins lucrativos que trabalha sob disfarce para lutar contra a criação de animais e o tráfico ilícito no Brasil, fornece os primeiros socorros às vítimas, e tenta assegurar, quando possível, que os animais confiscados são libertados de volta no seu habitat.

Green iguanas are a high-demand species, sold both for the pet trade and consumed for their meat. Photo by Juliana M Ferreira
Iguanas verdes são uma espécie de grande procura, vendidas tanto para o comércio de animais, como consumidos pela sua carne. Fotografia por Juliana M Ferreira

É uma missão enorme. O Brasil tem a maior variedade de criaturas de qualquer país do mundo e pelo menos 627 de suas espécies estão ameaçadas de extinção. Esta ampla biodiversidade traduz-se em dinheiro fácil para as redes de criminais do submundo que funcionam também para drogas ilícitas, armas e operações de tráfico humano.

Mais de 38 milhões de animais são retirados das selvas, savanas, florestas e zonas húmidas do Brasil a cada ano, de acordo com estimativas da Rede Nacional Brasileira contra o Tráfico de Animais Selvagens (RENCTAS) – e isto sem contar com peixes tropicais ou invertebrados. Cerca de quatro quintos destes animais são aves, milhares de crias são arrancadas dos seus ninhos.

Após a captura, os animais viajam dos comerciantes locais para intermediários e, finalmente, para grandes negociantes brasileiros e internacionais. Um estudo realizado pela RENCTAS descobriu que 40 por cento das cerca de 400 redes criminais de contrabando de animais no Brasil estão também envolvidas no tráfico de drogas e outras actividades criminosas.

O mercado negro de vida selvagem do país está avaliado nuns gritantes $ 2 bilhões por ano, de acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

Red-footed tortoise (Chelonoidis carbonaria) confiscated at a house that served as a secret deposit place for trafficked wildlife at Vila Mara, São Paulo. Photo by Juliana M Ferreira
Jabutis (Chelonoidis carbonaria) confiscados numa casa que servia como local de depósito secreto para a vida selvagem traficada em Vila Mara, São Paulo. Fotografia por Juliana M Ferreira

O grande número de animais apreendidos anualmente sobrecarrega os mal financiados centros de reabilitação do país, de modo que os animais selvagens confiscados são divididos por criadores comerciais, organizações de conservação, santuários, jardins zoológicos, e até mesmo indivíduos privados. Alguns são abatidos, e organizações, incluindo a Sociedade Brasileira de Ornitologia propôs a eutanásia de todos os animais que não são espécies ameaçadas de extinção. É uma política que poderia matar 26.000 aves por ano apenas em São Paulo.

Lutar contra este comércio em centros de trafico como São Paulo é extremamente complicado: prende-se alguém aqui, e um novo aparece noutro lugar. “Existem mercados como este literalmente em cada cidade no Brasil”, diz Ferreira Machado, mas a maioria dos animais selvagens é vendido nas grandes cidades – São Paulo e Rio de Janeiro.

As vendas têm crescido mais dissimuladas ao longo dos últimos anos, como as agências governamentais a ter mais atenção sobre a criminalidade ambiental, diz Fabio Costa, um especialista forense da Polícia Federal de São Paulo. Mais contrabandistas estão a vender as suas casas ou a mudar as suas operações de armazém em armazém para evitar serem detectados.

Alimentando um turismo doméstico ganancioso e um mercado global para animais de estimação

A vida selvagem do Brasil é caçada ou capturada por um de quatro motivos, incluindo o consumo doméstico, quer para a carne ou medicina. O Brasil tem uma longa história de medicina tradicional que incorpora um grande conjunto de produtos de origem animal, mezinhas indígenas têm sido fundidas com tradições medicinais africanas trazidos para o país pelos quatro milhões de escravos transportados para o Brasil pelos colonizadores europeus.

Main routes for the wild animals trafficking in Brazil. From: Biodiversity Enrichment in a Diverse World” (published under creative commons (http://www.intechopen.com/books/biodiversity-enrichment-in-a-diverse-world/efforts-to-combat-wild-animals-trafficking-in-brazil; map in this chapter. P. 433: http://cdn.intechopen.com/pdfs-wm/38670.pdf)
Principais rotas do tráfico de animais selvagens no Brasil. Fonte: Enriquecimento da Biodiversidade num Mundo Diverso (em inglês Biodiversity Enrichment in a Diverse World)”. http://www.intechopen.com/books/biodiversity-enrichment-in-a-diverse-world/efforts-to-combat-wild-animals-trafficking-in-brazil; map in this chapter. P. 433: http://cdn.intechopen.com/pdfs-wm/38670.pdf)

Quando os cientistas investigaram os mercados em 2007, encontraram 283 espécies que foram utilizadas para tratar tudo, desde picadas de insectos e asma, até cancro, animais que incluíam boa-arborícola-esmeralda, cavalos marinhos, besouros, e anta brasileira. Quase todos foram capturados em estado selvagem e 75 destas espécies “medicinais” estão ameaçadas de extinção.

Os animais também são mortos e vendidos no Brasil como lembranças ou parte de bugigangas: peles de jaguar; penas de papagaio brilhantes; dentes ou ossos utilizado em rituais religiosos; tartarugas marinhas ou caiman embalsamados; botas de pele de jacaré, carteiras e bolsas; carapaças de tartaruga, pentes de cabelo e jóias; e acessórios de moda feitos de peles, conchas, carapaças e várias outras peças de origem animal. A produção e venda destes itens é incorporado na tradição e, na sua marioria, não é considerada um crime. É comum ver policias em mercados onde essas coisas são vendidos sem tomarem nenhum medida contra os vendedores.

Os turistas internacionais também compram estes itens. A maioria não percebe que comprar e levar estas coisas para casa na sua bagagem pode ter sérias consequências legais – contudo, funcionários aduaneiros detectam muito pouco deste comércio.

Outras traficantes brasileiros têm os cientistas e “bio-prospectores” como público-alvo – aqueles que procuram novos compostos medicinais a partir de fontes naturais; cobras venenosas, aranhas, sapos e insectos são particularmente cobiçado para esta finalidade.

Mas o comércio ilegal de animais de estimação é o responsável pela maior fatia do tráfico de vida selvagem do país.

Dentro do tráfico de animais de estimação

Ao contrário de muitos outros países, o Brasil tem um enorme mercado de animais doméstico para animais selvagens: mais são vendidos dentro das suas próprias fronteiras do que contrabandeadas para o exterior.

Blue fronted amazon (Amazona aestiva), a popular pet species. Every year, poachers take some 38 million animals from natural habitats in Brazil to supply the illegal wildlife trade. The business brings in $2 billion a year. Photo by Juliana M Ferreira
O papagaio-comum (Amazona aestiva), é uma popular espécie de animal de estimação. Todos os anos, os caçadores furtivos retiram cerca de 38 milhões de animais dos seus habitats naturais no Brasil para abastecer o comércio ilegal de animais selvagens. Este negócio rende US $ 2 bilhões por ano. Fotografia por Juliana M Ferreira

Os brasileiros têm uma longa história em manter animais selvagens como animais de estimação, especialmente pássaros e macacos, chamandos xerimbabos: “algo amado”. Machado Ferreira observa que “É parte da nossa cultura de possuir papagaios, pássaros e araras.” Entre os mais desejados são aqueles com plumagem brilhante e encantadoras vozes, como o trinca-ferro-verdadeiro,(Saltator similis), um tipo de cardeal, e o canário-da-terra (Sicalis flaveola). Há ainda aqueles que têm jaguares de estimação. Muitas outras espécies nativas acabam em aquários e gaiolas nas casas das pessoas, desde iguanas verdes e tarântulas de pêlo rosa (Typhochlaena amma) a vários tipos de preguiça-de-coleira (Bradypus torquatus), macacos-prego do tamanho de uma mão (Cebus apella), tatu-bola-da-caatinga (Tolypeutes tricinctus), e peixes tropicais de água doce e salgada. Alguns destes animais são contrabandeados para o exterior, para os EUA e a Europa. Quanto mais raro o animal, mais há procura de coleccionadores particulares – apesar das restrições sobre o tráfico transfronteiriço no âmbito da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas (CITES), um tratado assinado por 181 nações que regula este comércio. Contrabandistas estão em risco em ambas as extremidades da viagem: Brasil, União Europeia e os Estados Unidos têm leis rígidas que proíbem a importação de aves e outras espécies selvagens capturadas ilegalmente – embora o Brasil seja muito mais fraco na sua execução. Ovos ou crias são frequentemente transportadas através de aeroportos internacionais em "mulas" humanas; ou traficadas em navios para portos do Sudoeste da Europa ou dos EUA; ou contrabandeadas através das Américas até à fronteira dos EUA com o México por camião, carro ou outro meio de transporte terrestre. [caption id="attachment_155135" align="aligncenter" width="746"]Cages and bags used to carry trafficked wild birds seized at the Vila Mara street market, São Paulo, that were taken to the Police. Photo by Juliana M Ferreira Gaiolas e sacos utilizados para traficar aves selvagens, no mercado de rua de Vila Mara, em São Paulo, que foram apreendidas e levadas pela polícia. Fotografia por Juliana M Ferreira[/caption]

Em 2011, as autoridades detectaram uma nova tendência no contrabando: 16.000 peixes foram interceptados no aeroporto de Heathrow que transportavam cocaína líquida no valor de 4,5 milhões: a cocaína foi dissolvida dentro de bolsas de plástico que foram depois colocadas em sacos contendo peixes vivos – incluído aruanãs, peixe nativo da Amazónia.

RENCTAS estima que entre 75 e 90 por cento dos animais contrabandeados não sobrevivem à captura e ao transporte, mas os incentivos ao crime permanecem elevados. Os traficantes de drogas trabalham dentro de um modelo semelhante: apesar de uma perda substancial de “mercadoria”, a venda de animais selvagens traz um lucro grande.

Um relatório apresentado ao Congresso dos EUA estimou o valor de alguns animais que são comummente confiscados em pontos de entrada americanos. Um dos mais valiosos foi a arara-azul-de-lear, um pássaro muito caçado que subsiste em alguns pequenos pedaços de habitat na zona mais oriental do Brasil. Apenas cerca de 1.200 indivíduos desta espécie permanecem na natureza, com os coleccionadores dispostos a pagar até US $ 60.000 para conseguir uma. Outros araras menos ameaçadas, são compradas por alguns dólares na floresta da Amazónia, podendo ser vendidas por US $ 2.000 a US $ 3.000 na Europa. Iguanas pode valer até $ 10.000 cada.

Parar o fluxo de animais comercializados

Uma importante lacuna no direito brasileiro torna difícil a efectiva aplicação da lei. Por um lado, os estatutos federais dizem que “Matar, perseguir, caçar, armadilhar, e utilizar espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, sem a autorização devida, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com esta constituem crime”, mas, por outro lado, a lei permite a reprodução em cativeiro – uma maneira fácil de capturar e processar animais ilegalmente.

Seized capuchin monkey (genus Sapajus); monkeys are a popular pet in Brazil. Photo by Juliana M Ferreira
Macacos-prego apreendidos (género Sapajus); os macacos são um animal de estimação popular no Brasil. Fotografia por Juliana M Ferreira

Bem mais de 1.000 criadores de animais selvagens obtiveram licenças do Ministério do Meio Ambiente (IBAMA) para vender animais quando foram identificados pela última vez há cinco anos atrás. Este mercado legal “lava” animais retirado da natureza, de forma muito eficaz, através de uma infinidade de métodos, diz Costa.

Os certificados são falsificados e duplicados, as anilhas são falsificadas – e depois há as declarações aduaneiras fraudulentas e os subornos. Para além disso, Costa diz que o pessoal de execução ou os funcionários aduaneiros muitas vezes não sabem a diferença entre as espécies criadas em cativeiro e capturadas na natureza.

Falta de pessoal é outro problema enorme. O IBAMA opera com escassez de pessoal um Centro de Vida Selvagem em cada estado brasileiro; cada um está encarregue da gestão, licenciamento e inspeção de centenas de criadores, comerciantes e zoológicos. Embora existam muitas pessoas dedicadas que trabalham nestes centros, não há forma de responder a todos os pedidos. Restrições de financiamento significa que eles muitas vezes não têm veículos ou combustível para ir fazer as inspeções. A “monitorização” chega sob a forma de relatórios anuais dos criadores que auto-registam os seus animais em documentos que contêm frequentemente estatísticas duvidosas – ou nunca são preenchidos de todo.

Criadores de animais selvagens têm um enorme incentivo para enganar: apesar das suas despesas gerais elevadas, os seus lucros também o são, enquanto no país os riscos de tráfico forem muito baixos.

“Many times the conditions we find in seizures are far from what we consider the minimum acceptable [animal welfare standards],” said Machado Ferreira. Photo by Juliana M Ferreira
Animais criados em cativeiro exigem um investimento financeiro maior do que removê-los da natureza, diz Machado Ferreira, que agora dirige o Freeland Brasil, uma organização sem fins lucrativos anti-tráfico de animais selvagens. Ela trabalha com parceiros para tentar avaliar o alcance do comércio nacional e internacional, porque não existem bases de dados.

Apesar das multas brasileiras poderem, teoricamente, chegar aos US $ 50.000, o tráfico de animais selvagens é rotineiramente ignorado e as sanções para crimes ambientais são, geralmente, suaves, diz Costa. Mesmo quando os traficantes são apreendidos, eles costumam pagar pequenas quantias, que é considerado uma despesa menor de negócio – ou em casos grandes, eles costumam fazer serviço comunitário em vez de prisão.

A única maneira de existir uma acusação, diz Costa, é se os vendedores forem simultaneamente presos por outros crimes, e acumularem acusações mais graves como lavagem de dinheiro, porte de armas, conduçāo de carro roubado ou venda de drogas.

Uma chamada para levar a sério tráfico da fauna selvagem

Tradicionalmente, o crime ambiental foi classificado como “baixo” na lista de prioridades na maioria dos países. Mas agora, há uma convocação global para combater este lucrativo, mercado negro do comércio, que ajuda fundos terroristas em África, e proporciona uma renda a organizações criminosas internacionais e cartéis de tráfico. Globalmente, o tráfico de animais selvagens é agora estimado ser um negócio de US $ 19 bilhões anuais.

[caption id="attachment_155159" align="aligncenter" width="617"]Confiscated Brazilian snake, shoved into a plastic soda bottle. Photo by Juliana M Ferreira Cobra brasileira confiscada, empurrada para dentro de uma garrafa de plástico de refrigerante. Fotografia por Juliana M Ferreira

No Verão passado, a Assembleia Geral das Nações Unidas urgiu os seus Estados-Membros a tomarem medidas fortes para prevenir, combater e erradicar o comércio ilegal de animais selvagens “em ambos os lados, tanto da oferta como da procura”, referindo-se aos animais e plantas selvagens como um “elemento insubstituível dos sistemas naturais da Terra”. Em Setembro, a ONU adotou novas metas de sustentabilidade referentes ao comércio ilegal de animais selvagens.

Com a atenção do Conselho de Segurança da ONU, o Programa do Meio Ambiente das Nações Unidas, o Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime e outras organizações, muitos países estão agora em alerta máximo e acooperar com países que partilham as suas fronteiras.

“Vemos este comércio vil a forçar espécies ameaçadas para a beira da extinção”, disse Helen Clark, administradora do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, em Setembro. “Estamos a assistir ao tráfico e à caça furtiva a reduzir a biodiversidade, destruindo ecossistemas frágeis, ameaçando vidas – roubando vidas, alimentando a corrupção e minando os governos … Para mudar um jogo desta magnitude, vai ter que ser necessária uma resposta global muito melhor – e todo o apoio possível deve ser fornecido aos países e às comunidades que estão na linha de frente”.

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A biólogo de conservação Juliana Machado Ferreira segura um cardinal (Parkerthraustes humeralis), que é severamente explorado pelo comércio ilegal. Fotografia por Juliana M Ferreira

Até à data, as discussões sobre o tráfico de animais selvagens têm-se focado principalmente nos elefantes e rinocerontes que estão a ser abatidos em grande número por toda a África. Mas o tráfico de animais selvagens é um problema para inúmeras espécies de todo o mundo – e o comércio latino-americano tem sido largamente ignorada até agora.

Para resolver este problema, o Freeland Brasil tornou-se parte da coligação que está a forçar a nova Wildlife Enforcement Network Sul Americana (SudWEN), que está a trabalhar com governantes e o Ministério Público de oito países para combater a caça furtiva e o comércio ilegal de animais selvagens, espécies marinhas e plantas, incluindo a exploração madeireira ilegal.

Mais perto de casa, o escritório do procurador de São Paulo está a organizar um grupo de trabalho nacional que irá incluir polícias militares e federais e agências ambientais na luta contra o tráfico de animais selvagens. O Ministério Público também está a lançar uma base de dados de crimes ambientais para ajudar a aplicar sanções mais severas para reincidentes.

A situação dos animais brasileiros traficados

A maioria dos animais severamente traumatizadas, apreendidos por funcionários aduaneiros e polícias, nunca mais vāo vaguear ou voar livre através das florestas tropicais, savanas ou pântanos. Apenas entre um quarto a metade dos animais confiscados são devolvidos à natureza. O resto irá viver o resto das suas vidas em cativeiro, por vezes em condições muito pobres; alguns vão para jardins zoológicos, alguns acabam em criadores comerciais ou com qualquer pessoa que os leve. Muitos não sobrevivem.

Repatriar animais não é simples nem barato. Enquanto alguns caçadores furtivos são apanhados em flagrante, a maioria dos animais são confiscados muito longe de onde foram caçados, por isso é impossível saber de onde vieram. Mesmo que um animal em vias de extinção viva dentro de um área de distribuição bastante limitada, retornar ao seu habitat adequado é complicado.

Figuring out where to release confiscated animals is difficult. Genetic studies help identify where they may have come from and to identify poaching hotspots. Photo by Juliana M Ferreira
Descobrir onde libertar animais confiscados, é difícil. Estudos genéticos ajudam a identificar de onde eles podem ter vindo, e identificar hotspots de caça furtiva. Fotografia por Juliana M Ferreira

Um exemplo: num posto de controlo em Quadra, oeste de São Paulo, a polícia descobriu 192 crias de papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) no porta-bagagens de um carro. Um ano depois, um número desconhecido das cerca de 100 aves atribuídas a um veterinário tinham morrido, e as 20 recebidas por outro veterinário tinham sido roubadas. Três dos pássaros que a SOS Brasil tinha acolhido morreram, mas os restantes 69 estavam prontos para serem libertados. As aves são endémicas do estado de Mato Grosso do Sul, mas este é um estado grande – equipas de resgate tiveram que decidir onde os pássaros apreendidos seriam capazes de prosperar e onde eles poderiam ser libertados com segurança, sem medo de recaptura imediata. Neste caso, estudos apontaram que o melhor local para libertar os papagaios seria onde foram originalmente capturados, e as aves sobreviveram bem após o lançamento.

O trabalho final de Machado Ferreira dedicou-se à genética da conservação, e ela está utilizando este conhecimento para ajudar a determinar territórios originais de aves confiscadas. Como os animais se adaptam às condições locais onde vivem – podem crescer mais penas para sobreviverem em temperaturas mais frias, ou de maior altitude, por exemplo – estes podem desenvolver marcadores genéticos únicos. Estes marcadores fornecem uma maneira científica de inferir de onde os animais podem ter tido origem, e para determinar onde eles devem ser libertados para lhes dar a melhor chance de sobrevivência.

Atualmente, a maioria dos animais saudáveis que são confiscados são libertados pelo governo brasileiro sem grande consideração pelo seu habitat. Machado Ferreira diz que a libertação destes animais sem o conhecimento da sua origem geográfica pode ser mortal. Serem deixados num novo “bairro” pode expôr estes animais a novas doenças. Eles também podem levar novos germes ou parasitas que infectam as populações selvagens locais – ou podem transmiti-las para os seres humanos. Ou, a sua inclusão num habitat desconhecido, pode perturbar a estrutura social existente e afetar negativamente a reprodução

Confiscated Red-footed tortoise (Chelonoidis carbonaria). Most traded animals die before they can be sold to customers; most of those confiscated never return to the wild. Photo by Juliana M Ferreira
Jabuti (Chelonoidis carbonaria) confiscado. A maioria dos animais traficados morrem antes de chegarem a ser vendidos a clientes; a maioria dos animais confiscados nunca mais voltam à natureza. Fotografia por Juliana M Ferreira

Remover milhares de animais de um ecossistema provoca danos incomensuráveis. Há a dor e o trauma sofrido por milhões de indivíduos, a maioria dos quais em última análise acaba por morrer, mas há implicações mais amplas. Populações selvagens diminuídas podem tornar-se puras – com um pool genético limitado, os restantes indivíduos tornam-se fracos e suscetíveis a doenças hereditárias. Se fortemente caçadas e traficadas, as iguanas, pássaros, tartarugas, e macacos pode desaparecer completamente de uma região – ou até do próprio planeta.

O prejuízo causado pelo tráfico a uma espécie pode repercutir-se e danificar um habitat mais amplo. Removendo alguns ou todos os indivíduos de uma espécie-chave pode desequilibrar todo um ecossistema. Por exemplo, a perda de uma espécie de ave que come certas frutas – e dispersa as suas sementes – pode ameaçar espécies de árvores de fruto e todas as plantas e animais que se associam com ela, interrompendo os sistemas naturais que foram afinadas ao longo de milénios.

O que é mais problemática é que muitas destas relações ecológicas são subtis ou ainda não estudado pela ciência, de modo que não sabemos quais as nossas ações que podem mais facilmente destruir a cadeia da vida selvagem.

Todos os seres vivos, incluindo os humanos, dependem destes sistemas vivos delicados, observa Machado Ferreira. “A nossa agricultura, a nossa água depende de um ecossistema saudável”, diz ela, e no Brasil esses sistemas naturais estão a ser devastados, com as alterações climáticas a favorecerem a seca; as florestas a serem substituídas por plantações, fazendas, infra-estruturas e outro tipo de desenvolvimento – e 38 milhões de criaturas selvagens são caçadas furtivamente todos os anos para serem vendidas em todo o país, ou no mundo, principalmente como animais de estimação.

Estes são animais selvagens, diz Machado Ferreira que não devemos, de todo, considerar como animais de estimação. “As espécies selvagens espera-se que evoluam ao longo do tempo como entidades dinâmicas em ambientes de constante mudança. [Elas] não [são] para ser diversão de alguém. ”

Cages and bags used to carry trafficked wild birds seized at the Vila Mara street market, Sao Paolo. “The mega business of illegal wildlife trafficking threatens Brazil’s mega biodiversity more every day,” says Machado Ferreira. “We must turn the tide now — before it’s too late.” Photo by Juliana M Ferreira
Gaiolas e sacos utilizados para transportar traficadas aves selvagens apreendidas no mercado de rua Vila Mara, São Paulo. “O mega-negócio do tráfico ilegal de animais selvagens ameaça cada dia mais a mega biodiversidade do Brasil”, diz Machado Ferreira. “Temos de mudar a maré agora – antes que seja tarde demais.” Fotografia por Juliana M Ferreira
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