Um gambá grácil no Jardim Botânico em Brasília. Crédito da foto: Brendan Borrell
André Mendonça abre a porta maleável de uma armadilha do tamanho de uma caixa de sapatos e encontra informações inéditas dentro. Dois olhos negros, esbugalhados brilhando para ele. Ele, atordoado puxa a armadilha pra fora do galho da árvore e balança a criatura toda molhada em um saco plástico transparente. “Mai um!” ele diz, entusiasmado.
O animal, um gambá grácil (Gracilinanus agilis) ,tem um nariz longo e pontudo, orelhas cor-de-rosa adoráveis e pernas finas sem pelos. Mendonça, pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Brasília, mede e pesa o animal, coloca clipes nas orelhas e adiciona duas etiquetas de metal. Em seguida, o deixa ir e observa sua caminhada no rebento. Este pequeno drama ocorreu no Jardim Botânico de Brasília, a poucos quilômetros do centro da capital brasileira.
Mendonça me disse que preservar a paisagem do Cerrado brasileiro é bom não apenas pra biodiversidade, mas também para a agricultura e agricultores vizinhos. É a razão pela qual esses pesquisadores recentemente descobriram que esta espécie pequena de gambá gosta de bagunçar nas pragas locais de soja. “Se os agricultores mantiverem uma área natural [arborizada] ao lado de sua plantação de soja”, onde esses animais possam viver “, eles podem não ter que usar tanto pesticidas”, disse ele.
Essa pequena lição de história natural é apenas um dos muitos que saem do Programa Brasileiro de Pesquisa Ecológica de Longo Prazo (PELD Project), que está apoiando nove esforços de investigação em todo o país, incluindo dois no bioma do Cerrado. Este projeto em particular começou em 2009 e é liderado pelo supervisor de Mendonça, o especialista em mamíferos, Emerson Vieira. Ele examina como as populações de pequenos mamíferos na região do Cerrado respondem a fatores como disponibilidade de alimento e incêndios florestais.
O Cerrado possui 92 espécies de pequenos mamíferos, que o torna mais rico em espécies do que as savanas tropicais da África ou Austrália. A região é conhecida principalmente por sua pastagem aberta e savana. Mas o gambá grácil, escalador de árvores vive em um habitat da floresta, conhecido como “cerradão”, que responde por apenas 1 por cento do bioma do Cerrado. Embora a quantidade de carbono armazenado nessas florestas empalideça em comparação com as florestas da Amazônia, eles representam um ponto crucial de carbono no cerrado brasileiro.
Varredura do Cerrado no Mato Grosso, Brasil. Desde 1960, mais de metade da floresta Cerrado foi varrida e é uma das biomassas mais ameaçadas do Brasil. Em 2013, aproximadamente 30% da safra de soja do país foi cultivada lá. Foto de Rhett A. Butler.
Em setembro de 2011, um incêndio varreu o jardim botânico, queimando porções do cerradão que estavam intocadas por 40 anos. Ao contrário de pequenos mamíferos de prados que se recuperam do fogo dentro de um ano, os gambás escaladores foram devastados Os números caíram de cerca de 5 pessoas por hectare para zero em 2013. Eles ainda vão se recuperar, disse Vieira e Mendonça em um estudo aceito para publicação pelo Journal of Mammalogy.
Vieira diz que o impacto dos incêndios sobre a fauna no Cerrado está crescendo como a região seca devido ao desmatamento ao longo dos córregos e à reconversão de terras para monoculturas agrícolas. Ele observou esta transformação em primeira mão, ao longo dos últimos 25 anos de captura de pequenos mamíferos na região central do Brasil. “Ainda se encontra as mesmas espécies, mas não são tão comuns”, disse ele. Antigamente, sua equipe pegava 7 ou 8 animais em cada cem armadilhas que colocam. Hoje em dia, eles capturam apenas 4 ou 5 em cada cem armadilhas.
Outras pressões também aumentaram. Mesmo essa reserva ecológica sendo protegida – a parte mais estudada do Cerrado no Brasil – está sob ameaça de um projeto de rodovias e conjuntos residenciais.
Vieira e Mendonça esperam que seus dados possam ajudar a salvar o gambá grácil brasileiro – assim como as florestas ameaçadas do cerradão. Em 2013, a equipe descobriu que a espécie tem uma afinidade especial para um percevejo (Euschistus heros) responsável por até 30 por cento dos danos de soja na região durante a estação seca. Os pesquisadores descobriram restos desses insetos em mais de 50 por cento das amostras de fezes dos gambás que eles examinaram, de acordo com o estudo publicado no jornal Acta Theriologica.
“O inseto vem para o cerradão [floresta] quando a soja não está na temporada”, explicou Vieira “, e que é quando o gambá os come.” Eles agora estão planejando estudos mais focados em determinar o quanto os gambás suportam as pragas de insetos. Se os resultados continuarem positivos, pode ser mais uma boa razão para os agricultores, economistas agrícolas e outros interessados em preservar a espécie e seu habitat na região central do Brasil.
Citações:
Nicholas F. de Camargo, Julian F. Ribeiro, Amabílio J. A. de Camargo, and Emerson Vieira. Diet of the gracile mouse opossum Gracilinanus agilus (Didelphimorphia: Didelphidae) in a neotropical savanna: intraspecific variation and resource selection. Acta Theriologica 2014, 59:183-191.
André F. Mendonça, Thaiz Armond, Anna Carla L. Camargo, Nicholas F. Camargo, Julian F. Ribeiro, Priscilla L. Zangrandi, and Emerson M. Vieira. Effects of an extensive fire on arboreal small-mammal populations in a neotropical savanna woodland. Journal of Mammalogy. In Press.