As Arara-azul-e-amarela (Ara ararauna) são frequentemente avistadas no Cerrado. Crédito da foto: Brendan Borrell
No Salão Automóvel de Los Angeles em Novembro de 2008, a Hyundai fez um anúncio inovador: iria compensar o dióxido de carbono emitido por todos os Hyundai Genesis de 2009 durante seu primeiro ano na estrada, através da “conservação e reflorestação de 3.000 acres de floresta tropical no Brasil.”
O Genesis Forest Project destacou-se devido à sua surpreendente localização: iria recuperar, não a floresta Amazónica, rica em carbono, mas sim o quente e seco Cerrado brasileiro, um bioma com baixo nível de carbono que está a diminuir a uma taxa duas vezes superiores à da Amazónia devido à expansão das plantações de soja, bosques de eucaliptos e fazendas de gado.
O Cerrado, que cobre cerca de um quarto do Brasil ou 2 milhões de quilómetros quadrados (772.204.317 milhas quadradas), é um dos grandes hotspots de biodiversidade do mundo – uma mistura de pastagens, matagal, e florestas húmidas numa paisagem que vai desde o nível do mar até aos 3000 pés de altitude. Abrange três grandes bacias hidrográficas e faz fronteira com cada um dos outros biomas do país: a Floresta Amazónica, a Mata Atlântica, o Pantanal, e as florestas espinhosas da Caatinga. É também o habitat do lobo-guará e do tamanduá-bandeira, além de 4.400 espécies de plantas que não se encontram em nenhum outro lugar do planeta.
O programa REDD das Nações Unidas (Redução de Emissões por Desflorestação e Degradação Florestal), iria atribuir à Hyunday, créditos de carbono, e esta vangloriou-se dizendo que seria “um dos primeiros projectos voluntários de compensação de carbono que irá atingir os elevados padrões de Clima, Comunidade e Biodiversidade (CCB Standards)”. Mas a 2 de Maio de 2011, o projecto foi retirado da avaliação. Os auditores estavam preocupados porque, apesar da biodiversidade do Cerrado, pouco carbono poderia ser armazenado numa região onde ocorriam regularmente incêndios florestais.
A fronteira nítida entre a área conservada e as terras agrícolas na fronteira do Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Crédito da foto: Brendan Borrell
Enquanto a Amazónia possui, acima do solo, reservas de carbono de cerca de 250 toneladas por hectare, ou mais, as reservas estimadas de carbono no Cerrado são de apenas algumas toneladas por hectare, até um máximo de 40 toneladas por hectare. Apenas uma pequena fracção do Cerrado é realmente considerado floresta, diz Marcelo Haddad, coordenador técnico do carbono sustentável no Instituto Ecológico, que propôs o projecto Genesis numa fazenda de gado que era para ser reflorestada. De fato, alguns dos ecossistemas mais diversos da região são campos e pradarias cobertas de matagal. “Nós não podemos desenvolver projectos REDD nestes locais”, afirma.
Contagem de carbono vs. preservação da biodiversidade
O Cerrado tem sido um ecossistema negligenciado. Aproximadamente 46% da Amazónia brasileira foi preservada, mas apenas 7% do Cerrado está protegido. Há um ditado em Português que diz: O Cerrado é para serrar.
“Eu receio que, no futuro, restem apenas algumas áreas naturais do Cerrado”, diz Carlos Bianchi, um ecologista da Universidade Federal de Goiás. “A agricultura está a crescer mais rapidamente do que a conservação.”
A incapacidade de proteger o Cerrado trouxe a lume um conflito sobre o qual os políticos preferem não falar: a disparidade entre as estratégias de conservação da biodiversidade e a mitigação de carbono.
O herpetólogo Reuber Brandão pondera uma plantação de soja na fronteira do Parque Nacional Grande Sertão Veredas no Cerrado brasileiro. Crédito da foto: Brendan Borrell
Na última década, a conservação tornou-se sinónimo de limitação das emissões de carbono. As contagens de armazenamento de carbono fornecem uma medida clara que permite comparar o valor global de, por exemplo, um prado no Minnesota, com as florestas tropicais do Congo. As florestas que têm carbono aprisionado nas raízes lenhosas e troncos valem mais do que pastagens quando se trata da prevenção das alterações climáticas, mas está a tornar-se cada vez mais claro que a protecção dos ecossistemas ricos em carbono não se traduz necessariamente na protecção da biodiversidade global.
Os cientistas têm vindo a alertar há já vários anos sobre a disparidade entre as metas de biodiversidade e as metas de carbono. Num estudo de 2009 publicado na revista Science, Oscar Venter e colegas demonstraram que, para maximizar o armazenamento de carbono, 74% de todos os fundos da REDD deveriam simplesmente ser aplicados na Amazónia brasileira. Esqueça o Cerrado, rico em biodiversidade, mas pobre em carbono. Na verdade, até mesmo as florestas tropicais das Filipinas, Indonésia e Madagáscar sairiam a perder no financiamento de carbono REDD, sem incentivos especiais para prevenir a extinção de espécies.
A regulamentação no Brasil tem vindo a ser direccionada para a protecção da Amazónia, em detrimento de outros biomas. Os proprietários de terras privadas na Amazónia são obrigados a manter 80% de floresta nas suas terras, em comparação com apenas 20% na maior parte do Cerrado.
Recentes mudanças na lei ameaçam agora o que resta do Cerrado. No passado, os agricultores tinham de compensar a conversão em terras de cultivo através da compra e preservação de propriedades florestadas nas proximidades ou através da recuperação de terras que tinham utilizado ilegalmente. Mas em 2012, o Brasil reviu o Código Florestal e concedeu amnistia aos pequenos proprietários. Estas revisões deram origem a uma grande quantidade de terra que poderia agora ser utilizada para a agricultura. A maioria da área total dessas terras – 39 milhões de hectares – está localizada no Cerrado, de acordo com uma análise feita por Britaldo Soares-Filho e colegas na revista Science.
Rico em carbono ou pobre em carbono?
Entretanto, novas pesquisas estão a começar a desafiar a ideia de que o Cerrado é irrelevante para a batalha que visa reduzir o carbono atmosférico. Mercedes Bustamante, especialista em fisiologia vegetal na Universidade de Brasília, afirma que, apesar do Cerrado não armazenar tanto carbono quanto a Amazónia, as medições de carbono no solo que ela fez revelam que ainda assim, é um “ecossistema rico em carbono.”
Palmeiras buriti crescem nas margens de um rio, no coração do Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Crédito da foto: Brendan Borrell
Quando Bustamente preparou, recentemente, o terceiro inventário nacional do Brasil sobre a emissão de gases com efeito de estufa para a Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, ela concluiu que as emissões de gases com efeito de estufa do Cerrado são agora da mesma magnitude que os da Amazónia. Numa base de hectare-por-hectare, existe menos carbono no Cerrado, no entanto, afirma, as taxas de desflorestação são muito mais elevadas. Ela acredita que os projectos REDD podem ser valiosos para proteger o Cerrado, mas vai ser difícil criar as directrizes e incentivos. Nesta perspectiva, os ecossistemas de savana continuarão a ser ignorados porque os incêndios florestais são uma componente inevitável destas paisagens.
Ironicamente, o maior projecto de créditos de carbono no Cerrado ameaça a sua biodiversidade. Aprovado em 2011 no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo das Nações Unidas (MDL), envolve o plantio de árvores não nativas de eucalipto para serem queimadas e transformadas em carvão. O Projecto de Produção de Ferro-Gusa Verde®, como é conhecido, pode ser visto a partir de uma auto-estrada ao norte da cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Numa área que já foi outrora Cerrado, e, mais tarde, pasto para gado, linhas estéreis de eucaliptos estendem-se durante milhas. A empresa não obteve a aprovação de créditos de carbono com base em plantar as próprias florestas, mas demonstrou que com os seus kilns sofisticados irá reduzir a liberação do metano, causador do aquecimento climático, para a atmosfera.
A empresa argumenta que as suas plantações de árvores são neutras em carbono, mas os cientistas estão cépticos em relação a isso. O carbono armazenado nas árvores de eucalipto não volta para o solo. Num estudo recente de plantações similares de eucalipto na região, Claudenir Fávero, agrónomo da Universidade Federal do Jequitinhonha e Mucuri Vales em Diamantina descobriu que 25% do carbono nos primeiros 20 centímetros de solo desapareceram em apenas cinco anos. Isso é carbono que não está armazenado, e que ao ser queimado reentra na atmosfera, contribuindo para o aquecimento global.
Ele salienta que o eucalipto necessita de três vezes mais de água do que a vegetação nativa, numa região onde a água é cada vez mais escassa, e a seca provocada pelas mudanças climáticas se está a intensificar. Deste modo, as plantações de eucalipto no Cerrado aprovadas pelas ONU são duplamente prejudiciais – são devastadoras para a biodiversidade, e estão de forma constante a absorver carbono do solo.
Árvores de eucalipto na propriedade da Plantar. Crédito da foto: Brendan Borrell
Salvar o Cerrado
O facto de o Cerrado ter sobrevivido até hoje, deve ser atribuído directamente aos seus poucos, mas apaixonados defensores. Neles se incluem Reuber Brandão, um ecólogo da Universidade de Brasília que fuma cigarros enrolados em folhas de bananeira, quando não está a observar e descrever novas espécies de sapos.
“Quando eu era criança, lembro-me de um belo Cerrado em todos os lugares”, diz Brandão. “Hoje, muitas das áreas que eu conhecia quando era criança desapareceram e foram substituídas por cidades, por monoculturas, e por hidroeléctricas. Não existe um sentimento nacional sobre o Cerrado, porque estamos muito preocupados com florestas como a Amazónia.”
No final dos anos 1990, apaixonou-se por um pedaço do Cerrado, na fronteira onde se cruzam os estados de Minas Gerais, Bahia e Goiás. Foi, em tempos, o wild westjagunços, ou fora-da-lei. A paisagem e as pessoas foram imortalizadas em 1956 no romance brasileiro, Grande Sertão Veredas, de João Guimarães Rosa. O título refere-se às extensas veredas da região – pântanos estreitos e compridos, cercados por palmeiras Buriti povoadas de araras.
Em 1989, o Brasil baptizava um novo Parque Nacional em honra do romance. Mas, no início dos anos 2000, Brandão viu a vegetação nativa que contornava a zona preservada, a transformar-se rapidamente em terras de cultivo. Foi quando ele e um grupo de rancheiros com ideias e espírito conservacionista, fizeram uma petição a pedir ao governo para expandir o parque. Em 2003, Brandão começou a trabalhar na agência do Parque. A sua primeira missão foi a de projectar as novas fronteiras do parque, as quais ele quase duplicou, passando de 89.000 hectares para 230.000 hectares (343,6 milhas quadrados para 888 milhas quadradas). “Eu fui ameaçado de morte por um agricultor”, lembrou recentemente. “Outro tentou-me subornar.” Hoje, o parque é um dos maiores do Cerrado.
Troncos de eucalipto na beira da estrada de terra da propriedade Plantar. Estão prontos para serem queimados para a produção de carvão e transformados em ferro-gusa usado no fabrico de aço automóvel. Crédito da foto: Brendan Borrell
Numa tarde de Fevereiro, ele levou o nosso jornalista num passeio ao longo de uma estrada perto da fronteira do Parque. Paramos e saímos. À nossa direita havia uma floresta densa onde tínhamos avistado o rasto de um lobo-guará (Chrysocyon brachyurus). À esquerda havia uma fazenda vizinha. Campos de soja estendiam-se em direcção a um aparentemente infinito horizonte. “Se [o parque] não tivesse sido expandido”, disse ele, “hoje seria apenas plantações de soja e eucalipto.” Nada bom para a biodiversidade – nem para o armazenamento de carbono.
Entretanto, Marcelo Haddad e o Instituto Ecológico não perderam a esperança em poder usar créditos de carbono para reduzir a desflorestação no Cerrado, apesar do fracasso do projecto Hyundai. Eles estão agora a trabalhar com 14 fábricas de cerâmica, que começaram a queimar, em fornos especiais, cascas de arroz em vez de madeira nativa. “Qualquer tipo de conservação pode ajudar a prevenir a destruição deste bioma”, diz Haddad.
Citações:
- Venter, Oscar, William F. Laurance, Takuya Iwamura, Kerrie A. Wilson, Richard A. Fuller, and Hugh P. Possingham. (2009) Harnessing Carbon Payments to Protect Biodiversity. Science, 326: 1368.
- Soares-Filho, Britaldo, Raoni Rajão, Marcia Macedo, Arnaldo Carneiro, William Costa, Michael Coe, Hermann Rodrigues, Ane Alencar. (2014) Cracking Brazil’s Forest Code. Science, 344: 363-364.