Este melro de peito vermelho (Sturnella militaris) é uma das poucas espécies de aves que ocorrem em plantações de óleo de palma. Fotografia de Alexander Lees.
Pode não surpreendê-lo saber que as monoculturas de óleo de palma (espécies de árvores do género Elaeis) não suportam uma grande diversidade de espécies em relação às florestas primárias. Mas quão mau é isso? Um estudo recente documentou sistematicamente a biodiversidade de aves dentro das plantações de óleo de palma, descobrindo que estas plantações contêm menos espécies do que florestas secundárias e até mesmo do que as áreas de pastagem para gado. Como o óleo de palma tem vindo a crescer como um produto no Brasil – e pode até mesmo ser usado legalmente para “reflorestar” terra – pode um país que tem feito, nos últimos anos, grandes progressos na redução da desflorestação conseguir o equilíbrio entre ser uma potência industrial e manter o bem-estar ambiental?
Seguindo os passos de uma gigantesca indústria de carne bovina, o óleo de palma está programado para ser o próximo produto “quente” do Brasil, especialmente no Estado do Pará. Embora mais de 80 por cento da produção de óleo de palma ainda esteja contida na região Indo-Malaia, o Brasil tem 850 mil milhas quadradas de terras identificadas como ideal para o cultivo de óleo de palma. Isto é dezassete vezes mais área de terra do que aquela que está sendo utilizada actualmente para produzir óleo de palma na Indonésia e Malásia.
“Os defensores do óleo de palma enfatizam que as suas principais alternativas, incluindo soja, girassol e óleos de canola, têm eficiências de produção de cerca de 10-20% daquelas que são obtidas nas plantações de óleo de palma (tendo por base o hectare) e, portanto, exigem muito maiores áreas de cultivo para ter um benefício semelhante “, relata Alexander Lees, o autor do estudo sobre a biodiversidade de aves, que foi publicado na revista PLoS One, em Maio.
O Pará, estado do nordeste do Brasil, é a principal região candidata a sediar esta expansão da área plantada de óleo de palma, que duplicou entre 2004 e 2010. De acordo com a plataforma de Monitorização Global Forest Watch, o estado do Pará, entre 2001 e 2013, perdeu mais de 8,56 milhões de hectares de cobertura florestal – cerca de 8 por cento da quantidade total de cobertura arbórea densa do estado – devido à desflorestação e desbaste de plantações. Desse total, cerca de 936 mil hectares representaram a destruição de áreas intactas de floresta do estado (IFLs), que são áreas de floresta primária que foram relativamente não perturbadas pelo impacto humano e que contêm ainda os seus níveis originais da biodiversidade.
O estado do Pará ocupa o canto nordeste do Brasil e, como acontece com grande parte do resto do país, tem sofrido um aumento de desflorestação nos últimos meses. Pensa-se que tal estará relacionado com o enfraquecimento da moeda e com as reduções dos fundos de conservação. O rio Amazonas intersecta o estado do Pará, e ao longo deste, misturam-se habitats críticos para diversos animais selvagens e terrenos agrícolas. A região está listada pela Birdlife International como uma área de aves endémicas, o que significa que esta área contém espécies de aves endémicas que não são encontradas em mais nenhum outro lugar do mundo. Clique na imagem para ampliar.
Através da realização de transectos sistemáticos em pastagem para gado, terras cultiváveis, plantações de óleo de palma de todas as idades, e florestas secundárias, Less e colegas mostram conclusivamente que as plantações de óleo de palma tinham uma diversidade de aves total significativamente mais baixa do que qualquer outra região investigada. Zonas de dendezeiros jovens foram ocupadas por aves típicas de pastagens, como o uipí (Synallaxis albescens) e o melro de peito vermelho (Sturnella militaris). A riqueza de espécies de árvores foi o fator mais importante para prever a riqueza de espécies de aves em todas as áreas. Espécies ameaçadas, como o tucano-de-bico-preto (Ramphastos vitellinus), o araçari-de-pescoço-vermelho (Pteroglossus bitorquatus), e a marianinha-de-cabeça-amarela (Pionites leucogaster) apenas foram registadas em florestas primárias.
Legislação e lobbying
Em certas regiões da Amazónia brasileira, o governo determinou a protecção de áreas de floresta secundária como zonas de protecção permanentes (áreas de Preservação Permanente ou APPs) e de reserva legal (Reservas Legais ou RLs). Terra dentro de ambas as APPs e RLs, no entanto, pode ser propriedade privada. Por conseguinte, é da responsabilidade dos proprietários de manter a cobertura vegetal em pelo menos 80 por cento das suas terras.
No entanto, muitos proprietários não são obrigados a utilizar espécies nativas para cobertura vegetal.
“Muitas pessoas têm menos do que o que é necessário, pelo que são legalmente obrigados a reflorestar (ou entrar em compensação não-agrícola onde estes regimes estão disponíveis) – assim, tem havido pressão para que [óleo de] palmeira seja usada para compensar o déficit “, disse Lees numa entrevista a mongabay.com.
Apesar da oposição de Lees e outros cientistas, incluindo uma curta comunicação publicada na revista Nature em 2013, o Conselho de Meio Ambiente do Estado do Pará (COEMA) aprovou recentemente uma resolução que designa o cultivo de óleo de palma como sendo de “baixo impacto” no uso da terra, permitindo que este possa servir como um substituto para a vegetação de floresta nativa dentro de APPs e RLs. Embora esta opção é actualmente aplicável apenas aos proprietários de terras com participações menores que 20 hectares (0,08 milhas quadradas), essa restrição não está ainda bem acente.
“Com este precedente, existe agora uma forte pressão do lobby rural para que esta compensação passe a estar disponível a todos os proprietários de terra, independentemente do tamanho da sua propriedade”, escrevem Lees e seus colegas no artigo publicado.
Floresta primária. Fotografia de Alexander Lees.
Dendezeiros recém-plantados. Fotografia de Alexander Lees.
Uma área já estabelecida de plantação de óleo de palma. Enquanto algumas espécies são capazes de habitar plantações de monoculturas de árvores, muitas mais não são. Fotografia de Alexander Lees.
Em 2012, o Brasil realizou uma revisão controversa do Código Florestal do país originalmente proposto em 1965, com uma das estipulações sendo a Declaração de Isenção de Licenciamento Ambiental (ou Declaração de Dispensa de Licenciamento Ambiental [DLA]). De acordo com Imã C.G. Vieira do Museu Paraense Emílio Goeldi do Brasil (um co-autor do artigo de Lees), o DLA define actividades de degradação ambiental mínima e concede-lhes a capacidade de serem realizadas sem autorização oficial e sem permissão atribuída pelo governo. O óleo de palma não está neste momento nessa lista, mas Vieira teme que essa situação não permanecerá assim por muito mais tempo.
“Assim, [os produtores de óleo de palma] estão a fazer lobby sobre o COEMA de modo a que as plantações de óleo de palma passem a ser consideradas de baixo impacto, e sejam incluídas no Anexo 1 das regras [DLA]”, disse Vieira numa entrevista a mongabay.com.
Em Dezembro de 2013, o projecto de lei PLC119 / 2013, que visa punir a utilização de óleo de palma em áreas degradadas, foi apresentado à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Legislativo. Dois outros comités, incluindo a Comissão da Agricultura e Reforma Agrária, aprovaram esse projecto em Abril de 2015. Foram requeridas sugestões de alteração, e a senadora Ângela Portela apresentou uma, expressando preocupação sobre a introdução do que é efectivamente uma espécie não-nativa e potencialmente invasora para o país. O projecto de lei está actualmente sob deliberação pelas três comissões.
“Estudos internacionais mostram que os impactos das plantações de óleo nos sistemas ribeirinhos são significativos, dada a necessidade de utilização de grandes quantidades de agro-químicos. No Brasil não seria diferente e podemos ver claramente que a maioria das espécies de aves não usam estas plantações, por isso o efeito corredor das APPs seria negado “, disse Lees a mongabay.com.
Um cancão-grande ou gralhão (Ibycter americano). Fotografia de Alexander Lees.
Lees e os seus colegas não são contra a expansão do óleo de palma, se esta não resultar em mudanças indirectas no uso da terra, tais como perda adicional de floresta, incluindo de florestas secundárias em APPs e RLs. Em vez disso, Lees sugere que grandes áreas abandonadas ou com fraco desempenho para pastagens, poderiam ser convertidas em plantações de dendezeiros com um impacto mínimo. Ele disse, nesse caso, as plantações de óleo de palma podem até ser benéficas no controle da erosão do solo nessas áreas.
“No entanto, nós não queremos ver as florestas secundárias serem um alvo”, disse Lee. “Dadas as externalidades ambientais negativas associadas às monoculturas, isto devia ser uma decisão obvia. Nós achamos que há um amplo espaço para a expansão do óleo de palma na região, sem impactar áreas mais sensíveis.”
Citações:
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