De acordo com estudo, exceto por adquirir de volta as concessões, substituir métodos convencionais de atividade madeireira por opções de menor impacto dentro das concessões já existentes pode ser o melhor caminho para aumentar a biodiversidade em áreas alocadas para extração de madeira.
Atividade madeireira em Bornéu. Fotos: Rhett A. Butler.
A atividade madeireira é um dos principais responsáveis pelo desmatamento. No entanto, diferentemente de outros fatores, nos trópicos, ela raramente leva à abertura de clareiras evidentes. Sua ação de desmatamento ocorre de forma mais sutil. Derrubadas sucessivas, especialmente quando conduzidas em ciclos mais curtos do que o recomendado, diminuem o valor da floresta como produtora de madeira, aumentando a probabilidade de que seja convertida em área agrícola ou plantações de árvores para fins extrativistas. Ao mesmo tempo, estradas construídas para a atividade madeireira abrem caminho para que especuladores, colonos, fazendeiros, rancheiros, mineradores e caçadores possam chegar a áreas até então de difícil acesso, muitas vezes acelerando a pressão sobre áreas dentro e fora das zonas de concessão. Além disso, os métodos madeireiros convencionais podem degradar a função ecológica e a resiliência de uma floresta, deixando-a mais vulnerável a doenças, espécies invasoras, seca, incêndios e efeitos de borda, como o dano pela ação do vento.
Por essas razões, ambientalistas vêm há muito tempo manifestando preocupação em relação à expansão das operações madeireiras em florestas primárias. O início da extração madeireira em uma floresta primária vem sendo considerado um gatilho para o desmatamento e, portanto, uma ameaça à biodiversidade e a serviços ecológicos críticos. Assim, tais florestas são classificadas como de alta prioridade para esforços de conservação, e, em alguns setores, têm sido alvo de políticas voltadas para o desmatamento zero. Proteger florestas primárias continua sendo um grito de guerra coletivo para muitos ativistas.
Ainda assim, cerca de quatro milhões de quilômetros quadrados de floresta tropical – metade da área dos Estados Unidos continentais – já estão alocados para a extração de madeira, o que torna essa atividade a número do mundo um em uso de terras em florestas tropicais. Isso significaria que essas áreas – que representam mais ou menos um sexto da cobertura florestal nos trópicos – são uma causa perdida para a conservação? A resposta é não, como demonstram numerosos estudos que mostram que florestas onde a atividade madeireira ocorre de forma seletiva podem sustentar altos níveis de biodiversidade, reter grandes quantidades de carbono e manter funções ecossistêmicas críticas.
Floresta usada para extração de madeira é substituída por plantações de palmeiras na Malásia
Entretanto, nem todas as florestas usadas para extração de madeira são iguais. Algumas podem estar degradadas ao ponto de terem sido reduzidas a arbustos, enquanto outras podem ser praticamente indistinguíveis de uma floresta primária, do ponto de vista ecológico. Não é de surpreender que a intensidade da atividade madeireira seja considerada um fator chave para a capacidade de persistência da biodiversidade após a extração de madeira. Um estudo publicado no Current Biology em julho concluiu que florestas que sofreram intensa extração têm maior probabilidade de sofrer empobrecimento biológico do que aquelas em que a intensidade da atividade foi menor. Certos grupos – mamíferos, anfíbios, borboletas, besouros-do-esterco e formigas – são particularmente sensíveis a aumentos na intensidade da atividade madeireira.
No entanto, de acordo com um novo estudo, também publicado no Current Biology, olhar apenas para a intensidade da extração de madeira não é suficiente. Assim como o artigo publicado em julho, o novo estudo também se baseia em uma meta-análise de outras pesquisas (41 estudos), porém com foco no tipo de atividade madeireira, especificamente o uso ou não de métodos de impacto reduzido – como, por exemplo, planejamento cuidadoso das estradas, derrubada direcionada, equipamento adequado para arraste de toras e inventários pré-colheita. O artigo conclui que o uso dassas técnicas pode melhorar significativamente as perspectivas para a vida selvagem dentro das concessões de extração madeireira.
“Nossa análise revela que os efeitos da extração madeireira de impacto reduzido são consistentemente menores do que aqueles causados pela extração convencional, causando menos alterações na abundância de espécies”, escrevem os autores, liderados por Jake Bicknell, da Universidade de Kent. “Embora nosso estudo mostre que terras sob atividade madeireira de impacto reduzido não devem ser consideradas iguais a florestas primárias em valor conservacional, nossas análises sugerem que ampliar a implementação da extração de impacto reduzido resultaria em ganhos substanciais para a biodiversidade, em comparação com o que temos hoje”.
Para além da conservação da biodiversidade, os pesquisadores observam que a adoção de técnicas de extração madeireira de impacto reduzido nesses quatro milhões de quilômetros quadrados de florestas tropicais reduziria as emissões de carbono em 160 milhões de toneladas por ano, ou seja, cerca de um décimo das emissões totais causadas pelo desmatamento. Esse procedimento também ajudaria na conservação de florestas primárias, fazendo um contraponto às abordagens que enfatizam cegamente a extração madeireira de baixa intensidade, o que, no final, pode fazer que mais florestas de crescimento antigo corram risco de ser exploradas.
“Atentar apenas para a redução da intensidade da atividade madeireira pode resultar em um aumento do desmatamento de florestas primárias para atender à demanda por madeira”, dizem os autores. “Isso poderia ser incompatível com a economia florestal, uma vez que causaria diminuição do lucro. Além disso, expandir a área explorada seria desfavorável à conservação, pois a biodiversidade é mais bem conservada nas áreas onde a intensidade da extração é combinada à proteção das reservas de floresta primária, não tanto nas áreas que são universalmente exploradas, ainda que de forma menos intensa. Como contraste, nosso estudo sugere que, mesmo sob exploração de alta intensidade, a extração de impacto reduzido resulta em menor impacto do que a extração convencional, fornecendo forte motivação para que se melhorem as práticas de atividade madeireira”.
Operação madeireira na parte malaia de Bornéu
No entanto, melhorar as práticas de extração madeireira pode ser uma tarefa difícil. Atualmente, menos de cinco por cento da produção de madeira têm certificação RIL, muitas vezes aplicada sob o padrão do FSC (Forest Stewardship Council), que requer extração madeireira de baixo impacto, mas não apresenta proibição clara e explícita contra o início da extração madeireiraem florestas primárias. A ampliação da adoção dessas técnicas pela indústria é limitada por custos iniciais mais altos e incerteza quanto à demanda de mercado.
Os pesquisadores, então, sugerem que governos e consumidores ativamente gerem motivação em favor desse movimento, por meio de políticas e da escolha na hora de comprar.
Segundo eles, “é necessário que os governos das regiões tropicais produtoras de madeira e os consumidores do produto insistam em práticas melhores de manejo florestal”.
“As diretrizes já foram definidas, as técnicas de extração estão disponíveis e o conhecimento já existe; portanto, não há desculpas para que as empresas madeireiras não implementem o RIL”, acrescentou Bicknell em um pronunciamento. “Economicamente, em longo prazo o RIL pode ser mais lucrativo para as madeireiras do que as práticas convencionais, embora seus custos iniciais possam ser um pouco mais altos”.
“A questão, agora, é defender os vários benefícios do RIL a fim de estimular uma ampla adoção dessas técnicas. Se os definidores de políticas e as empresas responderem ao crescente corpo de evidências científicas e se afastarem da mentalidade dos mesmos negócios de sempre, acredito que as perspectivas para as florestas tropicais e a biodiversidade nelas contida melhorarão muito”.
CITAÇÃO: Jake E. Bicknell, Matthew J. Struebig, David P. Edwards, and Zoe G. Davies (2014). Improved timber harvest techniques maintain biodiversity in tropical forests. Current Biology Vol 24 No 23 R1120.