Nota: este texto é o primeiro esboço de um comentário enviado à revista Yale Environment 360 em outubro de 2014. A versão final do texto escrito em primeira pessoa está disponível em Um conservacionista vê sinais de esperança paras as florestas tropicais do mundo.
Arco-íris sobre a Amazônia. Todas as fotos por Rhett Butler.
Nos anos 90 o mundo observou com atenção que vastas áreas de floresta tropical foram derrubadas para madeira e cultivação de terras, escavadas para minerais e energia e inundadas para projetos hidrelétricos. Grupos de conservação, governos, filantropos e instituições como o Bando Mundial, gastaram coletivamente bilhões de dólares em programas para combater o massacre. Mas, como visto por satélites bem acima da superfície terrestre, esses esforços quase não mudaram as taxas de desmatamento. Uma década e meia no século XXI, o mundo ainda testemunha a mesma destruição a uma taxa ligeiramente reduzida.
Apesar dessa aparente estase, ainda existem razões para acreditar que há progresso nos esforços para preservar as florestas tropicais. Apoiando esse progresso estão as tendências econômicas e tecnológicas que facilitam ainda mais para os ambientalistas entre outros, a apontar os causadores do desmatamento. Estes, por sua vez, geram o surgimento de novos líderes que estão adotando, implementando e estudando novas políticas para deter o desmatamento. Ao mesmo tempo, o mundo está finalmente reconhecendo o valor dos serviços proporcionados por ecossistemas saudáveis e as contribuições feitas pelas comunidades locais e indígenas para manter as florestas em pé.
Floresta tropical de Bornéu, Malásia. As florestas tropicais de Bornéu ainda estão sendo desvastadas em ritmo acelerado.
Desde os anos 90, a perda de floresta tropical se mantem muito elevada, passando de 11,3 milhões de hectares na década para cerca de 9,3 milhões de hectares por ano, entre 2009 e 2012. No topo da classificação durante os dois períodos estão os suspeitos habituais: Brasil e Indonésia, os quais possuem vasta cobertura florestal e aumento dos setores de agronegócio.
Mas esses números escondem uma tendência que detém implicações importantes sobre os esforços para conservar as florestas mundiais. Hoje, as florestas são devastadas frequentemente para a produção de mercadorias de consumo no mercado urbano e comércio, em vez de servir para subsistência de agricultores pobres de corte e queima. Em outras palavras, os trópicos mudaram de desmatamento pela pobreza para desmatamento com fins lucrativos.
Perda de floresta tropical permanece muito alta, segundo a análise de pesquisadores liderados por Matthew Hansen da Universidade de Maryland. O gráfico inclui áreas de cobertura arbórea acima de 10%.
Essa tendência é significativa, pois hoje existem poucas entidades realizando grandes danos às florestas. Duas gerações atrás, o combate ao desmatamento implicava no planejamento de formas de sustentação para as crescentes populações rurais, sem derrubar as florestas para a agricultura. Hoje, na maioria das vezes, implica em convencer empresas e governos a adorarem medidas de segurança que limitem danos ambientais, mas com a finalidade de manter as colheitas. Em alguns casos, essas medidas vão além dos ganhos das relações públicas de marketing verde e dos programas de responsabilidade social corporativa, sob a forma de ganhos com a melhoria da gestão da cadeia de suprimentos e eficiência operacional.
Entretanto, a maioria das empresas não se move por conta própria—geralmente empurradas por campanhas focadas no consumidor, lideradas por grupos ambientalistas, que alavancam a sensibilidade das empresas às críticas. Os resultados vem surpreendendo desde 2006: dezenas dos maiores compradores e vendedores de soja, óleo de palma, gado, e polpa de madeira estabeleceram políticas comprometendo-se a excluir o desmatamento e os conflitos sociais de suas cadeias de suprimentos. O maior golpe aconteceu em outubro de 2014 quando a Cargill, que vende $135 bilhões de dólares no valor de mercadorias por ano, comprometeu-se ao desmatamento zero em todas as suas cadeias de abastecimento.
Enquanto há sempre o perigo de retrocesso ou fraude nesses compromissos, existem mais equipamentos do que antes para monitorar e verificar o cumprimento.
Mapa do Observatório Aéreo de Carnegie (Carnegie Airborne Observatory – CAO) mostra carbono no longo tronco principal da Amazônia no Peru. O CAO utiliza sensores óticos e químicos avançados em combinação com tecnologias LiDAR (da sigla inglesa Light Detection And Ranging) para mapear carbono, química e outras características florestais. Imagem cortesia do Carnegie Airborne Observatory/Greg Asner.
No nível mais alto, as imagens de satélite são amplamente disponíveis e cada vez mais incorporadas em sistemas de monitoramento. Por exemplo, o governo brasileiro e a Mesa Redonda sobre Óleo e Palma Sustentável (RSPO), uma organização de certificação ambiental, agora exigem arquivos digitais detalhando as coordenadas de latifúndios. Essas informações são usadas para determinar o cumprimento de regulamentos e normas ambientais.
As informações de satélite também estão integradas em plataformas desenvolvidas pela sociedade civil. O melhor exemplo é o Global Forest Watch, um projeto liderado pelo World Resources Institute (Instituto de Recursos Mundiais) que coleta dados de várias fontes e as coloca em um mapa, fornecendo informações inéditas sobre o estado das florestas mundiais, incluindo ganho e perda de cobertura arbórea, concessões florestais e histórico de queimadas. Sua integração de dados MODIS bimestrais fornecidos pela NASA permite que a plataforma sirva como um sistema de detecção de desmatamento quase em tempo real, semelhante ao aplicado pelo Brasil no momento em que a taxa de desmatamento começou a diminuir drasticamente em meados da década de 2000. Um estudo publicado em 2013 pela Iniciativa de Política Climática atribuiu três quintos da redução ao sistema de monitoramento brasileiro. Agora essa funcionalidade é global.
Desmatamento florestal para e em plantações é o principal responsável por aproximadamente sete milhões de hectares de perda de cobertura arbórea entre 2001 e 2012 na Sumatra. Mapa cortesia da Global Forest Watch. Clique na imagem para ampliar.
Próximo do solo, os recursos também estão melhorando. Muitos observadores acreditam que o mundo está à beira de uma revolução de VANTs (drones, em inglês), com conservacionistas esperando que o monitoramento por pequenos VANTs irá melhorar significativamente a detecção do desmatamento, incluindo a detecção da exploração de madeira ilegal, queimadas e caça furtiva que de outra forma seria ignorada pelos satélites. Defensores dizem que os VANTs complementariam os esforços no solo, destacando lugares que precisam de acompanhamento pelas autoridades, como a abordagem usada em um projeto-piloto no Parque Nacional de Chitwan, no Nepal.
No solo, armadilhas fotográficas, sensores e dispositivos móveis onipresentes estão possibilitando novas abordagens de monitoração. Por exemplo, a, RainforestConnection, companhia startup sediada na Califórnia, desenvolveu um sistema de telefone celular que ‘ouve’ o barulho de tiros, motosserras e caminhões. Quando um som suspeito é detectado, o sistema manda um alerta para as autoridades locais, facilitando a ação em poucos minutos após a detecção. Inovações em análises de DNA permitem que os investigadores rastreiem produtos de madeira de volta ao seu ponto de origem, podendo determinar sua legalidade.
Exploração de ouro na Amazônia peruana. Tecnologia tem seu lado bom e ruim. Extração de matérias-primas como o ouro e metais terras-raras causam graves consequências ao meio ambiente, enquanto o resíduo eletrônico e outras formas de poluição são problemas crescentes. O consumo de energia para a computação está crescendo rapidamente em todo o mundo.
Essas ferramentas possibilitam a aplicação da lei, mas depende da vontade política para que medidas sejam tomadas. No passado, esse fato foi longe de se assegurar, mas isso pode estar mudando também.
Em outubro, mais de 24 países aprovaram a Declaração de Nova York sobre Florestas, , comprometendo-se a reduzir pela metade o desmatamento até 2020 e eliminá-lo até 2030. Enquanto os críticos apontaram que as promessas de alto nível não significam muita coisa, alguns países estão realmente tomando medidas concretas para enfrentar o desmatamento. O Brasil está mostrando o caminho. Desde 2004, a nação com a maior floresta tropical do mundo vem diminuindo o desmatamento anual na Amazônia por quase 80%. Ao mesmo tempo, a produção agrícola aumentou acentuadamente, deixando de lado a suposição que o desmatamento e o crescimento econômico andam paralelamente. O estabelecimento de novas áreas protegidas, o cumprimeto de leis ambientais, e as medidas do setor privado desempenharam uma parte da redução, impedindo 3,2 bilhões de toneladas de emissões de dióxido de carbono, o equivalente a remoção de todos os carros das estradas americanas durante três anos, de acordo com um artigo publicado pela Science em Junho de 2014.
Desmatamento na Amazônia brasileira diminuiu drasticamente desde 2004.
Até mesmo na Indonésia há sinais de progresso, um pária ambiental por mais de duas décadas, devido à destruição da floresta em grande escala. Desde se comprometer em 2009 a reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa a partir de uma linha de base projetada para 2020, em 2011 o então presidente Susilo Bambang Yudhoyono estabeleceu uma moratória para licenciar novos madeireiros e plantações em mais de 14 milhões de hectares de turfeiras e florestas anteriormente desprotegidas. O movimento foi acompanhado de um empurrão para reformar as burocracias que gerenciam as florestas do país. Esses esforços foram intensamente combatidos por interesses arraigados no setor florestal, que historicamente lutaram por políticas que permitissem a exploração industrial de madeira e a conversão das florestas, geralmente às custas das comunidades locais. Mas esse paradigma está mudando. Em outubro de 2014, várias empresas de óleo de palma com grande parte das operações na Indonésia —Golden Agri-Resources, Cargill, e Wilmar—signed assinaram uma promessa com o KADIN, convidando o governo indonésio a adotar políticas que apoiem a conservação da floresta. . A lei visa aplicar multas nas empresas estrangeiras e sediadas em Cingapura, consideradas responsáveis por causar neblina na vizinhança indonésia.
Figueiras estranguladas na floresta tropical de Daintree, Austrália. O governo australiano tentou recentemente enfraquecer as proteções para os ecossistemas nativos.
Alguns países menores estão bem adiante. A Costa Rica foi pioneira no desenvolvimento de pagamentos para serviços ecossistêmicos na década de 1990, e é amplamente vista como líder quando se trata de desenvolver modelos de negócios para manter as florestas em pé. Por isso, o país passou de uma economia baseada na extração, para uma economia de serviços mais lucrativos. O México repassou vastas áreas de floresta ao controle da comunidade local, estabilizando a cobertura florestal em áreas que anteriormente sofreram altas taxas de desmatamento.
As mudanças não estão apenas acontecendo em nível nacional. Vários estados e províncias se comprometeram a reduzir substancialmente o desmatamento até 2020, sob a Força Tarefa dos Governadores pelo Clima e Florestas, uma iniciativa que visa estabelecer protocolos para o comércio de carbono de estado para estado. Esses compromissos são sustentados por programas que visam desenvolver sistemas de certificação baseados em competência, sob os quais todos os produtores de um determinado município ou estado obedeçam aos padrões ambientais, garantindo que os produtos produzidos dentro de suas fronteiras são ‘seguros’ para compradores internacionais.
Comunidades indígenas na Amazônia vem cuidando das florestas e da biodiversidade da região por gerações, mas até recentemente foram excluídos muitas vezes de iniciativas de conservação.
Localmente, há um grande reconhecimento do papel que as comunidades desempenham na manutenção da cobertura florestal. Uma pesquisa publicada no início de 2014 pelo Instituto de Recursos Mundiais e pela Iniciativa para Direitos e Recursos, conclui que as florestas gerenciadas pela comunidade tiveram uma média de desmatamento que foi 11 vezes menor do que as terras fora de suas fronteiras. LegallyAs florestas gerenciadas por comunidades legalmente reconhecidas representam 513 milhões de hectares, ou um oitavo das florestas mundiais.
E essa área pode estar prestes a se expandir. Em 2013, o Tribunal Constitucional da Indonésia anulou a reivindicação do governo por milhões de hectares de áreas florestais, ruling e determinando que as comunidades indígenas e locais têm o direito de gerenciar suas florestas habitualmente. A decisão é importante porque o governo central atualmente controla as propriedades florestais do país, o que lhe permite autorizar grandes concessões de exploração de madeira e plantações, mesmo nas florestas gerenciadas e mantidas de pé pela população local por gerações.
Alguns grupos indígenas estão buscando novos modelos de negócios que lhes permitam ganhar a subsistência, enquanto fazem o que sempre fizeram (preservar as florestas) por meio de pagamentos gerados por serviços ecossistêmicos ou assumindo a gestão das áreas de conservação.
Desmatamento por uma comunidade de transmigrantes para a plantação de óleo de palma na Indonésia.
Os pagamentos por serviços ecossistêmicos são outro desenvolvimento importante para as florestas mundiais. Enquanto o mercado do carbono florestal, sob o mecanismo da ONU de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+), tem-se concretizado lentamente, ainda assim indica que o mundo está começando a prestar atenção aos serviços proporcionados pelos ecossistemas. Isso não está limitado ao carbono — as florestas fornecem água, ajudam a mitigar a erosão, alojam a biodiversidade e oferecem opções valiosas como diversas fontes de renda relacionadas à monocultura. As florestas mais antigas estão recebendo atenção especial como prioridade de conservação por serem inacessíveis para conversão no âmbito dos compromissos de desmatamento zero com a crescente pressão de defensores para excluí-las da exploração sob iniciativas de certificação ambiental, como the o Conselho de Manejo Florestal (FSC).
Mas enquanto há razões para ser otimista com relação a proteção das florestas tropicais, existem muitos riscos adiante. O crescimento contínuo da população e o aumento do consumo estenderão os recursos do planeta e aumentarão a pressão sobre ecossistemas como as florestas. Soluções que poderiam aumentar a produtividade de terras agrícolas e áreas degradadas — por exemplo, a intensificação através do aumento do uso de produtos químicos e organismos geneticamente modificados e o abandono de abordagens amigáveis da vida selvagem para a gestão da terra, como a agricultura biológica—podem ser muito controversas para alguns. Há também o verdadeiro risco de que os consumidores não se preocuparão com as credenciais ambientais dos produtos, especialmente com as mudanças de consumo global do oeste pra o leste. Enfim, o fracasso na abordagem da mudança climática deixa as florestas severamente degradadas ou, ainda pior, sem saber se elas estão protegidas. Os cientistas já detectaram uma grande mortandade devido as secas em partes da Amazônia, uma prévia assustadora do que pode acontecer. Todas as apostas otimistas estarão descartadas se o mundo fracassar diante desses desafios.
Árvore da floresta tropical do Panamá. O destino das florestas depende das medidas que tomamos hoje.
Preservação das florestas tropicais: | ||
5 razões para ser otimista
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5 razões para ser pessimista
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