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Peixes de mercúrio: exploração de ouro no Peru coloca em risco as comunidades que vivem a jusante das minas

Grávidas, crianças, e até adultos poderão enfrentar problemas de saúde causados pela exploração mineira de ouro na Amazónia Peruana



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Vista aérea de uma exploração mineira artesanal de ouro, a céu aberto. Fotografia de: Rhett A. Butler.


Na sua maioria ilegal, a exploração mineira artesanal de ouro destruiu parte da floresta Amazónica no Peru na última década, devido sobretudo a um aumento do preço do ouro. O facto da indústria não estar regulamentada resultou em extensa desflorestação, e num desastre ambiental. Para além disso, os especialistas levantam agora questões em relação a um potencial impacto na saúde dos habitantes da região, devido à poluição causada pelo mercúrio. Um novo estudo científico publicado na Royal Society of Chemistry revela, pela primeira vez, que a poluição causada pelo mercúrio, tem-se espalhado rapidamente ao longo dos rios, podendo estar a causar danos nas comunidades localizadas até, pelo menos, 560 km (350 milhas) das minas, em parte devido à alimentação de peixes contaminados com mercúrio, por parte dos habitantes destas comunidades.



“A principal mensagem é que as pessoas devem evitar comer regularmente peixes carnívoros pescados em zonas a jusante de actividades mineiras – não apenas a uns quilómetros, mas a centenas de quilómetros a jusante”, disse a mongabay.com o co-autor William Pan, da Duke University.



Quando o mercúrio entra no sistema ribeirinho, é ingerido pelos microrganismos aí presentes, que convertem este elemento na sua forma altamente neurotóxica, conhecida como metilmercúrio. Quando estes microrganismos são ingeridos por outros organismos, o mercúrio é transportado através da cadeia alimentar. A cada conexão da cadeia, a quantidade de mercúrio vai-se acumulando. Isto significa que os peixes, que são predadores de topo dos rios, contêm os níveis mais elevados deste elemento. E as pessoas, que comem esses peixes, colocam-se em risco de contaminação.



“Às mulheres grávidas da região, eu recomendaria não comerem nenhum peixe carnívoro”, disse Pan, pedindo “moderação” na quantidade destes peixes que as crianças da região ingerem.






A exploração mineira propagou-se rapidamente nos cursos superiores do Rio Madre de Dios no Sul do Peru. De acordo com o Global Forest Watch, houve mais de 3000 alertas FORMA na região, desde 2006, com mais de 57000 ha de coberto florestal destruídos entre 2001 e 2012. Clic para ampliar.




“Os peixes não-carnívoros são, na sua grande maioria, seguros de serem ingeridos regularmente ao longo da semana”, ele continuou, adicionado ainda que “o peixe é uma excelente fonte de ácidos gordos omega-3, portanto a mensagem precisa de ser comunicada cuidadosamente às populações locais.”



“Mineiros de pequena dimensão utilizam mercúrio para separar os flocos de ouros, do solo e de outros sedimentos. Contudo, como uma potente neurotoxina, o mercúrio pode danificar drasticamente o sistema nervoso central de uma pessoa, bem como o seu sistema imunitário, podendo levar a problemas cognitivos e de memória, assim como a tremores. Nas crianças – ou quando transmitido aos bebés pela grávidas – a exposição a taxas de mercúrio elevadas pode levar a problemas de linguagem, convulsões, e até retardo mental. Especialmente em doses elevadas, o mercúrio pode levar a insanidade, paralisia e morte.”



“Para perceber qual o nível de exposição a mercúrio das populações não envolvidas nas minas, Pan e os seus colegas amostraram sedimentos e água em 62 locais, pertencentes a 17 comunidades da Amazónia, localizadas perto do Rio Madre de Dios. Muitas destas comunidades são compostas por tribos indígenas. Tal como esperado, os investigadores descobriram que os níveis de mercúrio eram significativamente mais elevados perto de zonas de intensa exploração mineira, assim como a jusante das mesmas.”



“Comunidades a jusante, ou perto dos locais de exploração, são as que se encontram sob maior risco de contaminação”, disse Pan, “em especial as comunidades localizadas na confluência entre o Rio Colorado e o Rio Inambari”, ambos afluentes do Rio Madre de Dios. Investigações anteriores encontraram níveis elevados de mercúrio, tanto nos peixes como nas pessoas, da capital da região, Puerto Maldonado, mas este novo estudo amostrou em locais muito mais abaixo do rio.



A equipa também testou 200 espécies de peixes comprados a pescadores em diversos locais, incluindo 123 peixes carnívoros.



“Acreditamos que as espécies de peixe amostradas são representativas das que são ingeridas mais regularmente pelas populações”, disse a mongabay.com o co-autor Heileen Hsu-Kim, também da Duke University. “Cerca de um quarto dos peixes do Rio Madre de Dios têm níveis elevados de mercúrio, que excedem os valores de referência para consumo humano, da OMS (Organização Mundial de Saúde). Esta proporção é ainda maior considerando apenas as espécies tropicais (i.e. peixes carnívoros).”



“A equipa baseou as suas recomendações assumindo que as populações locais comem peixe duas vezes por semana, mas tal poderá subestimar consideravelmente a importância do peixe na alimentação das pessoas nesta área.”




O jornalista peruano, Guido Lombardi, gravou um vídeo onde relatou detalhadamente a destruição causada pela exploração de ouro em Madre de Dio no Sudeste do Peru. Este vídeo (em espanhol) tornou-se “viral” na internet).



“Temos dados preliminares de amostragens feitas nas comunidades locais que mostram que o consumo de peixe é bastante mais alto em muitas destas comunidades, o que poderá aumentar a exposição ao mercúrio, e exceder os limites aconselhados até em adultos saudáveis”, disse Hsu-Kim.



Nos anos mais recentes, o governo do Peru tem tomado medidas duras contra a exploração artesanal de ouro, mas Pan diz que tal pode estar a piorar a situação.



“O governo precisa de criar uma relação público-privada com os mineiros, e reconstruir a confiança. Uma melhoria das relações pode permitir avanços significativos na questão dos direitos e reclamações de terra. Para além disso, eu acredito tanto as ONGs (Organizações Não Governamentais), como as universidades, poderão desempenhar um papel muito importante na, levando à mudanças através de parcerias com as comunidades, agora que são menos vistas, pelas comunidades locais, como uma ameaça à sua sustentabilidade.”



Para acabar com esta situação, os investigadores estão a colaborar com o Ministério da Saúde do Peru, para comunicar os resultados do estudo às comunidades locais, inclusivamente reunindo com os líderes das aldeias.



De acordo com os investigadores, os danos causados podem ir muito para além dos 560km da área amostrada. A equipa tinha inicialmente previsto amostrar uma área muito maior.



Owl butterfly (Caligo idomeneus) in the Tambopata National Reserve in the region, which is one of the most biodiverse in the world. Photo by: Rhett A. Butler.
Borboleta-coruja (Caligo idomeneus) na Reserva Nacional de Tambopata, na região, que é uma das mais ricas em biodiversidade do mundo. Fotografia de: Rhett A. Butler.


“A hipótese original, que submetemos para financiamento pela MacArthur Foundation, era medir os impactos até à Bolívia, através do Rio Beni”, disse Pan.



O mercúrio, que é frequentemente mal manuseado por mineiros sem a formação necessária, também poderá estar a entrar na atmosfera.



“O mercúrio usado na exploração mineira é também libertado para o ar”, disse Hsu-Kim, que frisou que a poluição de mercúrio no ar “tem o potencial de ser transportada entre continentes e oceanos. Um relatório das NU (Nações Unidas) em 2013, estima que a exploração mineira artesanal é, à escala global, a maior fonte de mercúrio para a atmosfera.”



Ainda assim, é improvável que a exploração de ouro na região venha a diminuir, especialmente se o preço do ouro se mantiver elevado.



“O ouro é uma grande fonte de rendimento para o Peru, e para as famílias que vivem em Madre de Dios”, disse Pan. “É algo importante para as famílias, mas é difícil determinar se o seu impacto a longo prazo é positivo.”




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