(Este artigo foi elaborado sob o programa Global Forest Reporting Network e pode ser reproduzido em revistas, boletins ou jornais desde que observados estes termos.)
Paisagens florestais intactas russsas perdem 100.000 hectares em 12 anos devido, em parte, à ação de madeireiras certificadas pelo FSC (Forest Stewardship Council).
As árvores da Rússia alimentam nossa demanda crescente por produtos à base de madeira. As vastas florestas do país, que cobrem mais de 800 milhões de hectares, ou mais da metade de sua superfície terrestre, são uma grande fonte de madeira para as indústrias de madeira, papel e polpa de madeira.
Elas também são o lar de algumas das espécies mais ameaçadas do mundo, como o tigre siberiano e o leopardo-de-Amur, bem como ursos e linces, além de agir como importantes sumidouros de carbono.
Entre as terras florestadas da Rússia, incluem-se paisagens florestais intactas (IFLs, na sigla em inglês). As IFLs são extensas e ininterruptas faixas de floresta primária, com área de no mínimo 50.000 hectares, apresentando alta biodiversidade e tendo sido muito pouco perturbadas pela ação do homem. Rússia, Canadá e Brasil juntos abrigam cerca de 65% das IFLs do planeta, de acordo com um estudo de 2008. Entretanto, menos de 10% das IFLs do mundo são protegidas atualmente.
Paisagens florestais intactas são importantes para muitos animais, como este tigre siberiano (Panthera tigris altaica), nas montanhas Sikhote-Alin, Primorye, Rússia. Costumava haver tigres siberianos por áreas enormes no norte da Ásia, mas, hoje, eles existem apenas em uma pequena área de floresta intacta perto do Mar do Japão. Foto: cortesia do Wildlife Conservation Society Russia Program.
Extração intensa de madeira (tanto legal como ilegal), conversão de terras, construção de estradas, incêndios e práticas inadequadas de gestão florestais na Rússia têm degradado boa parte de suas florestas. De acordo com números recentes do Global Forest Watch, a Rússia perdeu quase 37 milhões de hectares de cobertura florestal de 2001 a 2013.
As paisagens florestais intactas da Rússia também estão diminuindo rapidamente devido ao desenvolvimento descontrolado.
No fim dos anos 1990, o FSC chegou à Rússia para atuar na questão do desmatamento e da extração não sustentável de madeira no país. O FSC é um órgão internacional sem fins lucrativos que certifica a “exploração responsável de florestas”, provendo um conjunto de diretrizes “ambientalmente apropriadas, socialmente benéficas e economicamente viáveis” para as empresas de exploração florestal. Entre os membros do FSC estão ONGs (como a WWF e o Greenpeace), organizações de pesquisa, agências de certificação e empresas madeireiras, que promovem produtos certificados como opções mais sustentáveis do que os produtos tradicionais.
No entanto, um recente relatório do Greenpeace da Rússia Rússia lança dúvidas acerca da certificação da extração de madeira na Rússia, particularmente em paisagens florestais intactas.
Questionando a certificação do FSC
“A maior parte dos recursos acessíveis e de valor na Rússia está meio que condenada”, disse ao mongabay.com Tatiana Khakimulina, engenheira florestal do Greenpeace da Rússia. “Os recursos que restam estão nas paisagens florestais intactas, menos acessíveis”.
Uma dessas IFLs, a floresta Dvinsky, encontra-se no coração da região de Arkhangelsk, no noroeste da Rússia. Analisando imagens de satélite de 2002 até 2013, a equipe de Khakimulina descobriu que madeireiras certificadas pelo FSC estavam na realidade cortando florestas de alto valor de conservação, como a Dvinsky, de forma insustentável, em vez de seguir os princípios do FSC que buscam manter sua integridade.
Imagem de satélite of Northern Dvina-Pinega (Dvinsky IFL) mostrando diferentes tipos de cobertura florestal. Cortesia do Greenpeace Rússia. Clique na imagem para vê-la ampliada.
Visão geral de companhias que foram ou são certificadas pelo FSC operando na floresta Dvinsky. Mapa do Greenpeace Rússia. Clique na imagem para vê-la ampliada.
Números recentes do Global Forest Watch mostram que a floresta Dvinsky perdeu quase 100.000 hectares de cobertura floresta entre 2002 e 2013.
“As empresas madeireiras veem essas IFLs como sua fonte principal de madeira e, na realidade, baseiam seu suprimento de madeiras nelas”, diz Khakimulina. “É aí que mora a contradição entre os padrões do FSC e o que realmente está acontencendo”.
De acordo com o relatório, ONGs ambientais locais inicialmente consideraram benvinda a certificação FSC da IFL Dvinsky, na esperança de que isso ajudaria a proteger a floresta. Entretanto, após 14 anos de presença do FSC na região, “extensas áreas de floresta dentro da IFL haviam sido destruídas”, aponta o relatório.
As descobertas apresentadas no relatório mostram que a extração de madeira pelas cinco companhias em questão estava muito acima do limite sustentável durante o período do estudo. Essas empresas também pareciam ter derrubado trechos de floresta dentro dos limites de áreas com proposta de proteção.
Além disso, fora das áreas de proteção propostas, as cinco madeireiras deixaram de cumprir os padrões do FSC em vários aspectos. Na realidade, a equipe diz que a taxa e o volume anual de extração excederam em muito os números que podem ser permanentemente sustentáveis para a região. Essas práticas estão destruindo as florestas de forma irreversível.
O Greenpeace
Assim, o Greenpeace argumenta que, em vez de tentar eliminar práticas destrutivas de exploração florestal, o FSC na Rússia “as está sancionando”.
Dvinsky perdeu quase 100.000 hectares de floresta em pouco mais de uma década. Mapa: cortesia do Global Forest Watch. Clique na imagem para vê-la ampliada.
Time-lapse da perda de cobertura florestal na IFL Dvinsky IFL entre 2002 e 2013. Cortesia do Global Forest Watch. Clique na imagem para vê-la ampliada.
O que dizem os parceirosdo FSC
O FSC, porém, discorda da posição do relatório.
Em resposta ao relatório do Greenpeace, o FSC afirmou em seu website que “a região da floresta Dvinsky é um exemplo de processos eficientes de engajamento de parceiros que resultaram em soluções fortes e duradouras para espécies e ecossistemas florestais ameaçados”.
A resposta do FSC acrescentou que os órgãos certificadores têm medidas efetivas de controle que asseguram fortes ações disciplinantes contra empresas que não cumpram os padrões do FSC.
“Três dos cinco certificados de manejo florestal citados no artigo do Greenpeace foram suspensos entre dezembro de 2013 e fevereiro de 2014 por não obedecer aos requisitos do FSC; um quarto certificado havia expirado anteriormente e não tinha sido renovado”, afirma a resposta do FSC. “É justo dizer que, sem a certificação do FSC, ou sob sistemas de certificação menos rigorosos, essas florestas já teriam sido derrubadas”.
Vladislav Kheynonen, gerente de certificação da NEPCon Rússia, órgão de certificação e auditoria autorizado pelo FSC e que suspendeu duas madeireiras na região, apontou algumas possíveis limitações do relatório.
“O relatório não faz distinção entre a extração de madeira que ocorreu durante o período da certificação e aquela que aconteceu depois, ou antes, de as companhias serem certificadas…”, disse ele. “O estudo de caso da floresta Dvinsky é também um bom exemplo de como as práticas de certificação mudaram ao longo do tempo. Algumas práticas que eram consideradas apropriadas em 2002, sob as regras do FSC, são impossíveis hoje. Infelizmente, o relatório não foca nesse ponto-chave”.
Estradas para extração de madeira como esta, dentro da floresta de Dvinsky, levam à fragmentação e degradação de IFLs. Foto: cortesia do Greenpeace.
De acordo com Kheynonen, o FSC tem um grande potencial na Rússia. “Hoje, o FSC é o sistema de certificação florestal mais avançado e influente no mundo”, diz. “Isso porque ele desenvolve padrões de alta qualidade em colaboração íntima com atores ambientais, sociais e econômicos”.
No entanto, ele acrescenta que os atuais padrões de manejo florestal do FSC russo são muito burocráticos e pouco claros, especialmente no que se refere a indicadores ambientais.
“Estão trabalhando na revisão dos padrões do FSC Rússia. Portanto, esperamos que sejam aprimorados”, diz.
Andrey Shegolev, chefe do ramo de Arkhangelsk da WWF Rússia, disse ao mongabay.com que, de forma geral, a WWF Rússia concorda com a posição do FSC apresentada em sua resposta ao relatório do Greenpeace. Entretanto, ele concordou em que o sistema do FSC tem seus problemas.
Um dos principais, de acordo com Shegolev, é o modo como é calculado o volume máximo de extração anual permitido. Além disso, segundo ele, até recentemente não existiam métodos alternativos que o FSC pudesse usar para calcular os limites para extração.
Alexey Yaroshenko, chefe do Departamento Florestal do Greenpeace Rússia, concorda em que o volume de corte anual permitido é geralmente muitas vezes maior do que o que seria sustentável
“Por exemplo, o corte anual permitido para toda a região de Arkhangelsk é mais de 25 milhões de metros cúbicos por ano. Isso é o que se permite cortar para toda a região”, diz Yaroshenko. “Mas o volume realmente sustentável é significativamente menor do que 10 milhões de metros cúbicos por ano”.
Embora o FSC agora disponha de cálculos alternativos e sustentáveis, Yaroshenko acha que levará tempo até que sejam implementados. “Não acreditamos que eles venham a se transformar em decisões práticas sem que haja forte pressão externa nos próximos anos”, diz.
Estrada adjacente a uma grande clareira de desmatamento na floresta Dvinsky. Foto: cortesia do Greenpeace.
O caminho à frente
O Greenpeace Rússia desenvolveu uma lista de recomendações que, espera-se, aumentará a credibilidade e a eficácia da presença do FSC no país. De acordo com uma das recomendações, o FSC apenas certificaria operações de extração madeireira em florestas de alto valor de conservação ou IFLs depois que uma rede de áreas protegidas tivesse sido estabelecida dentro dela. Além disso, o FSC deveria gradualmente parar de certificar empresas dentro paisagens florestais intactas.
“Entendemos que não se possa fazer isso imediatamente, mas estimamos que seja possível nos próximos cinco anos”, diz Yaroshenko. “Por exemplo, todos os certificados existentes expirarão em cinco anos. Assim, se o FSC parar agora de emitir certificados para novos empreendimentos dentro de IFLs, isso acabará levando a não haver qualquer novo empreendimento nas IFLs.”
Outra recomendação é que os serviços do FSC levem em consideração não apenas o volume total de região florestada em seu cálculo do corte anual permitido, mas também características como a conservação florestal, áreas protegidas e serviços ecossistêmicos.
Kheynonen acrescenta que os padrões do FSC apenas serão bons se forem implementados.
“Observar estritamente as regras é essencial para o sucesso do FSC”, diz ele. “E a proteção das paisagens florestais intactas requer muita atenção por parte do proprietário da terra; no caso, o Estado. Classificar essas áreas formalmente como de proteção seria, assim, a ação mais importante a tomar”.
Estrada férrea temporária construída para o transporte de toras de madeira. Foto: cortesia do Greenpeace.
Floresta intacta ladeando uma faixa desmatada na região de Arkhangelsk. Foto: cortesia do Greenpeace.