O Brasil pode proteger e recuperar a Mata Atlântica por 6,5% do que é gasto nas subvenções agrícolas
O Saíra-sete-cores (Tangara seledon) é um dos pássaros mais coloridos das florestas do sudoeste do Brasil. Está catalogado como Pouco preocupante – LC (Least Concern) pela Lista Vermelha da IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza (International Union for Conservation of Nature). Foto: Sandro Von Matter.
Gostaria de salvar a biodiversidade do local mais ameaçado do mundo? É preciso apenas um pagamento inicial de 198 milhões de dólares. Embora possa parecer muito, na verdade é menos do que custa produzir o filme Titanic. Um novo estudo publicado hoje, 28 de agosto, na revista Science constata que pagando aos proprietários de terras privadas para proteger a quase devastada Mata Atlântica custaria ao Brasil apenas 6,5% do que atualmente é gasto todo ano em subvenções agrícolas.
Quando os primeiros europeus chegaram ao Brasil, encontraram uma vasta floresta que se estendia ao longo de toda a costa leste, repleta de espécies que não era possível encontrar em nenhum outro lugar: essa era a Mata Atlântica. Hoje, essa que foi uma grande floresta, é uma vaga imagem de seu próprio passado. Resta somente cerca de 6 a 10% da mata original, incluindo partes no Paraguai, Uruguai e Argentina. Mas esse número esconde uma verdade ainda pior: um estudo recente na revista científica Biological Conservation estimou que a Mata Atlântica conserva apenas 3,5% de sua vegetação original, sendo comprovadamente o local com a maior biodiversidade degradada no planeta.
Mas há esperança.
“Nossos estudos mostram que seria relativamente barato assegurar o futuro da floresta — e proteger suas plantas, pássaros e outros animais — pagando aos proprietários de terras em larga escala para reservar parte do solo para conservação”, explicou a autora principal da revista Science Cristina Banks-Leite, do Department of Life Sciences (Departamento de Ciências da Vida) do Imperial College London.
Observando os mamíferos, pássaros e anfíbios, cientistas estimam que para manter esses grupos de famílias seja necessário conservar 30% da mata. Isso não quer dizer apenas proteger a floresta que restou, mas restaurar significativamente a parte destruída.
Acredita-se que sobreviveram menos de 200 macacos-pregos-dourados. São encontrados somente na Mata Atlântica. Foto: Miguelrangeljr/Creative Commons 3.0. |
Cientistas propuseram que isso pode ser realizado ao pagar os proprietários de terras para reservar e reconstituir terras particulares, em um projeto geralmente conhecido como pagamentos por serviços ambientais, ou PSA. Para atingir esse percentual alvo de 30% em cenários priorizados — pela proteção e reabilitação — custaria 198 milhões de dólares ao ano para os três primeiros anos, ou 0,0092% do PIB atual, segundo o estudo. Além disso, após três anos o custo cairia significativamente.
“Comunidades locais e proprietários de terras se beneficiarão não somente dos pagamentos regulares, mas também das vantagens que um ecossistema próspero pode trazer. Precisamos começar a colocar um projeto em funcionamento agora, antes que seja tarde demais”, disse Banks-Leite.
Já existem alguns programas de PSA em desenvolvimento na região, mas os autores relataram que são “iniciativas locais de modo relativo, que não correspondem à uma extensão abrangente das necessidades de conservação e questões sociais”. Em outras palavras, para a Mata Atlântica permanecer um ecossistema viável, um esforço mais amplo e maior deverá ser exigido.
“Criar áreas reservadas para restaurar as paisagens prioritárias em 30% da cobertura da mata pode não salvar as espécies mais ameaçadas da extinção, mas aumentaria a biodiversidade e as funções ecológicas que essas espécies propiciam ao longo das áreas rurais (por exemplo, controle de pestes e polinização) à um nível similar ao que é observado nas áreas protegidas”, registraram os pesquisadores.
Mas essas reservas prejudicariam a produção agrícola na região? Não significativamente. Cientistas estimam que o PIB agrícola diminuiria em menos de 1% nas áreas intencionadas. Além disso, os produtores poderiam ver benefícios adicionais vindos de um ecossistema com melhor funcionamento.
“Apenas raramente ocorrem as permutas entre os ganhos ecológicos e as despesas econômicas,” relatam os escritores.
A guaiquica-listrada (Monodelphis iheringi) é endêmica na Mata Atlântica e seu peso médio é de apenas 11 gramas. Está catalogada como Dados Deficientes (DD), o que significa que pesquisadores não sabem o suficiente sobre a espécie para dizer se está ameaçada. Foto: Thomas Püttker.
Apesar de estar quase destruída, a Mata Atlântica ainda conserva milhares de espécies que não se encontram em outros lugares. Cientistas catalogaram mais de 23 mil plantas, 40% delas são encontradas apenas nessa floresta. Além disso, as pesquisas descobriram mais de 260 mamíferos, 350 peixes de água doce, 750 anfíbios e répteis e quase 1.000 pássaros. Aproximadamente 30% desses animais, cerca de 700 espécies, não são encontrados em qualquer outro lugar.
“A Mata Atlântica é menor e bem mais degradada do que a floresta tropical Amazônica, mas também inclui uma vasta gama de diversidade biológica”, disse Banks-Leite.
Novas espécies continuam a ser encontradas na região, incluindo mamíferos. No ano passado, pesquisadores anunciaram uma nova espécie de porco-espinho e gato. Outras espécies, que se pensava estarem desaparecidas, também foram redescobertas, abrangendo uma espécie em perigo crítico (Critically Endangered), o macaco-prego-dourado (Cebus flavius). Um macaco-dourado que não era registrado desde o século 18, foi redescoberto em 2006. Acredita-se que menos de 200 espécies sobreviveram, mas o zoológico de São Paulo está atualmente trabalhando para procriar algumas espécies de animais em cativeiro.
Partes da Mata Atlântica ainda são o lar para a megafauna, como onças-pintadas e tapirus. No entanto, essas populações estão sofrendo consideravelmente com a fragmentação da floresta.
Enquanto que pesquisadores admitem que a mata nunca será como era, ainda poderia ser salvaguardada e estendida — e a maioria das espécies protegidas — com apenas um pequeno investimento.
A espécie de anfíbio Brachycephalus guarani foi descoberta apenas em 2012. É endêmica na faixa da Serra do Mar na Mata Atlântica e os animais são menores que 2 milímetros. Essa espécie ainda não foi avaliada pela Lista Vermelha da IUCN. Foto: Thais H. Condez.
O rato-da-árvore (Phyllomys nigrispinus) é endêmico da Mata Atlântica e não é considerado como ameaçado. Foto: Thomas Püttker.
O cuíca (Gracilinanus microtarsus) é um marsupial endêmico da Mata Atlântica, mas também não está ameaçado. Foto: Thomas Püttker.
Encontrado apenas na Mata Atlântica, o rato-do-mato (Drymoreomys albimaculatus) foi conceituado apenas em 2011. É o único membro de seu gênero e ainda tem que ser avaliado pela Lista Vermelha da IUCN. Foto: Thomas Püttker.
O cuíca — Tate’s woolly mouse opossum — (Micoureus paraguayanus) é predominantemente endêmico da Mata Atlântica, e não está ameaçado. Foto: Thomas Püttker.
Referências:
- Cristina Banks-Leite, Renata Pardini, Leandro R. Tambosi, William D. Pearse,
Adriana A. Bueno, Roberta T. Bruscagin, Thais H. Condez, Marianna Dixo, Alexandre T. Igari, Alexandre C. Martensen, Jean Paul Metzger. (2013) Using ecological thresholds to evaluate the costs and benefits of
set-asides in a biodiversity hotspot. Science VOL 345 ISSUE 6200. doi:10.1126/science.1255768 - Sloan, S., Jenkins, C.N., Joppa, L.N, Gaveau, D.L.A., Laurance, W.F. 2014. Remaining natural vegetation in the global biodiversity hotspots. Biological Conservation. 177: 12-24.