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Cientistas descobrem altos níveis de mercúrio em residentes da Amazónia, culpa será das minas de ouro

A região de Madre de Dios no Peru é conhecida pelas luxuriantes florestas tropicais amazónicas, rios sinuosos e vida selvagem abundante. Mas a região é também conhecida pela exploração mineira artesanal, que recorre ao uso de uma neurotoxina nociva. Para extrair ouro puro de metal e minério, é queimado mercúrio, emitindo vapores perigosos que acabam por assentar nos rios vizinhos.



“O mercúrio, em todas as suas formas, é uma potente neurotoxina que afecta o cérebro, o sistema nervoso central e os principais órgãos do corpo”, disse ao mongabay.com Luis Fernandez, ecologista e investigador associado no Departamento de Ecologia Global do Carnegie Institute. “Existem casos documentados de paralisia, loucura, coma e morte causados por níveis de exposição ao mercúrio extremamente elevados.”



No entanto, o mercúrio não provoca habitualmente efeitos secundários dramáticos imediatos, continuou Fernandez. Em vez disso provoca danos lentos e insidiosos, acabando por encurtar o tempo de vida e diminuir a sua qualidade.


O mercúrio é especialmente tóxico para as mulheres em idade fértil, entre os 16 e os 49 anos de idade. A toxina pode passar para o feto em desenvolvimento através da barreira placentária e provocar danos neurológicos graves e mesmo permanentes à criança por nascer. Embora reconhecido como um importante agente contaminante ambiental, os perigos do mercúrio são ainda alvo de um activo debate na maioria das regiões mineiras da Amazónia.



Luis Fernandez colhe amostra de água. Foto cortesia de: Luis Fernandez.
Luis Fernandez colhe amostra de água. Foto cortesia de: Luis Fernandez.

“Devido ao carácter lento dos danos causados pelo mercúrio, a par dos sintomas vagos da exposição inicial, a contaminação por mercúrio passa frequentemente despercebida ou até, em muitos casos, é activamente negada como real ameaça para a saúde pública”, disse Fernandez.



Mas o mercúrio é uma ameaça para a saúde, especialmente em Puerto Maldonado, capital de Madre de Dios. Em 2009, Fernandez e uma equipa de cientistas descobriram que muitas das espécies de peixe vendidas nos mercados de Madre de Dios continham níveis elevados de mercúrio.



O estudo, orientado pelo Departamento de Ecologia Global do Carnegie Institution for Science, levou a instituição a criar o projecto Carnegie Amazon Mercury Ecosystem (CAMEP) em 2012. Oito universidades peruanas e organizações não-governamentais, com cientistas do Carnegie, integram o CAMEP, dirigido por Fernandez.


A instituição deu seguimento ao relatório de 2009 com dois novos estudos em 2013. As investigações revelaram concentrações altas de mercúrio não apenas na maioria do peixe vendido nos mercados de Puerto Maldonado, mas também nos residentes.



Testes ao mercúrio revelam problema maior



Entre Maio e Agosto de 2012, os investigadores disponibilizaram à população adulta de Puerto Maldonado testes capilares gratuitos, o método principal para averiguar a exposição ao mercúrio em humanos. Os 226 participantes responderam a um questionário sobre consumo individual de peixe e histórico de exposição ao mercúrio.



Os investigadores analisaram ainda as concentrações de mercúrio no tecido muscular do peixe mais frequentemente consumido. Quinze espécies distintas de peixe foram compradas em diversos mercados da cidade durante Agosto de 2012. Tanto o cabelo como as amostras de peixe foram analisados para detectar o mercúrio total num laboratório instalado no Grupo de Química Ambiental e Computacional da Universidade de Cartagena, Colômbia.



Recolhendo amostras de cabelo para análises de mercúrio. Foto cortesia de: Luis Fernandez.
Recolhendo amostras de cabelo para análises de mercúrio. Foto cortesia de: Luis Fernandez.

Os investigadores concluíram que 9 das 15 espécies de peixe mais consumidas vendidas em Puerto Maldonado têm níveis médios de mercúrio acima do limite de referência internacional de 0.3 partes por milhão (ppm). Para além disso, os níveis médios de mercúrio subiram em 10 das 11 espécies de peixe entre 2009 e 2012, indicando que os ecossistemas aquáticos são frequentemente alterados pelo mercúrio, provavelmente devido à actividade mineira artesanal.


“Inicialmente limitada à área em torno do curso principal do rio Madre de Dios, a exploração mineira expandiu-se entretanto para dezenas de afluentes, rios, ribeiras e lagos anteriormente intocados, por toda a região de Madre de Dios”, explica Fernandez.



A contaminação com mercúrio não se resume à vida selvagem. Muitas comunidades nativas e populações rurais remotas dependem dos peixes de captura selvagem como fonte de proteína. De acordo com o inquérito, 92 por cento dos participantes referiram o hábito regular de consumir peixe capturado nos rios e lagos locais. Sessenta e quatro por cento dos adultos consomem por semana pelo menos uma espécie de peixe com elevados níveis de mercúrio.



A análise capilar revelou que 78 por cento dos adultos tinham concentrações de mercúrio acima do limite internacional de referência para cabelo humano.



A concentração média de mercúrio era de 2.7 ppm – quase três vezes acima do valor de referência de 1 ppm. Os níveis de mercúrio no cabelo humano variavam entre os 0.02 ppm e uns alarmantes 27.4 ppm. As mulheres em idade fértil, o grupo mais vulnerável, tinham os níveis mais altos de mercúrio no cabelo, com médias de 3.0 ppm.



Projecto Carnegie Amazon Mercury Ecosystem (CAMEP) testando amostras. Foto cortesia de: Luis Fernandez.
Projecto Carnegie Amazon Mercury Ecosystem (CAMEP) testando amostras. Foto cortesia de: Luis Fernandez.

Para além do consumo de peixe contaminado, 25 por cento dos adultos referiram trabalhar directamente na exploração mineira de ouro. Os cientistas acreditam que os residentes são expostos à toxina a partir da mineração do ouro e da inalação de mercúrio presente no ar nas lojas de venda de ouro no centro da cidade.


“As lojas de ouro fervem as amálgamas, que os mineiros criam nas áreas de exploração e vendem aos mercadores de ouro, para fazer sair o mercúrio presente nelas”, explica Fernandez. “Estudos recentes sobre as lojas de ouro no Peru indicam que uma loja comum pode emitir tanto mercúrio quanto uma central de energia a carvão de 100 megawatt por ano.”



Mercúrio no ambiente



O mercúrio é um elemento natural encontrado na crosta terrestre. Embora seja libertado para o ambiente através da degradação das rochas e actividade vulcânica, a principal causa da libertação de mercúrio é a actividade humana das centrais energéticas a carvão, os processos industriais e a extracção de ouro.



Cerca de 20 por cento do ouro mundial provém do sector mineiro artesanal e de pequena escala, de acordo com a Agência de Protecção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos. O processo é também responsável pela maior libertação de mercúrio para o meio ambiente.



Mercado de peixe local no Peru. Foto cortesia de: Luis Fernandez.
Mercado de peixe local no Peru. Foto cortesia de: Luis Fernandez



Mina na área de extracção de Guacamayo. Foto cortesia de: Luis Fernandez.
Mina na área de extracção de Guacamayo. Foto cortesia de: Luis Fernandez.

Quando os vapores presentes no ar assentam nos lagos e no fundo dos rios, o mercúrio elementar é convertido por bactérias em metilmercúrio. Peixes pequenos ingerem as plantas contaminadas e algas que absorveram o metilmercúrio, e são depois comidos por peixes maiores.



Os peixes no topo da cadeia alimentar apresentam concentrações de mercúrio centenas ou milhares de vezes superiores às dos peixes mais abaixo na cadeia alimentar, disse Fernandez.

“Em muitos rios tropicais este processo é tão eficiente que um peixe no topo da cadeia alimentar pode apresentar níveis de mercúrio milhões de vezes mais elevados do que a concentração de mercúrio na água em que vive.”



Os humanos capturam e consomem o peixe contaminado, principal fonte de exposição humana, e absorvem 98 por cento do mercúrio presente no peixe ingerido. Nos humanos, a toxina pode migrar através de células normalmente bloqueadas por uma barreira protectora, mas o impacto do mercúrio na saúde do peixe e da vida selvagem não se encontra bem estudado.



Espécies de peixe com níveis altos de mercúrio podem ter uma menor probabilidade de sobrevivência e um menor índice de incubação, e podem também ser mais vulneráveis a invasores, disse Fernandez. A contaminação também poderá alterar a estrutura da comunidade. Estudos têm revelado um aumento de mortalidade em pássaros contaminados com mercúrio em doses muitos baixas de concentração.



Num próximo estudo, o CAMEP planeia analisar um maior número de espécies de peixe recolhidas directamente dos lagos e rios, para determinar quais os cursos de água que representam um maior risco para a saúde.



“As emissões antropogénicas de mercúrio em Madre de Dios podem ser reduzidas através da redução ou eliminação do mercúrio usado na mineração artesanal de ouro”, afirmou Fernandez. “No entanto, tecnologias viáveis alternativas ao mercúrio não são vulgarmente utilizadas ou economicamente acessíveis.”


Mesmo com tecnologias sem mercúrio, Fernandez afirmou que a mineração artesanal de ouro sem controlo pode ainda causar enormes danos ambientais, através de desflorestação, decapagem de terrenos, aumento dos escoamentos e contaminação pelos resíduos.




Mina de ouro Río Huaypetue, no Peru. Fotografia por Rhett A. Butler.




Mina Guacamayo. Fotografia por Rhett A. Butler.



CITAÇÕES: Carnegie Amazon Mercury Ecosystem Project (2013) Mercúrio em Madre de Dios: Concentrações de mercúrio em peixes e humanos em Puerto Maldonado CAMEP Súmula do Estudo: Março de 2013, pp.1-2.



Ashe K (2012) Elevated Mercury Concentrations in Humans of Madre de Dios, Peru. PLoS ONE 7(3): e33305. doi:10.1371/journal.pone.0033305



Swenson JJ, Carter CE, Domec J-C, Delgado CI (2011) Gold Mining in the Peruvian Amazon: Global Prices, Deforestation, and Mercury Imports. PLoSONE 6(4): e18875. doi:10.1371/journal.pone.0018875


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