Notícias ambientais

Florestas, lavoura e expansão : a luta pela terra numa metrópole Amazónica

Uma entrevista com Karimeh Moukaddem, parte integrante da nossa série contínua de Entrevistas com jovens cientistas.



Typical farmhouse outside of Parauapebas. Photo by: Karimeh Moukaddem.
Casa rural típica dos arredores de Parauapebas. Foto de: Karimeh Moukaddem.


A cidade de Parauapebas, no Brasil, está em expansão: construída sob os despojos da floresta Amazónica, esta metrópolis aumentou 75 vezes em menos de 25 anos, de 2,000 para 150,000 pessoas. Mas, quer o reduzido tempo ocupado no planeamento urbano, quer a distância mental e espacial do governo federal, deram origem a uma cidade de fronteira, onde os agricultores de pequena escala lutam pela sobrevivência contra a rápida expansão, a mineração (legal e ilegal) e a escassez de investimentos na protecção ambiental. As florestas, a biodiversidade e os agricultores de subsistência sofreram nesta batalha pela terra. Neste aspecto, Parauapebas pode representar um microcosmos, quer dos problemas recorrentes no Brasil (desigualdade social, degradação ambiental e desflorestação) e oportunidades (redução da pobreza, reflorestação e fiscalização ambiental).



“Neste momento [Parauabepas] é a cidade com o crescimento mais rápido do Brasil, com taxas anuais de crescimento que oscilam entre treze e dezoito por cento. O seu padrão de crescimento e expansão, desordenados e sem planeamento, deixou o governo local a lutar contra o tempo para providenciar saneamento, escolas e infraestruturas básicas,” explica Karimeh Moukaddem, uma estudante Fullbright no Brasil que passou nove meses a estudar a lavoura de subsistência na região.



Karimeh Moukaddem in Brazil with pet parrot. She says she does 'not condone owning parrots.' Photo courtesy of Karimeh Moukaddem.
Karimeh Moukaddem no Brasil com um papagaio de estimação. Ela afirma que ‘não condena aqueles que mantêm papagaios’. Foto cortesia de Karimeh Moukaddem.

Através de entrevistas a uma grande variedade de agricultores que cultivam alimentos naquilo que, outrora, eram os arredores da cidade, Moukaddem percebeu que muitos deles viam um futuro pouco promissor na lavoura de pequena escala na região.


“Eles citaram uma quase total ausência de interesse entre os jovens, a inexistência de apoio governamental e um aumento dos preços das terras para os não-agricultores. Eles sabem que a base económica, nesta área, é a mineração e acreditam que não haverá investimentos significativos na agricultura, num futuro próximo. Infelizmente muitos deles retratam-se, e à vida que levam, como retrógrados, e mesmo aqueles que reconhecem o seu papel como administradores da terra, não se sentem valorizados,” disse numa entrevista recente à mongabay.com.




É frequente dar-se a perda de terrenos dos agricultores de subsistênciapara os cidadãos urbanos mais ricos, que a compram a preços exorbitantes para aí construírem as suas casas de fim de semana, mesmo sendo esta área declarada como terreno agrícola. Mas, de acordo com Moukaddem, a indústria mineira, a mais poderosa em Parauapebas adquire, frequentemente, a terra aos agricultores, “[tem] um interesse no fracasso da pequena agricultura na área.” Os assuntos referentes aos terrenos são exacerbados pela destruição ambiental, quer devido à extracção mineira, quer à desflorestação massiva.



Ongoing deforestation in the region. Photo by: Karimeh Moukaddem.
Desflorestação contínua na região: Foto de: Karimeh Moukaddem.

“Quase todas as zonas baixas e planas foram limpas [de florestas], devido à construção de alojamentos ou à pastorícia. O Sul do Pará é caracterizado por montes elevados e montanhas, e, no seio de Palmares, estas áreas são, ao mesmo tempo, os únicos locais florestados e o alvo de uma desflorestação contínua, à medida que alguns agricultores tentam para lá expandir as suas pastagens. Outros agricultores são muito críticos, notando que a chuva rapidamente erode os flancos íngremes, o que pode contribuir para o perigo dos deslizamentos de terra. É frequente ver camiões a sair da comunidade, e ao longo de toda a autoestrada entre Belém e Parauapebas carregados com troncos de árvores, ” explica Makouddem.



Embora o Brasil tenho muitas e boas leis ambientais, Moukaddem afirma que, estas, raramente são aplicadas.


Ela explica que “a política governamental está distante desta zona. Os agricultores afirmam que os funcionários do governo quase nunca visitam as suas fazendas- mesmo aqueles pagos ou mandatados, como os veterinários, técnicos agrícolas ou os representantes do IBAMA (a agência brasileira responsável pela aplicação das leis ambientais) ou do INCRA”. A implementação de leis e programas já existentes, juntamente com políticas que providenciem um aconselhamento técnico de qualidade e pagamentos para apoiar a mão de obra e custos de oportunidade de reflorestação poderiam encorajar uma melhor responsabilidade ambiental.”



A corrupção e o medo de represálias, ao reportar problemas ambientais, empurrou muitos dos habitantes locais para o silêncio, um problema que é comum em todo o Brasil, onde aqueles que falam são, frequentemente, assediados e, por vezes, vítimas de violência ou mesmo de assassinato.



“Muitos agricultores estão descontentes com a desflorestação [contínua] e outros crimes ambientais, mas não se querem colocar numa situação de confronto com os seus vizinhos por contactarem as entidades oficiais, especialmente porque o IBAMA é frequentemente alvo de corrupção na comunidade,” diz Moukaddem, a quem foi repetidamente dito que o IBAMA recebia subornos, naquela região, a troco de fechar os olhos a crimes escandolosos, como a mineração ilegal nos leitos dos rios.



De modo a sobreviver, os agricultores de pequena escala precisam de formação sobre a agricultura nos trópicos, acesso a maquinaria e assistência na aplicação de prácticas sustentáveis.



“Alguns estão interessados em prácticas agroflorestais, mas não têm conhecimentos técnicos, dinheiro, acesso a sementes ou a mão de obra para iniciarem a sua actividade. Outros gostariam de ter florestas, porque gostam da natureza ou querem combater as alterações climáticas,” diz Moukaddem, notando que os agricultores, dado ao seu acesso directo à terra, são a melhor esperança para os esforços de recuperação ambiental daquela região.



Farmland sold for weekend house. Photo by: Karimeh Moukaddem.
Farmland sold for weekend house. Photo by: Karimeh Moukaddem.

Da forma como Parauapebas está a evoluir, com a sua população crescente, é um símbolo dos muitos problemas que assolam o Brasil: pobreza generalizada, diferenças entre ricos e pobres muito grandes, destruição ambiental e tensão entre a exploração industrial e o desenvolvimento comunitário sustentável.



“Entre outros países com economias semelhantes, o Brasil é notável pelas suas desigualdades sócio-económicas e elevados níveis de pobreza e miséria,” afirma Moukaddem. “A desigualdade na área de Parauapebas é particularmente forte. Devido à sua vasta riqueza mineral, Pebas tem um PIB municipal igual ou superior a todos os outros municípios, excepto o Rio e São Paulo. A pobreza e a miséria nesta área tão rica em recursos naturais é impressionante, e é óbvio que a exportação de matéria prima é parcialmente responsável por isto.”



Embora a sua investigação tenha produzido uma fotografia instantânea das dificuldades que os agricultores enfrentam e da reucperação ambiental na zona, Moukaddem afirma que estudos futuros poderiam ser beneficiados através de colaborações.



“Recomendo que os estudantes e investigadores juntem equipas de (pelo menos) um cientista social e um cientista natural. A minha investigação teria beneficiado imensamente da colaboração com um biólogo, ecologista de conservação ou cientista do solo, e estou certa que os benefícios de tal aliança podem ser sentidos em ambos os lados,” afirma.



Numa entrevista dada em Dezembro de 2012, Karimeh Moukaddem (que estagiou na mongabay.com em 2011) discutiu os desafios que os agricultores do Amazonas brasileiro enfrentam, as barreiras à desflorestação e a melhores prácticas ambientais e a luta pela terra, na cidade com o mais rápido crescimento da nação.





ENTREVISTA COM KARIMEH MOUKADDEM



Subsistence farmer with their cow. Photo by: Karimeh Moukaddem.
Agricultor de subsistência e a sua vaca. Foto de: Karimeh Moukaddem.



Mongabay: Qual é a sua experiência?



Karimeh Moukaddem: Sou uma investigadora Fullbright 2012 no Brasil e uma estudante de Sewanee: A Universidade do Sul, onde me formei em Política Ambiental e Desenvolvimento Internacional. Estudei no estrangeiro, no Amazonas brasileiro em 2009 e regressei com uma bolsa em 2010, e neste momento estou a finalizar a minha investigação Fullbright. Tenho vindo a estudar transformação urbana, desenvolvimento rural, planeamento espacial e reforma agrícola em Palmares 2, a colónia do Movimento dos Trabalhores Sem Terra (MST) que faz parte da cidade de Parauapebas, no Pará. Foquei a minha investigação nas estratégias dos agricultores para a subsistência e manutenção de fazendas viáveis, em contextos periurbanos, e estou interessada em como as interacções urbano-rurais afectam o ambiente e o uso da terra no Amazonas.



Mongabay: O que é que a trouxe a Parauapebas, Brasil?



Karimeh Moukaddem: O meu grupo de estudos no estrangeiro visitou a área durante três dias em 2009, e eu fiquei impressionada com o rápido crescimento urbano numa área recentemente desflorestada do Amazonas. Fiquei também fascinada pelas tentativas do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra em reclamar o espaço e em implementar uma visão subalterna do desenvolvimento num local onde as formas de organização não-indígenas são muito recentes.



AGRICULTURA VERSUS EXPANSÃO



Construction for weekend home in the countryside. Photo by: Karimeh Moukaddem.
Construção de uma casa de fim de semana no campo. Foto de: Karimeh Moukaddem.





Mongabay: WPode dar-nos uma imagem? De que forma é que Paruapebas mudou nas últimas décadas, o que é que isto significa para a agricultura de pequena escala, de subsistência?



Karimeh Moukaddem: Parauapebas (Pebas) é uma cidade com 24 anos localizada no Sul do Pará. Existe devido à grande riqueza mineral da região- minérios de ferro de elevada qualidade, ouro, bauxite e cobre- sendo a mineração a base económica da cidade. A empresa privada multinacional, Vale, sediada no Brasil, é a principal companhia a operar perto de Parauapebas, mas muitas outras têm pretensões e interesses na área.



Parauapebas começou como uma cidade de trabalhadores e foi planeada para cinco mil pessoas. Desde a sua fundação, a cidade cresceu de menos de duas mil pessoas para, aproximadamente, cento e cinquenta e três mil habitantes. É, neste momento, a cidade com o mais rápido crescimento no Brasil, com taxas de crescimento anuais que oscilam entre treze e dezoito por cento. O seu padrão de crescimento e expansão desorganizada e sem planeamento, colocou o governo local numa luta contra o tempo para providenciar saneamento, escolas e infra-estruturas básicas. O Secretário da Urbanização em Parauapebas legaliza bairros inteiros, após a sua construção, e não consegue manter-se a par do crescimento, quanto mais planeá-lo.



Parauapebas cresceu à medida que as terras agrícolas circundantes foram sendo ocupadas. As residências urbanas empurram o seu domínio (em lotes de terreno de 10×30 metros) cada vez mais para o interior, começando a ocupar espaço oficialmente designado pelo INCRA (O instituto brasileiro para a colonização e reforma agrária) como terreno agrícola. Enquanto a cidade se prepara para anexar a colónia autónoma dos MST, a especulação, o aumento dos preços dos terrenos e a inexistência ou remoção de apoios agrícolas ameaçam a base de terreno necessária para a reforma agrária, e as fazendas dos habitantes rurais mais pobres. Uma nota positiva é que o crescimento em Parauapebas assegurou um mercado de produtos agrícolas, forte e em crescimento.



Mongabay: Você descobriu que os terrenos agrícolas estão a ser adquiridos para outros usos? Quais são esses usos?



Construction for weekend home in the countryside. Photo by: Karimeh Moukaddem.
Palmares, uma localidade a cerca de 22 quilómetros de Parauapebas e que será anexada como bairro ou subúrbio. Foto de: Karimeh Moukaddem.



Karimeh Moukaddem: A terra nas colónias da reforma agrária são, tecnicamente, geridas pelo INCRA, que, em termos formais não autoriza as vendas de terrenos e é suposto gerir o apoio contra a pobreza, ou seja um terreno desocupado ou que não esteja a ser usado para fins agrícolas podem constituir razões para expulsão dos seus ocupantes e instalação de outros. No entanto, o INCRA parece não ter nenhuma influência em Palmares, e não está a prevenir as vendas ilegais de terra. A opinião generalizada naquela área é de que o INCRA é fraco, corrupto e uma instituição que vive no passado.



Os residentes ricos de Parauapebas estão a comprar lotes de terreno (inferiores a um acre) em Palmares e a construir as suas casas de fim de semana, transformando as terras agrícolas rurais e aumentando o número de propriedades sem uma ocupação permanente. Os agricultores têm diferentes motivações para venderem os terrenos: muitos são idosos e doentes, outros precisam de dinheiro, um quer uma separação entre a sua exploração de lacticínios e o edifício pré-escolar recentemente construído à saída da cidade, e muitos outros, perto da fronteira urbana, sentem que a sua terra pode ser ocupada nos próximos anos, caso não a consigam vender primeiro.



Finalmente, diz-se que a Vale e outras multinacionais compraram os direitos do subsolo em Palmares. Muitos agricultores reportaram que os representantes das companhias de mineração foram às suas fazendas, para recolher amostras e inspeccionarem as propriedades, um disse ainda que nove dos seus vizinhos estão à espera de ofertas de uma companhia canadiana. Estas empresas de mineração têm um grande interesse no fracasso dos pequenos agricultores da região.



Mongabay: As pessoas são capazes de viver com o dinheiro gerado pela agricultura de pequena escala?



Movement of Landless Rural Workers (WST) event. Photo by: Karimeh Moukaddem.
Evento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Foto de: Karimeh Moukaddem.

Karimeh Moukaddem: Sim, embora a grande maioria também tenha complementos derivados do seu trabalho em outras fazendas, empregos na cidade, envios dos filhos ou
pensões do estado. O que não fazem em dinheiro, fazem em alimentos: a libertação da fome e uma existência digna são considerados os maiores benefícios para aqueles que possuem terra.




Os padrões de vida variam entre os agricultores com quem falei. No Brasil, as famílias com crianças são elegíveis para assistência federal se ganharem menos de R140 por mês, visto que são consideradas como vivendo em pobreza extrema. O salário mínimo em 2012 é de R$622. Um produtor de lacticínios que conheço, com um filho dependente, vende cerca de 2,000 litros de leite por mês e, adicionalmente, faz quase R1,000 através da venda de vitelos ou vacas; um salário significativo é ganho pela sua mulher, uma vendedora bem sucedida da Avon. A maior parte vive de forma simples, mas estão, sem sombra de dúvidas, melhor que muitos no Brasil. Os produtores de lacticínios e de gado, aqueles que criam peixe tendem a ser os que possuem melhores condições de vida, pois há procura pelos seus produtos em Parauapebas, e não enfrentam competição dos grãos e frutos, produzidos de forma mais eficiente em outras partes do estado e do país.



Mongabay: Do que é que os pequenos agricultores necessitam para serem bem sucedidos na área?



Karimeh Moukaddem: Os agricultores com quem falei acreditam que a mecanização é a única saída. Os seus filhos practicamente abandonaram a lavoura e não têm intenções de regressar, contratar mão de obra é complicado, dada a forte economia da área, e a maior parte deles são idosos e incapazes de fazer o trabalho físico que faziam no passado. Sem o capital físico e com pouca mão-de-obra, são empurrados para modos agrícolas mais extensivos como a criação de gado ou a manutenção de um nível mínimo de subsistência. Em termos técnicos, o governo fornece tractores aos agricultores da área, mas quase todos afirmaram que nunca tiveram acesso a um tractor nos dezoito anos que possuem a terra, enquanto que outros relatam que os tractores aparecem meses depois de serem requisitados, quando é demasiado tarde para plantar.



A mecanização traz a lume o problema da compactação do solo e os agricultores admitem que necessitam das máquinas porque o solo está a tornar-se mais pobre. É necessário proporcionar aconselhamento técnico, em particular relativo à conservação e recuperação do solo, para manter as fazendas viáveis. Quase ninguém na área de Parauapebas é do Amazonas, e quase todos os agricultores são do nordeste, uma zona mais árida. Uma assistência técnica específica para a agricultura tropical e para ensinar agricultura florestal seria bem vinda. O desafio é que é que estes agricultores necessitam de projectos de agricultura sustentável que não sejam intensivos em termos de mão-de-obra e de capital.



O acesso a maquinaria poderia ainda ser benéfico, porque muitos agricultores querem construir lagoas, uma vez que as vendas de peixe em Pebas são muito boas.



Mongabay: A degradação ambiental prejudicou, a longo prazo, os agricultores na área?



Typical interior of farmhouse in the area. Photo by: Karimeh Moukaddem.
Interior típico de uma fazenda na área. Foto de: Karimeh Moukaddem.

Karimeh Moukaddem: Sim, em particular a ausência de conservação do solo. Alguns lamentam terem áreas tão grandes de pastagens, porque é quase impossível utilizar a terra para outras actividades. No entanto, quase ninguém no Amazonas brasileiro tem uma capacidade tão grande de reverter a degradação ambiental como os pequenos agricultores que vivem dessa terra. As fazendas nas colónias da reforma agrária estão situadas lado a lado e têm a possibilidade de serem reflorestadas, formando uma zona verde contínua. À medida que esta terra vai sendo subdividida em lotes para casas de fim de semana, a ausência de ocupação permanente e a existência de pequenas propriedades podem complicar este esforço.



Mongabay: Como é que os agricultores, que entrevistou, vêm o futuro da agricultura na região?



Karimeh Moukaddem: A maioria não vê o futuro com bons olhos. Eles mencionaram a quase completa ausência de interesse entre os jovens, a ausência de apoios governamentais, e o aumento de vendas de terra a não-agricultores. Eles sabem que a base económica da área é a mineração e acreditam que não existirão, no futuro, investimentos significativos na agricultura. Infelizmente muitos deles vêm-se, e à forma como vivem, como ultrapassados e, embora possam reconhecer o seu papel como guardiãos da terra, não acreditam que este papel seja valorizado.



Aqueles com uma visão optimista apontaram que os seus produtos nunca se venderam tão bem, ou a preços mais elevados.



QUESTÕES AMBIENTAIS




Deforested hillsides. Photo by: Karimeh Moukaddem.
Encostas desflorestadas. Foto de: Karimeh Moukaddem.



Mongabay: A desflorestação continua a ser um problema na área?



Karimeh Moukaddem: Sim. Quase todas as áreas baixas e planas foram desbravadas para habitação ou pastagens. O Sul do Pará é caracterizado por montes elevados e montanhas e, em Palmares, estas zonas são ao mesmo tempo os únicos locais florestados e o local de desflorestação permanente, à medida que alguns agricultores tentam expandir as suas pastagens para estas encostas. Outros são muito críticos, apontando que a chuva rapidamente erode as encostas íngremes e que isto coloca um perigo de deslizamentos de terra. É frequente ver camiões carregados com troncos, a sair da comunidade, e também ao longo de toda a auto-estrada entre Belém e Parauapebas. Muitos agricultores estão descontentes com estes e outros crimes ambientais, mas não querem colocar-se numa situação de confronto com os seus vizinhos ao chamarem as autoridades, em especial porque o IBAMA é frequentemente alvo de corrupção nessa mesma comunidade. As suas mãos estão atadas pela sua necessidade de manterem uma relação decente e pacífica com os seus vizinhos e alguns referiram que o trabalho do governo consiste em assegurar a conformidade com a lei, não o deles de reportar os crimes ambientais, tal como é frequentemente encorajado pelo governo brasileiro e pelos media.



Mongabay: O governo brasileiro há muito que tem esforços no sentido da reflorestação. Há áreas a serem reflorestadas nesta região? Quais são os obstáculos?



Karimeh Moukaddem: A reflorestação carece de definição entre os pequenos agricultores, que a consideram como qualquer coisa entre uma mono-cultura de mangueiras não autóctones, a uma plantação de uma só espécie arbórea nativa. Alguns deles estão interessados em agricultura florestal mas não têm os conhecimentos técnicos, dinheiro, acesso a sementes ou mão de obra, para iniciarem a sua actividade. Outros gostariam de ter florestas porque gostam da natureza ou querem combater as mudanças climáticas. Os que estão interessados em agricultura florestal ou na reflorestação mencionaram os seguintes obstáculos: para plantar árvores a terra tem, em primeiro lugar, de ser desbravada e lavrada e eles não têm acessos a tractores. Em segundo lugar, as árvores requerem um cuidado intensivo durante os primeiros dois ou três anos, e não produzem produtos que possam gerar dinheiro durante os períodos mais dispendiosos. Quando uma área é desflorestada, quaisquer árvores nativas que tenham sido plantadas são rapidamente cobertas pela vida selvagem. Há também um elevado risco de fogo nessa área.



Uma família afirmou que iria reflorestar dois acres, num total de cinco acres, da sua propriedade, se o governo providenciasse a assistência técnica e financiamento que lhes permitisse contratar mão-de-obra para cuidar das árvores nos primeiros anos. A vontade está lá; a assistência é que não.



A Vale é responsável pela reflorestação de áreas afectadas pela mineração. De acordo com um homem que trabalhou numa equipa de reflorestação contratada pela empresa, esta terra é reflorestada com, no máximo, duas espécies de árvores. Dado que a equipa recebeu pouco treino e que a maior parte dos homens estavam doentes, com malária e, compreensivelmente, queriam acabar o trabalho o mais rapidamente possível, a qualidade dessas plantações é duvidosa. Não estou certa se a Vale avalia as taxas de sobrevivência das árvores ao longo do tempo ou se apenas avalia as plantações originais.



Mongabay: A caça furtiva e o tráfico de vida selvagem é um problema?



Poached armadillo. Photo by: Karimeh Moukaddem.
Um tatu capturado. Foto de: Karimeh Moukaddem.

Karimeh Moukaddem: A captura de animais, desde a capivara ao pequeno tatu, é comum. Isto sugere que há floresta remanescente suficiente para suportar estas populações, mas está, sem dúvida, sob uma crescente pressão. Várias das pessoas com quem falei pensam que é errado comer animais selvagens. Outras sentem-se um pouco culpadas, mas garantem que os animais à disposição são deliciosos. Estas pessoas nunca comem fast-food nem comem grandes quantidades de chocolate- os pequenos prazeres americanos que, tão frequentemente, prejudicam o ambiente- e a vida selvagem parece constituir uma refeição especial para pessoas com dietas simples e pouco nutritivas. Penso que as campanhas ambientais sobre a protecção da biodiversidade já começaram, e continuam, a fazer incursões na mudança de percepções das pessoas sobre o consumo de animais selvagens. A captura e venda de papagaios para o negócio de animais de estimação também é bastante frequente.



Mongabay: Há outros perigos ambientais na área?



Karimeh Moukaddem: O rio que corre por Palmares está a ser minerado devido a uma substância semelhante ao cimento. Todos os dias são retiradas quantidades enormes. Esta actividade é clandestina e os residentes que a ela se opõem explicam que o processo tem como consequência o desmonoramento de grandes secções do leito do rio. Estas pessoas afirmam que o rio está “condenado”. As extensas operações de mineração perto de Parauapebas estão inequivocamente ligadas a este e outros actos de degradação ambiental.



Mongabay: O que é que as barreiras à agricultura significam para os esforços de conservação? Os agricultores estão envolvidos na reflorestação, na agricultura florestal ou em outras iniciativas sustentáveis?



Karimeh Moukaddem: Os pequenos agricultores, nas colónias da reforma agrária, que não estão a fazer criação de gado têm uma grande diversidade agrícola nas suas fazendas. Dado que não contam apenas com uma só cultura, estão dispostos a experimentar novas variedades e a cruzar espécies simplesmente para ver se elas crescem e se são saborosas. Eles permitem que as plantas que consideram bonitas cresçam, e o sistema que as mulheres utilizam para trocar plantas para os seus jardins constrói uma matriz agrícola, com implicações positivas na vida selvagem. Estão também conscientes das toxinas agrícolas e a sua produção é largamente orgânica. A maioria sente uma forte ligação à natureza e não consideram a margem de lucro sobre aquilo que gostam de fazer ou ver nas suas fazendas.



À medida que os preços e vendas de terra aumentam, os pobres que não possuem a sua fazenda e que vivem em zonas rurais estão a perder a oportunidade de ganhar terra suficiente, no interior da colónia, para as suas plantações e, no entanto, são os únicos com as técnicas e incentivos para fazerem poli-culturas. Uma família plantou mais de trinta variedades de plantas comestíveis num lote urbano, mas isso não é suficiente para os sustentar- estas pessoas deveriam ter acesso à terra sob a alçada da reforma agrária, mas isso já deixou de acontecer.



Só conheço dois agricultores que estão envolvidos, de forma significativa, nos esforços de reflorestação e na agricultura sustentável. Um deles plantou cerca de 2,000 castanheiros nativos e um número significativo de ipês e açaís. A sua terra fica na zona limítrofe da cidade e é uma das mais procuradas e portanto ameaçadas. Estas iniciativas não têm sido rentáveis: ele é, simplesmente, muito teimoso e gosta de árvores. O outro é talvez o agricultor mais bem sucedido na área e pratica agricultura florestal. Começou muito cedo, há cerca de dezoito anos, quando havia poucos custos associados a estas oportunidades. Infelizmente muito poucos lhe seguiram o exemplo.



Mongabay: Há algumas políticas ambientais do governo que promovam uma melhor administração ambiental na área?



Fish dinner from a local river. Photo by: Karimeh Moukaddem.
Uma refeição de peixe, pescado de um rio local. Foto de: Karimeh Moukaddem.

Karimeh Moukaddem: Há um programa municipal governamental que fornece, de forma gratuita, mudas de árvores aos agricultores. No entanto é sub-utilizado porque a burocracia que estes têm de ultrapassar para conseguir ter acesso a essas mudas é cara em termos de tempo e de custos de transporte. Um deles também se queixou que a qualidade das mudas era tão fraca que quase nem valia a pena plantá-las.



A política governamental está muito distante desta área. Os agricultores dizem que o s funcionários governamentais quase nunca vêm às suas fazendas- mesmo aqueles que são pagos ou mandatados, como os veterinários, técnicos agrícolas ou os representantes do IBAMA ou do INCRA. A implementação de programas e leis está já em curso, mais políticas que promovam um aconselhamento técnico adequado e financiamentos para suportar a mão-de-obra e os custos de oportunidades de reflorestação podem encorajar a uma melhor responsabilidade ambiental.



Recentemente, uma família que trabalha no campo, disse-me que tinha ouvido falar que uma iniciativa de reflorestação já existente era suposta “sair do papel e ser posta em prática.” Eu perguntei se tinham sido os seus vizinhos ou um agente a falar sobre este programa. Disseram-me que não, que o tinham visto nas notícias nacionais. As políticas governamentais estão completamente distantes da vida quotidiana.



Mongabay: Há algumas iniciativas locais de conservação, na área, que se debrucem sobre o uso da terra?



Karimeh Moukaddem: Não estou ciente de nenhuma. As ONGs ambientais e o envolvimento governamental através das universidades públicas estão largamente concentrados no Norte do Pará, dado que estas instituições estão baseadas fora de Belém. Mover algumas destas iniciativas para o Sul, através da abertura de escritórios em Maraba e Parauapebas seria com certeza mais eficaz na promoção da agricultura sustentável e nos esforços de conservação do que as iniciativas do governo. No entanto, alguns funcionários do governo e mesmo do sector privado recebem um extra pela dificuldade de trabalhar em e à volta de Parauapebas: a corrupção, a violência, as infra-estruturas fracas e as más condições de vida no Sul do Pará parecem desencorajar o envolvimento e formação de ONGs.



Mongabay: Quão bem aplicadas são as leis ambientais nesta área?



Karimeh Moukaddem: Muito mal. Dadas as capacidades técnicas da agência, é impossível pensar que o IBAMA (a agência brasileira encarregue da aplicação das leis ambientais) não esteja consciente de violações ambientais visíveis e escandalosas, como a mineração no leito dos rios. Os residentes repetiram novamente que o IBAMA é corrupto e aceita subornos. De facto, é a única conclusão que faz sentido.



Mongabay: Como é que estes assuntos em Parauapebas (p.e. diferenças económicas, agricultura vs expansão ou a degradação ambiental) representam problemas brasileiros de maiores dimensões?



Aquaculture is an important livelihood for farmers in the region. Photo by: Karimeh Moukaddem.
A aquacultura é uma importante fonte de rendimento para os agricultores da região. Foto de: Karimeh Moukaddem.

Karimeh Moukaddem: O Brasil tem um sério problema em todo o país e em todas as áreas; as leis são excelentes mas não são implementadas ou fiscalizadas devido à corrupção ou a ineficácia institucional. Eu não quero acreditar que é possível contornar a desflorestação da Amazónia sem uma regulação efectiva da lei. A pressão no governo federal produz poucos efeitos nas reformas ao nível local, especialmente no que é relativo à corrupção.



O Brasil é notório pelas desigualdades sócio-económicas, elevados níveis de pobreza e uma pobreza mais profunda que em outros países com economias de tamanho semelhante. As desigualdades na área de Parauapebas são particularmente fortes. Devido à sua vasta riqueza mineral, Pebas tem um PIB municipal igual ou superior a todos os outros municípios, exceptuando o Rio e São Paulo. A pobreza, e mesmo a miséria, numa área tão rica em recursos naturais, é surpreendente, assim como é óbvio que as exportações de matérias primas são em parte a sua causa.



Mongabay: Que conselho daria aos estudantes interessados em estudar assuntos semelhantes nas zonas rurais do Brasil?



Karimeh Moukaddem: Recomendo que os estudantes e investigadores se juntem em equipas de (pelo menos) um cientista social e um cientista natural. A minha investigação teria beneficiado grandemente da colaboração com um biólogo, ecologista de conservação ou cientista do solo. E estou certa de que os benefícios de tal parceria podem ser usufruídos por ambas as partes.



Aqueles que tiverem a oportunidade de estudar no exterior deviam fazê-lo, num local mais seguro, de modo a fazer contactos e a tornarem-se familiares com as condições relativas à saúde e segurança, antes de proporem uma investigação independente. Um nível intermédio de Português é essencial para fazer trabalho de campo nas zonas rurais do Brasil.



Mongabay: Agora que acabou a sua Bolsa Fullbright, o que é que se segue?



Karimeh Moukaddem: Concorri a programas de pós-graduação em desenvolvimento rural e planeamento espacial para o desenvolvimento sustentável. Estou ansiosa por passar tempo com a minha família e amigos nos Estados Unidos!






The city of Parauapebas. Photo by: Karimeh Moukaddem.
A cidade de Parauapebas. Foto de: Karimeh Moukaddem.





Farmer in their field. Photo by: Karimeh Moukaddem.
Agricultor no seu terreno. Foto de: Karimeh Moukaddem.




Cows in the deforested Amazon. Photo by: Karimeh Moukaddem.
Vacaria numa zona desflorestada do Amazonas. Foto de: Karimeh Moukaddem.





Children bathe in a river that is being used for aquaculture on a farm, surrounded by acai plantings. Photo by: Karimeh Moukaddem.
As crianças tomam banho num rio que está a ser usado para aquacultura, estando rodeado de plantações de açaí. Foto de: Karimeh Moukaddem.




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