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Orangutangos versus palmeira de óleo na Malásia: definindo o registro corretamente



A industria de palmeira de óleo da Malásia tem sido amplamente acusada de contribuir para o declínio dramático na população dos orangotangos em Sabah, um estado no norte de Bornéo, nos últimos 30 anos. A indústria tem negado veementemente essas acusações e respondeu com campanhas de marketing afirmando o contrário: que as plantações de palmeiras de óleo podem sustentar e nutrir os grandes primatas vermelhos. A questão veio à tona em Outubro passado no Colóquio Orangutango realizado em Kota Kinabalu. Lá, confrontado pelos biólogos do orangotango, a indústria de palmeira de óleo se comprometeu a apoiar a restauração de corredores florestais ao longo dos rios, a fim de ajudar a facilitar a circulação dos orangotangos entre reservas florestais remanescentes pelos dos mares de plantações de palmeiras de óleo. As ONGs presentes concordaram que eles teriam que trabalhar com a industria para encontrar um equilíbrio que permitiria a sobrevivência atual dos orangotangos na floresta. Contudo, a conferencia foi marcada por muita da mesma retórica que caracterizou a maioria desses encontros — o chefe dos representantes da industria de palmeira de óleo novamente fez alegações dúbias sobre a gestão ambiental da industria. No entanto, desta vez, havia pelo menos um pouco de conhecimento de que a palmeira de óleo precisa ter um papel ativo na conservação.



“A industria quer ser parte dos esforços que não apenas mostram preocupação com o meio ambiente, mas que na verdade sejam parte ativa em sua conservação,” presidente do Conselho da Palmeira de Óleo da Malásia (MPOC), Dato’ Lee Yeow Chor, disse na conferencia.



Apresentando suas descobertas durante o Colloquium Orangotango 2009 sediado no Shangri-la Rasa Ria Resort em Sabah, Malásia Outubro passado. Foto por H. Kler/HUTAN

Enquanto alguns ambientalistas expressaram duvidas sobre o compromisso da industria com a conservação das florestas, Dr. Marc Ancrenaz, o Co-Fundador e Co-Diretor da HUTAN, a ONG que ajudou a organizar o evento, disse que pelo menos os dois lados estão conversando. Como seguimento ao encontro, Ancrenaz respondeu a algumas perguntas sobre a palmeira de óleo em Sabah e na bacia do Rio Kinabatangan, onde a HUTAN concentra seus esforços.


HUTAN’s Q&A with Dr. Marc Ancrenaz



Você concorda com as alegações das organizações como World Growth de que a industria de palmeira de óleo não é diretamente responsável pelo declínio dos orangotangos



Fragmentação da paisagem pela monocultura ao longo do Baixo Kinabatangan. Observe a falta de mata ciliar e em alguns pontos as palmeiras sendo plantadas ao longo do caminho para o Rio Kinabatangan. Fotos cortesia da Novista.

Dr. Ancrenaz: Essas alegação não são verdadeiras, são irresponsáveis e deturpadoras. Os estudos genéticos em Sabah mostram que a população de orangotangos declinou em 50 a 90% nas ultimas décadas. Este severo declínio é devido á diversas causas como a caça e trafico de animais, mas a razão mais importante é a perda florestal quando a floresta é desmatada e convertida para a agricultura. Em Bornéo e Sumatra onde os orangotangos selvagens vivem, a floresta é primariamente convertida para a palmeira de óleo e plantações industriais. A conversão resulta em extrema perda de biodiversidade e na destruição de espécies como os orangotangos. Não há duvidas sobre isso.


Neste caso, por que a World Growth e outras na industria de palmeiras de óleo fazem tais falsas alegações?


Dr. Marc Ancrenaz: Eu acho que é porque temos dois “grupos”, o grupo dos orangotangos e o grupo das palmeiras de óleo. As pessoas dos dois lados são tão passionais que se torna difícil ter uma visão imparcial da situação verdadeira. A industria esta sob o ataque dos ambientalistas e tem adotado a defesa do “greenwashing”, ou lavagem verde, que induz o consumidor ao erro, uma abordagem que nega que eles sejam a raiz do problema. As ONGs têm adotado a estratégia oposta chamada de “blackwashing” e culpam a industria por todos os problemas encontrados em campo, o que também não é verdadeiro. Esta situação é muito triste já que o debate dessa forma, em seu atual estágio não se move em direção alguma. Todos precisamos trabalhar juntos para identificar soluções.


É por este motivo que o senhor trabalhou com o Conselho da Palmeira de Óleo da Malásia (MPOC) recentemente?



No campo, o Santuário da Vida Selvagem no Baixo Kinabatangan, Malásia.

Dr. A: Aqui, eu tenho que começar pagando tributos para o ex-diretor do Departamento da Vida Selvagem de Sabah, Datuk Patrick Mahadi Andau. Como membro da Borneo Conservation Trust (BCT), ele foi abordado pelo MPOC para desenvolver um projeto em Sabah e ele sugeriu que olhassem para o status dos orangotangos dentro da paisagem da palmeira de óleo. Esta pesquisa forneceu a ocasião para entregar informações precisas e imediatas diretamente ao MPOC para que a industria incorpore essas descobertas em suas estratégias de uso da terra. Desde que o MPOC abriu as portas para alguma colaboração, eu senti que era crucial para os ambientalistas e esta indústria sentarem juntos para tentar encontrar soluções para melhorar a situação em campo.


Mas por que olhar dentro das plantações de palmeiras de óleo


Dr. A: As pesquisas conduzidas em 2004 pela HUTAN e pelo Departamento da Vida Selvagem de Sabah revelaram que havia mais de 11.000 orangotangos em Sabah mas incríveis 62% foram encontrados fora das áreas protegidas em florestas não protegidas exploradas para madeira. No entanto nada se sabia sobre os orangotangos “dentro” das plantações de palmeiras de óleo e queríamos investigar se os orangotangos eram também encontrados dentro da paisagem de palmeiras de óleo.


Entao qual é a situação dentro da paisagem de palmeiras de óleo em Sabah Dr. Ancrenaz?



Fragmentação da paisagem pela monocultura ao longo do Baixo Kinabatangan. Observe a falta de mata ciliar e em alguns pontos as palmeiras sendo plantadas por todo caminho que leva ao Rio Kinabatangan. Cortesia de Imagens de Novista.

Dr. A: Hoje, as plantações de palmeira de óleo cobrem um escalonamento de 14.000 quilômetros quadrados em Sabah, isso é igual a ter 20 países como a Singapura em massa de terra só de plantações de palmeira de óleo! Este é o motivo pelo qual Sabah é o produtor número um da Malásia. As palmeiras precisam ser plantadas em planícies abaixo de 500 metros, infelizmente essas florestas de planícies costumavam ser habitadas por grandes orangotangos e outras vidas selvagens antes da floresta ser convertida para a agricultura. Desenvolver palmeiras de óleo nos habitats da planície é portanto destruir a casa da biodiversidade única encontrada em Bornéo. Em uma escala mais precisa, temos estudado os orangotangos no Santuário da Vida Selvagem do Baixo Kinabatangan desde 1998. O Santuário é abrigo para cerca de 1.000 orangotangos, mas este habitat é altamente “acidentado” em áreas isoladas da floresta que são rodeadas por plantações de palmeiras de óleo. Percebemos recentemente que orangotangos machos jovens estavam desaparecendo de nosso local de estudo mas não tínhamos nem pista de para onde eles estavam indo. Claro que queríamos investigar isso mais a fundo, e este projeto conduzido pela BCT com financiamento da MPOC nos deu a oportunidade de investigar esta situação no Leste de Sabah.




Imagem de satellite da Regiao do Rio Kinabatangan. Cortesia do Google Earth



E o que vocês descobriram


Dr. A: Descobrimos um surpreendente numero de ninhos de orangotangos dentro dessas áreas extremamente isoladas e porções degradadas dentro das plantações de palmeiras de óleo e nas florestas de mangue que foram cortadas das florestas principais devido ás plantações de palmeiras de óleo. Estimamos que poucas centenas de indivíduos sejam encontrados na extensa paisagem de palmeira de óleo no Leste de Sabah, ou seja, a Bacia de Kinabatangan, e os Rios Segama e Sugut.


Isto significa que os orangotangos se adaptaram á sobrevivência dentro das plantações de palmeiras de óleo


Dr. A: Eu desejo ser bem claro aqui de forma que estas descobertas não sejam mal interpretadas por outros novamente, os orangotangos não se adaptaram á paisagem de palmeiras de óleo e não conseguem sobreviver lá dentro nas condições atuais. É equivalente a pedir para um humano viver somente comendo batatas. Assim como os humanos precisam de uma variedade de alimentos para sua sobrevivência e saúde, os orangotangos também. No curso de nossa pesquisa no Kinabatangan identificamos mais de 300 espécies diferentes de plantas sendo consumidas pelos orangotangos na floresta, que é seu habitat natural.


Mas Dr. Ancrenaz, se o senhor encontrou orangotangos dentro da paisagem de palmeiras de óleo, isso não significa que eles estão sobrevivendo


Dr. A: Não, não significa.



Fotos tiradas de uma mãe e seu filhote no Santuário da Vida Selvagem de Kinabatangan. Foto de Dzulirwan @ Jolirwan bin Takasi/HUTAN.

Precisamos considerar a ecologia dos orangotangos. Primeiro, quando eles alcançam a maturidade, os machos estão deixando as florestas onde nasceram a procura de novas florestas para estabelecer seus territórios e isso é o que chamamos “dispersão”. No entanto, hoje a floresta está gravemente fragmentada, devastada e isolada em pequenas porções, especialmente em locais como a planície de Kinabatangan. Em Sabah isso é em sua maior parte devido ás plantações de palmeiras de óleo. Então, os orangotangos não têm chance alguma, eles estão assumindo um risco ao cruzar a paisagem de palmeira de óleo á procura por porções remanescentes de floresta. Durante a viagem deles através das plantações, eles comem frutas e folhas jovens da palmeira de óleo para poder sobreviver conforme eles buscam por reminiscências da floresta. Eles têm que andar no chão e fazer ninho em porções de árvores que encontram. A questão é quanto tempo levará para eles encontrarem porções de florestas grandes o suficiente para sua sobrevivência, uma semana, um mês? Eles agüentam? Eles ficam perdidos na vasta imensidão de palmeiras de óleo? Ainda não sabemos as respostas para essas perguntas.


Por que eles simplesmente não ficam nas florestas em que eles estão, por que eles dispersam?


Dr. A.: Através da dispersão os animais misturam seus genes e este processo previne a endogamia e outros distúrbios genéticos de acontecerem na população. Além disso, pequenos fragmentos da floresta podem levar á uma superlotação e brigas entre orangotangos que estão competindo por escassos recursos de alimentos. Neste caso, a dispersão é necessária para regular o numero de animais que podem sobreviver em porções isoladas da floresta.


Entao, o que acontece agora


Dr. A: Há muito que podemos fazer de imediato para ajudar os orangotangos em Sabah e nossas descobertas realmente nos dão a oportunidade da indústria de palmeira de óleo contribuir para a proteção dessa espécie após ter gravemente contribuído para seu declínio. A prioridade seria para as plantações fazerem um esforço para estabelecer corredores de florestas entre os estados para ligar florestas isoladas que ainda são abrigo para os orangotangos. No entanto, esta abordagem é específica. Deixe-me tomar a Planície de Kinabatangan como exemplo. Os participantes do recente Orangotango Colloquium 2009 organizado em Kota Kinabalu pediram um estabelecimento de corredores de floresta de um mínimo absoluto de 100 metros ao longo dos bancos do rio. Tal corredor serviria para ajudar os orangotangos a cruzar a paisagem de palmeira de óleo quando eles dispersam bem como a vida selvagem tal como o Elefante de Bornéo que somente é encontrado em Sabah e na fronteira com Kalimantan, Iindonésia.


Isso não foi feito ainda? Muito tem sido escrito sobre tais contribuições dentro de Kinabatangan pela indústria de palmeira de óleo.



Fotos de uma mãe e seu filhote no Santuário da Vida Selvagem de Kinabatangan. Foto de Dzulirwan @ Jolirwan bin Takasi/HUTAN.

Dr. A: Sim, muito se tem escrito e dito sobre Kinabatangan, mas em muitos lugares, se encontra ainda as palmeiras de óleo às margens ao longo do rio Kinabatangan, não deixando nenhuma chance para os animais se dispersarem a não ser atravessar as plantações. Recriar os corredores de florestas ao longo do rio proveria os animais com percursos e alimentos. Além disso, esses corredores irão beneficiar de outras espécies selvagens e contribuirá significativamente para melhorar a qualidade da água, amenizando o impacto negativo das práticas agrícolas sobre o ambiente. Algumas empresas de palma já estão engajadas na recriação dos corredores em suas propriedades, mas a quantidade de terras dada é minúscula, e real ação tem de ser tomada se quisermos garantir o futuro de Kinabatangan. O Governo do Estado já está tomando medidas, através do Departamento de Animais Selvagens de Sabah e do Ministério do Turismo, Cultura e Meio Ambiente que estão trabalhando para criar este “Corredor da Vida” para o Santuário da Vida Selvagem no Baixo Kinabatangan. Enquanto isso, é triste o fato de que tantos recursos alocados para as práticas de greenwashing promovidas por organizações como a World Growth especialmente quando alegações infundadas são continuamente feitas com intuito de promover o valor dos orangotangos sem tentar melhorar a situação no terreno. Deixe- me ser bem claro nesse ponto, o que quero dizer aqui é que agora é mais que o momento exato de solucionar ou pelo menos minimizar os problemas no terreno para que aumentar as chances de sobrevivência do orangotango. Paremos com o greenwashing e comecemos a injetar dinheiro em replantar os corredores e porções de florestas nos tamanhos adequados. Como reconhecido durante o Colloquium, há um sentimento geral de que esta indústria tem tirado muito das fontes naturais e é hora de devolver antes do colapso dos ecossistemas. Por fim, ninguém discute contra o valor econômico da palmeira de óleo e sua possível contribuição para o desenvolvimento. No entanto é importante fazer a coisa correta e então verdadeiramente estabelecer este debate e questão da palmeira de óleo sustentável.



Dr. Marc Ancrenaz é um biólogo dos animais selvagens, com 20 anos de experiência na África, Arábia Saudita e Bornéu. Publicou numerosos artigos em revistas e jornais como a PLOS Biology, Nature, Conservação Animal, etc, e é um revisor de vários periódicos científicos. Dr.. Ancrenaz é o co-fundador e co-diretor da Organização Não Governamental (ONG) Francesa HUTAN que está sediada na aldeia de Sukau ao longo do rio Kinabatangan localizado na costa leste do Estado de Sabah, na Malásia, na ilha de Bornéu. Desde 1998, HUTAN tem trabalhado com o Departamento da Vida Selvagem de Sabah, sobre questões da proteção dos orangotangos na vida Selvagem. Dr. Ancrenaz também é membro do Painel Conselheiro com o Departamento de Vida Selvagem de Sabah. Ele também é membro do Comitê Director da Seção de grandes primatas na IUCN, Comissão de Sobrevivência das Espécies do Grupo Especialista em Primatas.



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