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Satélites aliados ao Google Earth são ferramenta poderosa na preservação do meio ambiente

Cientistas, conservacionistas sem envolvimento de campo e ambientalistas estão se munindo de vívidas imagens do espaço e dados de sensoriamento remoto; com isso, vêm detectando ameaças ao planeta e disponibilizando essas informações a qualquer pessoa que tenha uma conexão com a Internet.



Em outubro de 2008, cientistas associados ao Jardim Botânico Real de Kew, em Londres (Inglaterra), descobriram uma rica reserva de biodiversidade, incluindo várias novas espécies notáveis, em uma longínqua floresta nas terras altas de Moçambique. Ao adentrarem a região inacessível de 17 mil acres, botânicos e biólogos encontraram 200 tipos de borboletas, centenas de espécies de plantas e inúmeros animais e insetos, incluindo três novas espécies de borboletas Lepidóptera e um novo membro da família de víboras venenosas do Gabão.



O significativo nessa descoberta é que foi feita não por algum destemido aventureiro, mas por um cientista sentado ao computador. Três anos antes, o conservacionista Julian Bayliss identificou o local, Monte Mabu, com ajuda do Google Earth. Então, Bayliss, que é ecólogo na Tanzânia, ajudou a planejar e conduzir a expedição.




Monte Mabu

O uso do Google Earth para fazer descobertas virtuais que acabam levando a descobertas reais é só o exemplo mais recente de como a expansão da tecnologia de satélites – e aplicativos relacionados a ela, como o Google Earth – vêm mudando a forma como cientistas, conservacionistas e cidadãos comuns monitoram o meio ambiente e informam ao público as informações obtidas.



A tecnologia dos satélites já foi restrita ao uso dos militares, dos membros do alto escalão do governo e de cientistas especializados. Hoje, vem sendo democratizada e está se tornando ferramenta indispensável para pesquisadores de uma vasta gama de áreas relacionadas ao meio ambiente. Nos últimos anos, o principal uso das imagens via satélite tem sido quantificar, de forma acurada, a devastação de florestas, desde a amazônica até as do Congo e da Indonésia. No Brasil, cientistas e membros do governo ligados à preservação ambiental podem agora monitorar incêndios e desmatamentos quase em tempo real e agir para combater o desflorestamento.



Mas talvez o avanço mais revolucionário dessa tecnologia de monitoramento do planeta seja o uso cada vez maior do sensoriamento remoto por cidadãos comuns. O Google Earth tem sido um meio para tal desenvolvimento, e representa um ponto decisivo nessa evolução, porque permite a qualquer um que esteja conectado à Internet anexar dados a uma representação geográfica da Terra. Grupos de ambientalistas e cidadãos estão usando a ferramenta para monitorar ameaças de projetos de hidrelétricas a rios intocados pela poluição; também usam o Google Earth para catalogar espécies sob risco de extinção, ajudar povos indígenas amazônicos a protegerem suas terras e alertar funcionários do governo quanto à pescaria ilegal nas Ilhas Canárias.



“Há uma década, imagens de alta resolução de todo o planeta geradas por satélites teriam sido acessíveis apenas a umas poucas pessoas trabalhando em agências do governo e na extração de recursos, ou aos cientistas”, diz David Tryse, especialista em tecnologia de Internet e cidadão comum. Ele desenvolveu inúmeros aplicativos para o Google Earth que agora vêm sendo usados por cientistas e grupos ambientalistas. “Hoje, essa possibilidade está nas mãos de milhões de pessoas. É impossível lidar com algo que você não sabe que existe; agora, no entanto, pode ir a qualquer ponto do planeta e ampliar a imagem para ver por si mesmo os enormes incêndios provocados pelas operações da Shell com gasodutos, no delta do rio Níger. Também pode acompanhar o vazamento tóxico e incolor que parte das minas de ouro no Peru ou em Papua e corre centenas de quilômetros pela correnteza rio abaixo, através da mata”.




ZSL

O primeiro satélite não-metereológico, o Landsat, foi lançado para uso civil em 1972, quando a NASA o pôs em órbita para monitorar as áreas contínuas de terra do planeta; ele permitia a observação de tudo, desde a desertificação até as mudanças na agricultura. A partir desse ponto, o monitoramento de uma gama de processos físicos tem sido feito com satélites ainda mais sofisticados, com câmeras e uma variedade de sensores – incluindo microondas passivas, capazes de penetrar através das nuvens até a superfície da Terra, e sensores infravermelhos, que podem medir a temperatura.




Actic


Hoje, vários países usam satélites para monitorar seu meio ambiente; um exemplo é o Brasil, que possui os sistemas mais sofisticados do mundo para detectar e acompanhar desmatamentos. O país utiliza dois sistemas que identificam com rapidez onde a perda de florestas está ocorrendo, o que dá ao Ministério do Meio Ambiente a capacidade técnica – e não necessariamente a vontade política – para combater o desflorestamento em tempo real. Esses sistemas baseiam-se em sensores ópticos incapazes de atravessar as nuvens, mas logo o Brasil irá lançar seu próprio satélite terreno de observação – o LIDAR – com tecnologia para isso.



Greg Asner, do Departamento de Ecologia Global da Carnegie’s Institution, na Universidade de Stanford, já usou a alta tecnologia do LIDAR para observar uma floresta no Havaí e identificar espécies de plantas desconhecidas de acordo com sua copa e com a quantidade espécies arbustivas crescendo no solo ao redor delas.



O surgimento do REDD (Reduzindo Emissões do Desflorestamento e da Degradação), um mecanismo para compensar os países tropicais que conservarem suas florestas, representou uma nova fronteira no que tange o sensoriamento remoto. Até hoje, um dos grandes obstáculos ao conceito tem sido estabelecer um padrão nacional dos índices de desmatamento que seja confiável. Para poder compensar os países por “desmatamento evitado”, agentes governamentais precisam primeiro saber a quantidade de floresta desmatada ao longo da história do país em questão. Para a comunidade em torno do sensoriamento remoto, o REDD é uma oportunidade para demonstrar o poder dessa tecnologia; também pode gerar fontes de financiamento aos países para que aperfeiçoem sua capacidade de sensoriamento.



Surgido em 2005, o Google Earth, que pode ser baixado de graça, coleta e organiza dados obtidos via satélite a partir de imagens, fotografia aérea e sistemas globais de informação em 3D vindos de uma série de fontes. Então, apresenta essas informações em um formato facilmente acessível ao público em geral. A KML, que é a linguagem de programação do Google Earth, permite que o usuário “interaja” com o planeta, anexando imagens e outras informações aos dados geoespaciais. Por isso, o Google Earth é uma ferramenta ideal para os conservacionistas, como o grupo Save the Elephants [Salve os Elefantes], que acompanha os movimentos de elefantes através da África para ver em que áreas eles entram em conflito com seres humanos, e onde vão buscar alimento. Para expandir ainda mais os objetivos de conservação, o Google desenvolveu o programa Outreach, uma iniciativa que funciona junto a organizações não-lucrativas para desenvolver ferramentas que utilizem o Google Earth.



Sumatra

Em parte, a inspiração para o Google Earth Outreach veio de dentro da própria empresa. A programadora do Google Rebecca Moore usou o Google Earth para documentar um projeto planejado para extração de madeira perto de sua casa, no Condado Santa Cruz, na Califórnia. Ao trabalhar com pessoas de sua comunidade, ela criou um mapa virtual da área que seria afetada. Depois, com as informações, fez uma animação que levava os usuários em um vôo virtual sobre a zona de extração proposta. O resultado foi um protesto feroz que levou ao cancelamento do projeto. Pouco depois, em junho de 2007, o Google Outreach foi lançado, com Moore no comando.



“O Google Earth traz, a muitas áreas, modelos tão realísticos da Terra real que é quase como se a gente estivesse no topo daquela montanha, ou olhando aquele vale de cima”, afirma Moore. “Essa experiência de imersão permite que organizações de conservação ambiental apresentem, de forma mais rápida e persuasiva, questões complexas à mídia, ao público e aos responsáveis pelas tomadas de decisão, que, não raro, têm pouco tempo de examinar os problemas”.



Muitos cientistas já começaram a adaptar a tecnologia do Google Earth a suas pesquisas e comunicação com o público. A tecnologia também surgiu como forma de publicar resultados científicos em formato acessível e fácil de entender. Mesmo que não vá substituir as publicações científicas, o Google Earth oferece um formato visual conciso para apresentar pesquisas – esse formato pode agradar mais do que pontos em um gráfico, colunas em uma planilha eletrônica, ou mapas de apenas 4 cores.



Mark Mulligan, da Equipe de Monitoramento Cartografia Ambiental do King’s College, em Londres, aproveitou o poder do Google Earth para criar o HealthyPlanet.org, iniciativa que permite à pessoas observarem virtualmente, e apoiarem financeiramente, uma das 77 mil áreas de proteção existentes no planeta. O grupo dele também desenvolveu um aplicativo, o Costing Nature, que dá aos usuários a capacidade de rastrear correntes de água do meio urbano até a área protegida em que se iniciaram na forma de chuva; esse é um poderoso exemplo do valor dos serviços de ecossistemas. A equipe de Muligan também desenvolveu aplicativos do Google Earth para examinar o impacto da produção de petróleo na Amazônia equatoriana e na distribuição das manchas de floresta tropical.




Costing Nature


“As informações obtidas por sensoriamento remoto eram tradicionalmente difíceis de conseguir, difíceis de processar e custavam muito mais do que as organizações ambientalistas menores podiam pagar”, segundo Mulligan. “Com o Google Earth, essas organizações podem acompanhar seus projetos do espaço e obter vasta quantidade de informações, além de imagens. Está claro que a preservação ambiental precisa de bons profissionais trabalhando em terra, junto às comunidades, mas também precisa atrair grupos significativos de cidadãos engajados dispostos a fazerem a sua parte”.



O Google Earth também vem sendo usado para pesquisas inéditas. Um estudo, publicado nos anais de 2008 da Academia Nacional de Ciências dos EUA, teve como base uma análise das 8510 cabeças de gado detectadas em imagens de 308 pastos e planícies feitas pelo Google Earth em todo o mundo. Foi impressionante notar que dois terços do gado, assim como a maioria dos 3 mil cervos que foram monitorados em fotos da República Tcheca, tendem a se alinhar com as linhas do campo magnético da Terra, na direção norte-sul. A pesquisa empregou tecnologia de satélites para revelar um fenômeno que se ocultou sob claras vistas literalmente por milênios: o de que animais terrestres não-migratórios de grande porte são afetados pelo magnetismo da Terra (estudos anteriores haviam mostrado que o magnetismo terrestre guiava as migrações de longa distância de pássaros, peixes, borboletas e outros animais).



David Tryse encontra-se entre os cidadãos comuns ativos no uso do Google Earth para trabalhos ambientais. Seu interesse ambiental levou-o a desenvolver um aplicativo para o programa “EDGE of Existence” [À beira da existência], da Sociedade Zoológica de Londres; era uma iniciativa para conscientizar – e buscar fundos – para a preservação de 100 das espécies mais raras do mundo. O aplicativo permite que as pessoas surfem pelo planeta para ver fotos de espécies ameaçadas de extinção, além de informações sobre seu habitat e as ameaças que enfrentam. Tryse também usou o Google Earth para rastrear o desmatamento no mundo e as ameaças representadas pelas hidroelétricas aos rios de Bornéu; também mapeou, em todo o planeta, as áreas de biodiversidade mais significativas no mundo e monitorou a invasão das terras de tribos indígenas isoladas.



A Fundação Jane Goodall, em parceria com o Google Earth Outreach, usa as imagens tridimensionais do Google Earth para mostrar a moradores de vilas na Tanzânia que as florestas são sua fonte de água, e para pedir a ajuda deles na identificação do habitat dos chimpanzés e das trilhas dos elefantes.



Um dos primeiros projetos do Google Outreach envolveu tribos indígenas da floresta amazônica. As tribos vêm enfrentando ataques de ameaças a suas terras e cultura, e por isso têm adotado a alta tecnologia como meio de proteger e administrar melhor os lugares onde vivem. As tribos – incluindo os Surui, no oeste do Brasil, e os Wayana e Trio, no Suriname – estão usando GPS para mapear suas terras, além dos percursos dos rios, lugares com significado espiritual e recursos, incluindo plantas medicinais e ricas áreas de caça. A Rainforest Foundation [Fundação pela Floresta Tropical] do Reino Unido e o Global Canopy Program [Programa Mundial Copa de Árvore] vêm tendo a mesma estratégia no Congo e em Camarão, respectivamente; eles ajudam comunidades a mapearem suas terras como proteção contra extração ilegal de madeira e outra formas de invasão de terras.



Em Rondonia, Brasil, Surui usa laptops fornecidos pela ACT para monitorar suas reservas usando a tecnologia do Google Earth. Foto &copia; Fernando Bizerra Jr.

“O Google Earth é usado principalmente para vigilância”, informa Vasco van Roosmalen, diretor de projeto no Brasil para o Amazon Conservation Team [Equipe de Conservação da Amazônia], organização que coordena o projeto Google Earth junto às tribos. Os índios entram no Google Earth e analisam imagens, centímetro a centímetro, em busca de novas minas de ouro que hajam aparecido, ou de invasões que estejam ocorrendo. Podem ver manchas nos rios, possível resultado de sedimentação e poluição vindos de alguma mina nos arredores. São capazes de usar essas imagens para encontrar até a menor mina de ouro”.



Como Almir Surui, Chefe da tribo Surui, coloca: “Os Surui não conhecem muito sobre Internet, mas o Google não conhece muito sobre a floresta; então, trabalhando juntos, seremos mais fortes”.

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