O fim das migrações: o maior espetáculo da vida selvagem está seriamente ameaçado
O fim das migrações: o maior espetáculo da vida selvagem está seriamente ameaçado
Jeremy Hance, pt.mongabay.com
Traduzido por Luis Carlos Oña Magalhães
22 de agosto de 2008
Por que a abundância tem tanta importância? A conservação das migrações preservaria importantes serviços do ecossistema.
Se pudéssemos voltar no tempo em cerca de 200 anos, poderíamos admirar milhões de baleias nadarem ao longo de sua rota de migração. Por volta de 150 anos atrás, poderíamos testemunhar bisões preenchendo a vasta pradaria Americana ou bilhões de pombos-passageiros escurecerem o céu por dias a fio. Há apenas algumas décadas podíamos ver um milhão de antílopes saiga cruzando as planícies da Ásia.
Avançando para os dias de hoje vemos que a população de baleia corcunda está menor que 2% de sua estimada população histórica, passando de monstruosos 1,5 milhões para 20.000. Apenas 350.000 bisões sobreviveram de uma população que deve ter chegado a 100 milhões; sua percentagem remanescente nem chega a ser um número inteiro. O antílope saiga reduziu 95% de sua população em 20 anos, de um milhão de indivíduos para 50.000. Mas o pombo-passageiro se mostra o mais afetado, já que era um dos pássaros mais populosos do mundo e foi extinto em algumas décadas. Esses exemplos ilustram uma ocorrência comum: o fenômeno de migração em massa segue o mesmo caminho do pombo-passageiro. De baleias e tartarugas marinhas para insetos e pássaros de canto, de animais ungulados para predadores que os perseguem, as migrações em massa têm diminuído ao redor do mundo. Em um artigo na PLoS Biology, os cientistas David S. Wilcove e Marin Wikelski discutem as ramificações dessas perdas em abundância e a importância de uma nova atenção conservacionista sobre os assediados animais migratórios.
Gnús na Tanzania.Foto de R. Butler |
Os autores descrevem quatro razões principais para a ameaça grave sobre a migração em massa: barreiras criadas pelo homem como represas, cercas, e estradas; destruição de habitat; mudança climática; e super exploração de espécies, especialmente importante no caso de migrantes oceânicos e de água-doce. Todas essas razões são antropogênicas (relacionadas ao homem), mas Wilcove e Wikelski crêem que aqueles que causaram o fim de grandes migrações podem também salvá-las. Os autores discutem que as grandes migrações mundiais merecem iniciativas conservacionistas em grande escala. Na verdade eles dizem que a migração em massa deveria ser protegida da mesma forma que as espécies ameaçadas de extinção; mas diferentemente das espécies ameaçadas, grandes populações das espécies migrantes devem ser preservadas para que sejam garantidos seus sucessos, enquanto que com poucos casais saudáveis acasalando pode ser suficiente para a recuperação de espécies em extinção.
Apesar de não ser conhecido exatamente como cada migração afeta seu ecossistema, os autores acreditam que a diminuição de tais migrações altera drasticamente a produtividade de um ecossistema, desafiando sua habilidade de fornecer serviços essenciais. Por exemplo, os autores mencionam que o salmão “migrando rio acima, desovando e morrendo, transferem nutrientes do oceano para os rios. Uma parcela dos nutrientes é entregue na forma de fezes, sêmen e ovos do peixe com vida; muito mais vem das carcaças dos adultos em decomposição. Fósforo e nitrogênio da carcaça auxiliam no crescimento do fitoplâncton e zooplâncton nos rios, que servem de alimento para peixes menores, incluindo os jovens salmões”. No entanto os rios à noroeste dos Estados Unidos recebem apenas 6 a 7 % dos nutrientes que antes recebiam devido ao declínio drástico na população migratória de salmão. A redução de nutrientes leva por fim ao número menor de salmões na geração seguinte e também a uma menor biomassa.
Bisão Americano. Foto de R. Butler |
Não é apenas a migração de uma espécie como o salmão ou o antílope saiga que sofre essa redução. “Até mesmo migrações menos iconoclastas mostram sinais de problemas”, escrevem os autores. “Observadores de pássaros na América do Norte e Europa, por exemplo, reclamam que a cada primavera um menor número de pássaros de canto retorna de seus locais de inverno na América Latina e África respectivamente”. Os autores citam um estudo recente sobre pássaros europeus que mostra que pássaros migratórios têm sofrido um declínio maior em suas populações do que aquelas espécies de residência fixa. Tais quedas na população tendem a ter grande impacto nos ecossistemas. Um exemplo, fornecido pelos autores, é a importância dos pássaros migratórios no controle de populações de insetos nas florestas. Um menor número de aves pode significar numa explosão populacional de insetos, alguns dos quais podem ser prejudiciais às florestas ou áreas rurais próximas. Na verdade, um estudo de 2005 sobre a extinção do pombo-passageiro discute que a morte do pássaro causou a prevalência atual da doença de Lyme. Observando que os carrapatos de veados, que espalham a doença de Lyme, e os pombos-passageiros competem pela mesma fonte de alimento, os frutos do carvalho, os pesquisadores concluíram que a perda dos pombos-passageiros causou um aumento incompreensível na população de carrapatos de veados devido a um aumento constante nos frutos do carvalho.
Preservar milhares a milhões de indivíduos não será fácil. Os cientistas dizem que salvar essas migrações trará “desafios científicos e sociais únicos” Como alguém pode abordar a preservação de abundância ao invés de organizar para existência única? Os autores acreditam que para proteger migrações será necessária ação nos níveis local, nacional, e global. Aqueles que estão no poder terão que mudar sua forma de pensar e proteger uma espécie antes que sua população comece a diminuir.
Baleia corcunda no Alasca. Foto de R. Butler |
“Se tivermos sucesso,” Wilcove e Wikelski escrevem, “será porque os governos e indivíduos aprenderem a agir pró-ativamente e em cooperação para abordar problemas ambientais, e porque criamos uma rede internacional de áreas protegidas que é capaz de proteger muito da diversidade natural do planeta.”
Os autores acreditam que valerá a pena a energia e sacrifícios necessários, levando em conta os serviços ecológicos fornecido por esses movimentos em massa, a importância científica de estudar os mecanismos por trás de tais migrações, e a perfeita maravilha de tais espetáculos. Tais migrações são um tipo de culminação do potencial da Natureza – que uma vez prevaleceu por todo o mundo, e agora sobrevive apenas em poucos lugares anômalos.
Algumas grandes migrações ainda se mantêm. As borboletas ainda atravessam limites internacionais em números surpreendentes. Todo mês de maio cerca de um milhão de gnús viajam através das planícies da África, fornecendo alimento para muitos dos maiores predadores da África, de leões à hienas e crocodilos. Caribus ainda migram aos milhares através da tundra do Ártico. E apenas há um ano atrás uma migração desconhecida foi observada no sul do Sudão, com mais de um milhão de antílopes, incluindo o cob-comum, o topi, e a gazela Mongalla. O conservacionista e aventureiro Michael Fay, disse sobre a descoberta: “Essa pode representar a maior migração de grandes animais do planeta Terra. Eu nunca vi a vida selvagem em tais proporções, nem mesmo sobrevoando migrações em massa do Serengeti.”
Ugandan Kob. Photo by R. Butler |
Apesar de estarem diminuindo, grandes migrações ainda existem: a descoberta de uma nova migração, contendo um milhão de indivíduos mostra esse fato. Agora com atenção pró-ativa, com grande energia e cooperação global, tais migrações podem não somente sobreviver, mas prosperar. No futuro, assim como no passado, milhões de baleias, antílopes saiga, e até mesmo bisões poderão se mover pelas rotas migratórias, completando seus papéis ecológicos.
Wilcove DS, Wikelski M (2008) Going, going, gone: Is animal migration disappearing? PLoS Biol 6(7): e188. doi:10.1371/journal.pbio.0060188